Além disso, a sua lucidez continua a ser invejável. O Jorge consegue ver sempre mais longe que eu, porque continua a percorrer caminhos dos quais fujo a sete pés. Não é propositado este meu sentido de abstração, capaz de me ajudar a empurrar os dramas para um canto qualquer e a seguir em frente, sem andar "a vida toda" a pensar em coisas pequeninas...
O homem que eu conheci há mais vinte anos no mundo das colectividades, além de ser um trabalhador incansável, tinha uma capacidade de invenção muito própria, capaz de nos poupar muitos cobres, pois como todos os artistas, era capaz de dar uma nova vida a qualquer pedaço de lixo.
Quando chegou a fase dos insultos, trouxe para a mesa meia dúzia de "figurões". Escutava-o em silêncio, com vontade de lhe dizer que ele estava a exagerar. Mas o problema é que não estava. Falava de todos aqueles que foram ocupando o poder, aqui e ali, que não tinham qualquer pudor em colher os louros do trabalho dos outros, por viverem "cheios deles mesmos". Sorri quando ele disse, que são sempre os outros a "enfrentar os cornos do touro", e que eles ficam sentadinhos, à espera do fim da "tourada"..
Não estranhei quando ele me perguntou: «Qual é o problema de dizerem o nome, publicamente, de quem fez isto ou aquilo?»
Ambos sabíamos a resposta.
Este é o tempo deles...
(Fotografia de Luís Eme - Almada)