sexta-feira, julho 31, 2020

Alves Redol e o "Comboio das Seis"...


Tenho tantos livros em casa que ainda não li, que as minhas escolhas para ler, são muito aleatórias. Quando "tropeço" num livro que me chama a atenção, pego nele e deixo-o na mesa de cabeceira.

Foi o que aconteceu com "Nasci com Passaporte de Turista e Outros Contos", de Alves Redol.

Devo confessar que, no começo não foi uma leitura muito entusiasmante (também é preciso preparar-nos para a leitura...). Mas quando as pessoas das vidas difíceis começaram a aparecer com as marcas do seu dia-a-dia sofrido, com a autenticidade e o humanismo que marcam todo o percurso literário de Redol, tudo se tornou mais intenso.

Gostei particularmente do "Comboio das Seis", por toda a magia que ele transporta (mesmo que o escritor ribatejano seja tudo menos um "mágico", no campo da literatura)...

(Fotografia de Luís Eme - Trafaria)

quinta-feira, julho 30, 2020

«Tentamos olhar sempre para o melhor lado do pano...»


Apesar de ter de andar sempre vestido com uma bata demasiado quente para este Verão (não tem nada a ver com a que usava, branca, quase de médico...), de luvas e de máscara, e de passar o tempo a desinfectar os instrumentos que usa e a cadeira, o meu barbeiro confidenciou-me que há algo que vai manter, quando os tempos mudarem: a marcação de cortes de cabelo.

As marcações permitem-lhe ser dono do seu tempo. Até pode fazer "gazeta", se lhe apetecer...

Um dos empregados do restaurante que frequentava mais em Almada, desabafou que é chato andar de máscara, mas nunca mais foi preciso andar a correr de mesa em mesa, quase a "toque de caixa", ao mesmo tempo que sentia "zunirem" rente aos ouvidos os gritos da clientela, quase em simultâneo, a pedir vinho, pão, sobremesa, um guardanapo ou a conta. O patrão não deve dizer o mesmo, pois não voltou a ver a "casa cheia"...

Pois é, as vontades da classe operária, raramente coincidem com o patronato...

O Manel da mercearia próxima da minha casa, nunca teve tantos clientes como desde a pandemia. E a multiplicação do dinheiro em caixa ajuda a ultrapassar todas as outras chatices...

E eu digo: «Tentamos olhar sempre para o melhor lado do pano, ou seja, o lado com menos "nódoas".»

(Fotografia de Luís Eme - Aveiro)

quarta-feira, julho 29, 2020

«Se soubesses o que custa mandar, preferias obedecer toda a vida»


Manuel António Pina, além de extraordinário poeta, era um dos melhores cronistas do quotidiano (para mim era o melhor...), e não precisava de usar muitas palavras para chegar ao "sítio certo", quase sempre com ironia.

Hoje, por um mero acaso, "encontrei-o", numa "Visão" de Outubro de 2004, onde andava à volta de "Um país de presidentes"...

Começou a crónica assim: «Às vezes, assistindo ao telejornal, pergunto-me sobre quantos presidentes por metro quadrado haverá no País (nos telejornais aparecem habitualmente quatro ou cinco por notícia quadrada...)»

E às tantas  recorda: «Nas paredes de escolas e liceus do antigamente avultava um sensato e presidencial conselho de Salazar: "Se soubesses o que custa mandar, preferias obedecer toda a vida". Surpreende por isso o espírito de sacrifício de tantos portugueses hoje dispostos a carregar o fardo de mandar, Há anos, um ministro dos Negócios Estrangeiros foi ao ponto de aceitar o cargo mesmo sabendo, conforme viria nos jornais, que o que ganhava no Governo mal lhe dava para pagar os charutos; e, apesar disso, ninguém lhe ergueu uma estátua ou lhe escreveu uma ode! E portugueses excepcionais como o major Valentim Loureiro ou o eng.º Mira Amaral, que exercem dúzias de presidências ao mesmo tempo, têm ainda que arrostar com a ingratidão e a incompreensão dos contemporâneos!»

E mais não digo (o bom do Pina disse quase tudo...).

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)

terça-feira, julho 28, 2020

A Tal Linha Quase"Invisível"...


