Almocei há pouco com um amigo raro, que encontro muito menos vezes que as que queria. Recuámos no tempo e falámos de pessoas, lugares, até voltámos à noite lisboeta que nos empurrava fora de horas para espaços distintos, que tanto podiam estar povoados de "putas" a tomarem a ceia (guardadas por proxenetas de casacos amarelos, vermelhos, camisas berrantes de colarinhos grandes, e claro, dentes e fios de ouro, que brilhavam quando se cruzavam com as luzes dos candeeiros, dignos de qualquer filme) - como eram os casos do "Truque" ou da "Cave do Vale" - ou de "paneleiros" (discretos e indiscretos...), do "Finalmente" ao "Harris".
Isto porque as discotecas e bares normalizados fechavam às quatro da manhã e depois desta hora, só era possível beber uma cerveja nos espaços alternativos, abertos. Aventuras da primeira metade dos anos oitenta do século passado, em que quase ninguém tinha carro e o primeiro cacilheiro só se banhava no Tejo, quase às seis da manhã...
Este meu amigo era o mais bem sucedido com a fauna feminina, por razões que escapam quase sempre à compreensão masculina. Era e é uma pessoa extremamente séria, mas quando estava com uma mulher, era capaz de lhes contar as histórias mais absurdas, satisfazendo para lá dos limites do tolerável, a curiosidade e a intuição feminina. Muitas vezes eu tinha de virar a cara para o lado para não me desmanchar a rir.
Quando lhe disse que ele é que devia escrever estórias e não eu, sorriu com o ar malandro que ainda mantém.
Recordámos quando um dos nossos amigos comuns quis saber qual era o truque que ele usava: «tens de me explicar como é que engatas as gajas.» E explicou, com um ar sério: «primeiro olho bem para elas, depois finjo que me esqueci da sua presença. Escondo-me, atrás das colunas ou das pessoas e fico a ver se elas andam com a cabeça no ar, à minha procura. E está feito.»
O nosso amigo seguiu à letra as instruções, mas de pouco ou nada lhe valeram, olhava-as profundamente, escondia-se e recebia toneladas de indiferença...
Há coisas que não se explicam e embora hoje existam muitos livros de "auxílio", provavelmente é necessário um livro de instruções para cada mulher...
O óleo é de Pierre de Mougins.