Quando assisti à transmissão televisiva de parte dos interrogatórios a José Sócrates, perguntei a mim mesmo, como é que era possível, tornarem aqueles filmes públicos. Porquê esta necessidade de humilhar o arguido e de colocar a justiça ainda mais nas "bocas do povo"?
Mas hoje ao ler a crónica de António Barreto no "Diário de Notícias", em que ele escreveu muito do que pensei, achei que devia dizer alguma coisa. E nada melhor que transcrever algumas das suas palavras:
[...] «A divulgação em canais de televisão do interrogatório
de José Sócrates, brada aos céus. Outros, incluindo os banqueiros arguidos, já
por ali tinham passado. E também aqui não se viu, até agora, uma reacção
institucional que traga decência e civilidade à justiça.
Mesmo em democracia, um interrogatório feito pela
polícia é sempre um momento de debilidade pessoal. Seja ou não bandido ou
aldrabão, tenha ou não um currículo violento, possua ou não músculos ou
capital, partilhe ou não ferocidade com animais selvagens, um arguido ou um
suspeito está sempre, durante o interrogatório, em situação de inferioridade,
facilmente amedrontado, quase sempre em fragilidade psicológica. Mesmo quando
reage com fúria destemperada, como foi o caso, o arguido está assustado e luta
pela vida. Em pleno interrogatório, sobretudo se tem algo a esconder, se há
culpa, se procura defender-se, qualquer pessoa, mesmo valente ou violenta,
merece, porque é uma pessoa humana, um pouco de respeito. Uma justiça decente
tem em consideração a humanidade das pessoas e dos processos. O que estão a
fazer com José Sócrates é imperdoável. Como foi com os banqueiros e outros. A
falta de respeito pelo arguido não é apenas isso: é sobretudo falta de respeito
pelos cidadãos, por nós todos.» [...]
Quem será que tem a coragem de dizer aos juízes, delegados, procuradores e jornalistas, que eles não são "justiceiros populares"?
E nem me apetece falar das estações televisivas e da comunicação social em geral... a não ser para dizer que a SIC afinal não é assim tão diferente da TVI e do CMTV, nem o "Expresso" do "Correio da Manhã"...
(Óleo de Armando Morales)