A atitude dos pais que proibiram os dois filhos de frequentarem as aulas de Cidadania, levantam a velha questão, quase sempre polémica, se a liberdade pessoal de cada um de nós se deve sobrepor aos interesses colectivos. 

Normalmente empurra-se a questão para o lado, com um "depende" (dá para tudo)...

O que eu sei é que não podemos, nem devemos, continuar a desvalorizar o ensino e a educação. Queixamos-nos de que os nossos filhos têm cada vezes menos conhecimentos elementares do que é a vida em sociedade, com a desvalorização de algo tão importante, que entendíamos como "cultura geral", que também está em desuso... e depois proibimos-os de frequentar uma disciplina importante, que procura de alguma forma, colmatar esta lacuna do ensino, com a sua ligação (de várias formas) à sociedade onde estamos inseridos...

(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)

segunda-feira, julho 27, 2020

«Não se preocupe, eles não sabem nada de história»


Um político local num dos seus discursos de circunstância, resolveu "roubar" quase 500 anos a um acontecimento histórico.

Quando um dos seus assessores, com conhecimentos sobre história local lhe chamou a atenção, ele em vez de pensar em corrigir o erro, disse: «Não se preocupe, eles não sabem nada de história.»

Infelizmente, é esta a ideia que muitos políticos têm das pessoas e do mundo que os cerca...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)

domingo, julho 26, 2020

Somos Racistas e Cobardes


O que aconteceu ontem em Moscavide, não diz apenas que somos racistas. Diz algo que sei há muito tempo: somos uns cobardes.

Cobardia que se torna ainda mais nítida no calor do Verão, através da acção de dezenas e dezenas de incendiários, que destroem diariamente milhares e milhares de hectares das nossas zonas verdes...

(Fotografia de Luís Eme - Beira Baixa)

sábado, julho 25, 2020

Ter a Música Oceânica para Adormecer...


Nas últimas duas décadas passei sempre a segunda quinzena de Julho no Sul, por necessidade de mudar de ares e saber que ali tínhamos praia todos os dias, em águas normalmente calmas (ao contrário do meu Oeste, onde a frequência do nevoeiro pode ser agradável para quem está de passagem, mas é horrível para quem quer fazer praia, e do verdadeiro mar, cheio de ondas que encontro na "minha" Foz do Arelho...), o que era essencial para os meus filhos.

Este ano o "lay-off" fez com que a minha companheira não pudesse ter férias em Julho e ainda não sabemos muito bem como vai ser o resto do nosso Verão...

Toda esta prosa, porque esta noite, ao ouvir o vento a soprar na rua, recordei o quanto é delicioso, adormecer com o som das ondas do mar...

(Fotografia de Luís Eme - Foz do Arelho)

quinta-feira, julho 23, 2020

Saudades de Estar (e de me sentir livre)...


Nunca fui pessoa de telefonar a toda a hora, nem de estar todos os dias com os meus amigos.

Continuo a não telefonar muito (lembro-me muito mais do que telefono...), mas sinto falta de estar, de olhar, de sorrir, de entrar de corpo e alma nas "conversas distraídas" que tinha com os meus poucos amigos, em que o almoço era sempre o menos importante. 

Falávamos de tudo o que nos apetecia... Havia anedotas, boa e má língua, memórias das que valem a pena (tanta gente que se sentava connosco à mesa...), que ficavam à beira do mundo dos livros e dos filmes...

E tenho saudades de me sentir livre... de poder dar corda aos ténis e saber que se aparecesse em tal sítio à hora do costume, alguém me pagava o café ou eu pagava o café a alguém... com a troca de palavras e de sorrisos do costume.

(Fotografia de Luís Eme - Cacilhas)

quarta-feira, julho 22, 2020

«Toda a gente que andou na escola sabe escrever»



Há verdades, que por terem tanto de absurdo" como de "lapalicianas", não nos merecem resposta. Provavelmente por não existir uma explicação simples para dar... e por se ser quase obrigatório a recorrer às monótonas discussões sobre "o sexo dos anjos"... 

O engraçado da questão é serem ditas por gente, a quem a falta de um neurónio (ou dois...) foi compensada por um quase orgulho, de terem tanto de ignorantes como de espertos.

O melhor mesmo é desmontar a frase logo de início, dizer que saber escrever letras não é a mesma coisa que escrever livros, mesmo que não percebam à primeira e à segunda. 

Segundo um meu amigo, quase filósofo, é esta nossa ausência de resposta que vai dando força a esta gentinha, que não têm nada de "pobres diabos" (apesar de algumas pessoas continuarem a insistir em lhe chamar coisas do género...). 

Eles vão experimentando tudo o que os possa fazer subir (de elevadores a teleféricos), até tiram "cursos de alpinismo", para conseguirem chegar ao alto da montanha, preparados para agarrar todas as oportunidades que "caiam do céu". 

E podem crer, se a oportunidade surgir eles estão lá, na primeira fila, mais que preparados para serem maus primeiros-ministros ou presidentes da república, como já acontece nas Américas...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)

terça-feira, julho 21, 2020

Estes Dias Quase Amarelos...


Estes dias quase amarelos, com  o Sol a brincar às escondidas com umas nuvens esquisitas, que deixam passar o calor, só escondem a luz, são no mínimo estranhos...

E depois, o corpo é que paga... como cantava o António. A roupa cola-se ao corpo, o suor escorre pela testa, mesmo quando estamos quase parados...

Nem as trovoadas nocturnas nos dão descanso.  

Sem darmos por isso, estamos cada vez mais perto do Norte de África...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)

segunda-feira, julho 20, 2020

(desabafo de um simples habitante de um dos muitos caixotes de cimento que enchem as cidades...)


Agora é que precisávamos todos de um jardim, de um quintal anexo à nossa casinha. Não, nem é preciso piscina, um alguidar grande pode servir para ir refrescando o corpo e a alma... para suportarmos este calor que já não chega apenas do Sul.

Importante mesmo é ter algum espaço extra, para não nos sentirmos "enjaulados" ou "engaiolados" entre as quatro ou cinco paredes do nosso apartamento.

(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)

domingo, julho 19, 2020

"Um milhão para ti e uma sopita para mim..."


Por muito que me apeteça fingir que não, este é o meu país...

Nem é importante o facto de eu não ver a TVI, de não visitar os estádios de futebol ou não ser cliente da Sport TV ou Benfica TV.

Com vontade ou sem vontade, sei que também alimento este "país dos milhões" da Cristina Ferreira e do Jorge Jesus, mesmo que só me toque uma sopita ao jantar...

Deixou de existir um fosso entre ricos e pobres. É cada vez mais uma cratera...

Tudo o resto soa a "música de violino", com mais ou menos afinação. E também por isso já estou farto da aparente "sintonia de amor", que existe entre o primeiro-ministro e o presidente da república...

(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)

sábado, julho 18, 2020

Premiar a Surpresa e não a Qualidade...


Nos últimos anos sinto que muitas escolhas dos júris de prémios literários (e também de outros...),  mais que premiar, procuram surpreender (tudo e todos). 

Fico com a sensação de que mais importante que premiar o melhor autor e a melhor obra a concurso, é apostar na "surpresa", no "não candidato". 

Será que não percebem que estão a retirar a importância e o peso histórico destes galardões? 

E isso começa logo com aquele que dizem ser o prémio mais importante. Esse mesmo, o "Nobel"...

Pior que isso, só a oferta de prémios, como se estes fossem de "carreira" (mesmo que isso nem sequer conste nos regulamentos). Ou seja, em vez de se olhar para a obra em si, olha-se para a vida toda do autor...

(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)

sexta-feira, julho 17, 2020

Portas Fechadas que não Vão Voltar a Abrir...


Hoje de manhã, ainda antes de começar a sentir a atmosfera marroquina,  dei uma volta pela cidade. Reparei em algumas portas fechadas e pensei para comigo: "Estas já não voltam a abrir"...

Falo de pequenos cafés (quase "tascos"), impossíveis de funcionar com as restrições de espaço, com a obrigatoriedade de distanciamento social e com as novas regras de higienização. Provavelmente algumas voltarão a abrir, mas serão outras coisas, diferentes dos espaços de convívio.

Muitas das pessoas que agora passam a maior parte do tempo em casa (quase todos nós...), quando puderem voltar a sair para a rua, para voltarem a ter uma vida quase normal, percebem que isso não é possível.

Terras como Almada, com muitas colectividades, quando acordarem deste pesadelo, vão descobrir que a maior parte delas já passou à história (para satisfação dos governantes actuais, que olham para todas as associações, como se estivessem pintadas de vermelho e tivessem nos seus emblemas foices e martelos...).

Pois é... continuarão a receber "convites" quase invisíveis, para irem para casa... 

É por isso que eu digo, que já apareceram por aqui muitos vírus, mas nenhum tão fascista e anti-social como este...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)

quinta-feira, julho 16, 2020

A Capa das "Virtudes Públicas e dos Vícios Privados"...


Às vezes fico a pensar que a minha geração ficou na fronteira de um país que alimentava uma série de "coisas proibidas" (mas muito apetecidas...) e de outro, que se queria livre, também nos hábitos e costumes.

Para não ser muito "curto", meto na minha geração, "a malta que aprendia a ser gente" e tinha entre 8 e 15 anos quando se deu o Revolução de Abril.

Embora não esteja a escrever por experiência prática (tinha apenas onze anos em Abril de 1974...), penso que o chamado "amor livre" e a "emancipação feminina" foram acabando com uma boa parte dessas práticas, até aí normalizadas, que eram tidas quase como "acrescentos à masculinidade". 

O mais curioso, é que estes retratos continuam a parecer-me mais ficção que realidade. Provavelmente por ter vivido até aos 18 anos numa pequena cidade de província...

Talvez Lisboa, Porto, Braga e Coimbra, também fossem quase de outro "planeta", nesses tempos cheios de "moral e dos bons costumes". 

Pois é, parece que quase todos os empresários de sucesso tinham uma "amante", capaz de parar o trânsito de qualquer rua e de fazer inveja aos amigos (bem comida, bebida e vestida, normalmente com casa posta...). Os "machos" do povo, por sua vez, piscavam o olho a todas as mulheres que lhe agradavam (casadas, solteiras, viúvas ou divorciadas...) e ofereciam-lhe "piropos" ordinários, desses que agora dão prisão... Era o tempo em que "mulheres sérias não tinham ouvidos"...

Claro que muitas mulheres também se vingavam deste "libreto machista", em surdina, e tinham os seus "casos", que não tinham de ser com o carteiro, o cobrador da luz e água, o merceeiro ou o homem do talho...

Era um mundo quase perfeito, com muita gente a esgotar a lotação das missas de domingo, protegida com a capa das "virtudes públicas e dos vícios privados"...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)

quarta-feira, julho 15, 2020

«Podemos gostar e não gostar, quase ao mesmo tempo, de coisas, de pessoas...»


«Podemos gostar e não gostar, quase ao mesmo tempo, de coisas, de pessoas...»

Eu sabia. Mas acho que nunca o tinha dito, com tanta nitidez. Foi preciso a conversa ficar mais densa, mais profunda, para aceitar, mais uma vez, as contradições que vivem dentro de nós...

Falávamos de livros e de escritores. Saramago e Lobo Antunes acabaram por centrar a nossa conversa. Ambos estávamos de acordo no essencial: Saramago era um "escritor da planície" e Antunes "um escritor das colinas". Sim, Saramago ou se gosta ou não se gosta. Não há meio termo. A sua biografia não engana. Já Lobo Antunes, tem muitas mais nuances. E foi por isso que, mesmo sem o Nobel, foi ele o centro da nossa conversa...

Quando eu disse que gostava do escritor que fala das correcções que faz, do muito que corta, por as suas primeiras versões serem distantes daquilo que imagina que será o livro, ao mesmo tempo que detestava o escritor que se sente o "melhor do mundo", ou que é capaz de reduzir as suas crónicas a mero divertimento, sem qualquer qualidade literária. Tu dissestes que gostavas disso tudo... de ele não ser um escritor a "preto e branco". E não é mesmo...

Perguntei-te se não te irritava ele se afirmar como o "melhor escritor do mundo"... tu sorriste e abanaste a cabeça a dizer que não. E depois disseste que ele era um brincalhão, especialmente nas entrevistas.

(Fotografia de Luís Eme - Almada)

terça-feira, julho 14, 2020

Escrever "Postais"(quase poéticos)...


Como já escrevi por aqui, pouco tenho escrito (o blogue é quase a "salvação" das palavras...) usando as palavras que se querem aproximar de literatura. Poesia ainda menos...

Mas hoje, por ter acordado cedo, o livro de um poeta piscou-me o olho ("Algumas Palavras" de Eduardo Guerra Carneiro...) e descobri nas suas páginas aproximações a este tempo, ao ponto de ter escrito "postais (é isto que lhe chamo) deste tempo". Nada menos que seis, de enfiada...

Vou deixar um "postal" por aqui:


Acordo com o grito feliz de duas crianças.
A pandemia trouxe-os para a minha rua,
para a casa larga da avó.

Ouvir crianças a sorrir e a gritar
é quase como ouvir os pássaros
a quebrarem o silêncio das manhãs.

Mas depois fiquei a pensar:
Como se explica este tempo maldito a uma criança?

Talvez não se explique. Vive-se apenas...


Pois é, ler ajuda muito a escrever...


(Fotografia de Luís Eme - Fonte da Pipa)

segunda-feira, julho 13, 2020

Compadrio, Incompetência e Comunismo


Não deixa de ser estranho, que num país onde a "cunha" e o "compadrio" continuam a dominar a toda a linha o mundo do trabalho, a escolha de uma ex-deputada, por um júri qualificado, para directora do Museu do Aljube, continue a fazer tanta comichão a historiadores, jornalistas, políticos e comentadores.

Embora não tenha formação em história e museologia (é formada em Ciência Política e Relações Internacionais), segundo o júri, Rita Rato foi quem apresentou um melhor projecto para o Museu e quem melhor os seduziu e convenceu nas entrevistas.

Será que o problema é a Rita ser comunista? Ou o que disse, ou não disse, numa entrevista em 2009, sobre o passado do comunismo na China, na União Soviética ou na Coreia do Norte? Ou é o "papão", que de vez em quando volta? Ou será que os elementos do júri eram todos comunistas? (não podemos excluir nenhuma possibilidade...)

Até parece que este não é o país onde existem dezenas de casos de escolhas (não de concursos...), de ministros e secretários de Estado (de gestores públicos o melhor é nem sequer falar...), que a única marca que fica nas suas passagens governativas, é a incompetência e o desconhecimento sobre as áreas para a qual são convidados a servir o país...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)

domingo, julho 12, 2020

Hoje Lê-se Muito Mais (mas sem se ter tempo para pensar...)


Nunca digo que hoje se lê menos que ontem, porque é mentira.

As pessoas, de todas as gerações, passam horas e horas, com os olhos presos aos ecrãs curtos dos "smartphones" (sim, poucas pessoas têm apenas um telemóvel, como é o meu caso...), a consumir imagens e palavras, que lhes chegam de todos os lados, em segundos.

Esta "inundação" de informação dos nossos dias quase que nos faz viver "atolados" quase até ao pescoço, com notícias, mesmo que estas não sejam mais que "fair-divers" (a maioria são volúveis, e até fantasiosas, acabando por nos afastar das coisas que são realmente importantes...).

Como as pessoas cada vez pensam menos (a informação não nos dá tempo nem descanso para isso...), nem sequer se dão ao trabalho de perceber essa coisa simples, de que receber informação não é a mesma coisa que receber conhecimento. 

Aliás, o conhecimento não é algo que se recebe, sem se ter qualquer reacção. O conhecimento só se adquire depois de "digerirmos" bem a informação que recebemos, de a pensarmos, de a questionarmos, e claro, de a percebermos...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)

sábado, julho 11, 2020

"Acertar ao Lado" e "Dias Planos"...


Nunca tirei nenhum curso de dactilografia, era por isso que quando escrevia à máquina (nunca foi grande adepto...), utilizava um dedo de cada mão, quase à vez...

O computador veio facilitar as coisas (devo ter comprado o primeiro pc, há quase trinta anos, penso que no final de 1992, um "Schneider",  ainda com disquete de arranque...), embora continue a escrever dedo a dedo, mas com muito mais ligeireza que nos tempos da "Olimpus", e sobretudo, mais silêncio...

Reparo que há dias em que acerto mais ao lado e fico a saber quais são as letras que mais repito (ou apenas as que mais acerto ao lado...) troco sobretudo o pelo p, o v pelo b, o a pelo s, o n pelo m e o r pelo e.

Sei também o porquê de "acertar mais ao lado". Normalmente estou com pressa e quero escrever o maior número possível de palavras num minuto, mas também posso estar apenas  mais "alterado", porque nem todos os dias são planos, como estes dos últimos tempos...

(Fotografia de Luís Eme - Alcácer do Sal - esta é uma daquelas fotografias colocadas quase a "despropósito", mas apeteceu-me colocá-la, porque sei que este blogue não é tão alegre como devia, e nem sempre se lembra de falar de amor...)


sexta-feira, julho 10, 2020

De Obscenidade em Obscenidade...


Quando vejo afixados cartazes de sindicatos a "exigirem" aumentos de ordenados e subsídios de risco, para quem tem trabalhado continuamente, penso em todas as pessoas que perderam emprego, ou que deixaram de receber ordenado (os trabalhadores precários...). E penso também nos efeitos da "crise" de todo este inferno pandémico, que só se devem sentir no começo do Inverno...

Mas depois não consigo ficar indiferente ao "novelo da EDP", que continua a ser desfiado, nem fazer "ouvidos moucos" a tudo o que se diz que foi feito pelo senhor Mexia. E ainda fico pior quando leio a notícia sobre a venda de uma série de activos do Novo Banco, com o desconto de 70 por cento, ao fundo onde antes trabalhara o senhor inglês, que agora é o chairman do grupo. Só espero que o mais que aparente "conflito de interesses" e a "gestão ruinosa" deste senhor, não caiam no saco do costume...

Prefiro não falar do papel do Estado na TAP e na EFACEC, embora os exemplos anteriores não sejam nada prometedores para todos nós...

E acabo a pensar que o País não deve conseguir suportar os aumentos dos trabalhadores, porque os patrões, os gestores, os ministros e os secretários de estado não querem. Pois é, são muitos os milhões que têm sido deitados fora, com os erros de gestão e os maus investimentos do Estado (basta contabilizar os governos de Sócrates, Passos Coelho e Costa, nem é preciso ir mais longe...).

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)

quarta-feira, julho 08, 2020

Excelentes Realizadores e Actores para um Cinema Quase Inexistente...


O cinema português sobrevive há décadas, sobretudo graças à "carolice", e amor à arte, de uma grande parte dos nossos realizadores, muitos deles premiados internacionalmente, mas que nunca receberam o apoio que mereciam (a excepção que confirma a regra foi Manoel de Oliveira, que "fintou" toda a gente com a sua longevidade, continuando a realizar filmes depois dos 100 anos..).

Há quarenta anos que oiço falar de "promiscuidade" e "falta de transparência", na atribuição de subsídios por parte do Estado. Praticamente todos os realizadores que, podemos chamar de "consagrados", de Fernando Lopes a José Fonseca e Costa (que já não estão entre nós), passando por António-Pedro Vasconcelos, Luís Filipe Rocha, João Botelho, Joaquim Leitão, todos se queixaram e se sentiram prejudicados nestas últimas quatro décadas.

Esta falta de apoio fez com que se inventasse excessivamente, que se fizessem demasiados filmes com o menor custo possível. E o mais curioso, é que muitos deles foram premiados internacionalmente. Pois é, Pedro Costa, Margarida Cardoso, Miguel Gomes, Teresa Villaverde, Edgar Pêra, Manuel Mozos, Marco Martins,  João Pedro Rodrigues, Miguel Gonçalves Mendes, João Salaviza, Sérgio Tréfaut, Cláudia Tomaz e Ligia Teles, têm conseguido autênticos "milagres".

E também não deixa de ser curioso, que mesmo sem a existência de uma indústria, sempre houve actores que demonstraram grande talento para a sétima arte: Isabel Ruth, Nicolau Breyner, Laura Soveral, Canto e Castro, Rogério Samora, José Pinto, Rita Blanco, Vitor Norte, Alexandra Lencastre, Pedro Hestner Ferreira e Ana Padrão (entraram em dezenas de filmes desde Abril...), tal como outros mais jovens como Beatriz Batarda, Nuno Lopes, Soraia Chaves, Albano Jerónimo, Vitória Guerra ou Afonso Pimentel, têm deixado a sua "impressão digital", nos filmes em que participam.

É caso para dizer: temos excelentes realizadores e actores para um cinema quase inexistente...

(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)

terça-feira, julho 07, 2020

O Poder de Síntese no Cinema


Esta imagem poderia indiciar que eu iria falar do tempo em que as salas de cinema eram "templos do silêncio", onde a  própria escuridão nos ajudava a visualizar o filme ao pormenor...

Mas não. Apetece-me falar sim, do poder de síntese do cinema. Mas para o fazer não posso falar do cinema dos nossos dias, porque ele é sobretudo espectáculo, a própria exploração dos efeitos especiais e o uso da tecnologia, acabam por banalizar o trabalho do actor...

Tenho de andar alguns anos para trás, quando os realizadores conseguiam contar a história da vida de alguém, em apenas hora e meia... Hoje talvez tal não seja possível, por isso é que muitos se viraram para as séries televisivas, onde têm muitos episódios, muitas temporadas, para contar a tal história, que acaba por se multiplicar, em nome do negócio...

É também por isso que me apetece louvar o Manoel de Oliveira, que nunca teve a pressa da maior parte dos fazedores de filmes, mesmo que tivesse apenas duas horas para contar uma história...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)

segunda-feira, julho 06, 2020

Lisboetas (e vizinhança...) quase "Proscritos"...


Embora exista uma explicação sociológica (tal como existiu para o Norte, no início da pandemia, onde se continuou a trabalhar, até mais tarde...), os jornalistas adoram "rótulos", da mesma forma que os comentadores adoram "disparar com os dedos"... E agora somos nós, que vivemos na Área Metropolitana de Lisboa os "maus da fita".

Se as pessoas que dão notícias não começarem a ter um comportamento normal, somos quase proibidos de nos deslocar, para Sul ou para Norte, ficando "proscritos", até que apareça no horizonte noticioso, algo de novo para explorar...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)

domingo, julho 05, 2020

Coisas que Tento Fixar...


Há muitas coisas que fotógrafo sempre que posso.

Para além dos candeeiros, bancos de jardim, janelas, dos jogos de cor (tenho centenas de fotografias com duas tonalidades, amarelo e azul... tal como dezenas de mulheres de vermelho), sempre que descubro alguém a ler (felizmente ainda há muita gente que gosta de ler livros...), aproveito para "disparar".

Mas há mais: sem saber explicar muito bem porquê, sempre que vejo alguém a fotografar alguma coisa, apetece-me fotografá-la...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)

sábado, julho 04, 2020

O Olhar dos Outros como "Espelho"...


Sei que é mais normal do que parece, dizermos coisas só por dizer.

Esse pormenor devia fazer com que eu não ligasse à senhora, que apesar de estar a alguma distância, mesmo sem dar por isso, falou para eu ouvir. 

Mas havia algo de cómico e de fatalista nas afirmações da mulher, quando disse que já não precisava de branquear os dentes, por causa do uso das máscaras. Máscaras que nunca mais nos iriam deixar em paz.

Apeteceu-me bater na mesa, apesar de não ser de madeira.

E depois fiquei a pensar que para muitas pessoas o olhar dos outros é mais importante que o seu próprio espelho, esse quase "ecrã", de vários tamanhos, para onde espreitam, mal se levantam... e que pode ser assustador.

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)

sexta-feira, julho 03, 2020

"O Pior Cego é Sempre Aquele que não Quer Ver"...


Todos nós já percebemos que o "covid 19" não é diferente das outras doenças. Quanto maiores forem as dificuldades económicas maior é a probabilidade de se ficar infectado por este vírus, mortal.

Quando um secretário de Estado (Duarte Cordeiro) não consegue dizer que o grosso do problema (aumento do número de infectados...) está nos bairros pobres, deve pensar que somos todos tolinhos.

São as pessoas mais pobres que vivem em casas sem as condições mínimas de habitabilidade (pequenas e sobrelotadas...), aumentando o risco de contágio junto da família e amigos; são as pessoas mais pobres que não possuem transporte próprio e têm de se deslocar diariamente para os seus trabalhos, em autocarros, comboios e metro, sem condições para respeitar o distanciamento; são as pessoas mais pobres, as mais atingidas com o desemprego, que se vêem obrigadas a aceitar qualquer ocupação, mesmo que não respeitem as normas da DGS... porque o "vírus", está longe de ser o seu problema maior...

Mas como nos diz a sabedoria popular: "O pior cego é sempre aquele que não quer ver"...

(Fotografia de Luís Eme - Trafaria)

quinta-feira, julho 02, 2020

Amália, Ontem e Hoje...


Iniciaram-se ontem as comemorações do centenário de Amália Rodrigues (dia em que nasceu...), que continua a ser nossa grande "diva" da música, e da cultura portuguesa, graças à sua capacidade vocal ímpar como fadista e cançonetista. 

Foi ela que deu a conhecer ao mundo o Fado, que continua a ser "a nossa canção", não só pela famosa saudade, mas também pela melancolia e pelo conjunto de sentimentos,  quase sempre tristes e solitários, que evocam a não menos famosa "alma lusitana".

Tive a felicidade de a entrevistar e perceber que era um ser humano demasiado simples, frágil, e até inseguro, para o peso mítico que o seu nome transportava (entrevistei-a para uma rubrica que tinha no "Record", aos domingos, chamada "Contra-Ponto", em que entrevistava uma pessoa do desporto e outra fora dele e tentava falar de coisas diferentes com eles. O outro entrevistado foi o Eusébio, que também era a simplicidade em pessoa, mas percebia-se que nunca se devia ter levado demasiado a sério e demonstrava conviver melhor com o "Mito Eusébio", que a Rainha do Fado com o "Mito Amália"...).

Pessoas como Amália, deviam poder ter "duas peles", "duas vidas", para se libertarem do peso (tantas vezes insuportável...) que o seu nome artístico transporta...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)

quarta-feira, julho 01, 2020

Singularidades da Cultura Nestes Tempos Estranhos...


Fiquei ali sentado a ouvir aquele piano de cauda, que me oferecia música, graças a um rapaz, que minutos depois vim a saber que tinha tanto de talentoso como de estranho.

O meu filho contou-me que ele era o Filipe, filho de um casal amigo que perdera de vista nos últimos anos. Sabia pouco dele. A única coisa que tinha sido assunto de conversa em casa, foi que saíra de casa aos dezoito anos, para ser músico profissional, e pouco mais...

Acabámos por ficar à conversa. Sei que fui demasiado indiscreto, propositadamente. Quando lhe perguntei onde vivia, respondeu-me com algum sarcasmo: «Onde vivo? Não se preocupe, que não vivo debaixo da ponte. Quando se tem pais que não prestam, há quase sempre uma avó ou uma tia caridosa, que olham por nós e nos ajudam a crescer.»

Estava a ser injusto. Um dia iria perceber isso...

Ele tocara qualquer coisa muito suave, próximo do blues, dando voz a uma ou outra melodia, como se cantasse apenas para ele. Quando quis saber o que tocara e cantara, porque uma ou outra coisa me tinham parecido familiares, explicou-me: «Toquei coisas minhas e também de outros. Cantei um pouco de Marvin Gaye, pouco mais que um verso... apeteceu-me. Continuo a gostar de músicas que me fazem sonhar e gosto de coisas suaves e lentas. Gosto por exemplo de João Gilberto e de Marvin Gaye porque não gritam a cantar, quase que sussurram...»

E foi ainda mais longe: «Quando toco a solo gosto de tocar coisas suaves. Deve ser por isso que, antes da pandemia, trabalhava como músico de um bar de hotel, duas vezes por semana. Só punha o piano a gritar quando era preciso acordar uma ou outra pessoa e convidá-las a irem para o quarto.»

E depois ofereceu-nos um sorriso.

Fiquei por ali a pensar, nesta coisa estranhas de se querer ser músico, actor, bailarino, escritor ou pintor,  enquanto os dois rapazolas foram à vida deles.

Com todas as dificuldades culturais que vieram à "superfície", graças à pandemia, é possível que muito jovem de talento, volte a uma segunda opção, prefira estudar engenharia, biologia ou história, ficando a arte com as horas mortas. 

A não ser que queiram muito, muito mesmo, fazer qualquer criativa e singular, como o Filipe...

(Fotografia de Luís Eme - Alentejo)