quinta-feira, dezembro 31, 2015

A Ilusão do Novo...


Não sou muito de fazer balanços no final do ano, até por saber que há demasiadas coisas que não dominamos, e que acabam por ter influência (positiva e negativa) no nosso dia a dia.

Como vivo um dia atrás do outro, não tenho a ilusão do novo, de que tudo muda de uma hora para a outra.

Tenho apenas a esperança de que 2016 possa ser um ano melhor que 2015 para todos nós.

(A fotografia é minha e foi tirada na Quinta da Arealva)

terça-feira, dezembro 29, 2015

O Querer e o Poder Mudar...


Todos os anos nos acontece a mesma coisa, mas...

Podemos e queremos mudar quase tudo das nossas vidas, mesmo sabendo que as coisas não funcionam dessa maneira, porque estamos quase sempre dependentes de tudo aquilo que nos rodeia, especialmente as pessoas. 

Deve ser por isso que apostamos sempre mais na mudança exterior e que as lojas de roupas e de outros acessórios não têm mãos a medir nestes dias. 

Claro que nem tudo é mau, pois este desejo não deixa também de ser uma boa desculpa para aceitarmos que uma ida ao cabeleireiro ou ao centro comercial, nos oferece a mudança possível para 2016...

O óleo é de Karel  Appel

sábado, dezembro 26, 2015

Os Cheiros Diferentes de Inverno das Aldeias e das Cidades


Uma das coisa que gostava na infância era do cheiro da lareira da casa dos meus avós, que de Inverno estava sempre acesa. E mesmo o cheiro da lenha a queimar nas ruas, também tinha um encanto especial.

Pode ser uma deturpação da memória, mas este cheiro não tem, nem nunca teve nada a ver com o cheiro das ruas das cidades que têm casas com lareira.

E não acredito que seja o problema da qualidade da madeira utilizada...

A fotografia é de John Maddon.

quinta-feira, dezembro 24, 2015

Acontece "Natal"...


Natal

Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Era gente a correr pela música acima.
Uma onda uma festa. Palavras a saltar.
Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras. Ou talvez mar.
E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus ritos.
No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.
E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.
Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).
Todo o tempo num só tempo: andamento
de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.
Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva
na cidade agitada pelo vento.
Natal Natal (diziam). E acontecia.
Como se fosse na palavra a rosa brava
acontecia. E era Dezembro que floria.
Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.
E era na lava a rosa e a palavra.
Todo o tempo num só tempo: nascimento de poesia.

                                                       Manuel Alegre

quarta-feira, dezembro 23, 2015

«Ainda acreditas que as mais sossegadas são as piores?»


Quando tu me perguntaste com um sorriso: «Ainda acreditas que as mais sossegadas são as piores?» Limitei-me a devolver-te o sorriso.

Claro que sabia que as sossegadas não eram piores nem melhores que as outras, apenas mais discretas.

Sabia que por causa deste dito popular, as pessoas sossegadas sempre foram olhadas quase à lupa, em movimentos ascendentes e descendentes. Quase que se tratava de um trabalho de investigação, como se através do olhar fosse possível entrar dentro das pessoas e descobrir os segredos que guardavam e os sonhos que tinham. Era como se escondessem um segredo, ou pior, uma anomalia.

Aquilo que eu sempre soube era que as sossegadas eram as menos desejáveis, e desde os tempos da meninice. Não que gostasse especialmente do tipo de miúda "maria-rapaz", mas era importante sentir-me acompanhado, nem que fosse para dar comer aos peixes. Nunca achei muitas piada às "torres de marfim" onde se guardavam princesas...

Infelizmente foi o que te aconteceu. Durante a infância e adolescência mal pisaste a rua. Lias muito, o que em vez de te sossegar só te inquietou. Era esse o teu maior segredo. Eras uma sossegada inquieta, com tantos sonhos escondidos nas páginas dos teus diários, que um dia queimaste. 

Foi quando decidiste deixar de ser uma mulher sossegada.

O óleo é de Henri Lebasque.

segunda-feira, dezembro 21, 2015

Às Voltas no Carrocel da Cidade


Pensava que hoje ainda não era Natal, mas enganei-me.

Tive de me deslocar de carro e percebi que era dia deles. De fila em fila lá fui andando.

Em alguns períodos, fiquei mesmo parado, ainda que por breves segundos.

Foi num desses momentos que tive uma daquelas ideias mirabolantes, mais de desenho animado que de filme, embora os efeitos especiais permitam quase tudo...

Pensei que os carros se deviam ter revoltado com a passividade dos donos e tinham resolvido sair dos lugares de estacionamento, como se precisassem de mexer as rodas e começar a circular por aí, numa verdadeira festa da anarquia.

Mas não. Foi apenas o Natal que chegou uns dias mais cedo... quase em anuncio: «Vamos mas é para as compras que já se faz tarde.»

(Eu sei que é preciso "fugir", até porque já anda por aí outra sombra negra, que não difere muito das anteriores. Esta chama-se banif...)

domingo, dezembro 20, 2015

Um Natal Mais Farto, Mas Apenas de um Lado...


Apesar de haver muitas queixas dos comerciantes, nota-se que há mais gente nas lojas. E não acredito que a maioria apenas se limite a ver...

Claro que para se gastar dinheiro em prendas, não se compram outras coisas, porque o dinheiro do cidadão comum não é igual aos dos banqueiros, não estica e encolhe, conforme as suas vontades.

Mesmo assim estranhei entrar num restaurante no sábado à noite e encontrá-lo completamente vazio. Muitas vezes este "vazio" é um convite a mudarmos de freguesia, mas nós ficámos, o que deve ter dado algum jeito ao dono, à empregada de mesa e à cozinheira...

Depois de nós entrou apenas um senhor, que comeu uma sopa e uma bifana no pão.

E fomos muito bem servidos, apesar do desânimo natural de quem abre as portas para servir os outros e para ganhar a vidinha...

A fotografia é de René Groebi.

sexta-feira, dezembro 18, 2015

Essa Coisa Chamada Democracia


No decorrer de um trabalho de investigação sobre a cisão de uma colectividade centenária, um dos meus companheiros estava cada vez mais inclinado a dar razão ao homem que tinha batido com a porta,  para posteriormente formar uma outra associação, rival e inimiga, pelo menos nos primeiros anos.

Já tinha esgotado quase todos os argumentos quando lhe lembrei que a democracia se alimentava da vitória das maiorias, por muito que achássemos que estava errada. Não podíamos esquecer que o senhor que se achava certo, foi derrotado pela maioria dos elementos dos Corpos Gerentes. Como não aceitou a derrota, saiu, juntamente com os seus correlegionários. 

A minha última frase bastante elucidativa: «é desta maneira que começam todas as ditaduras...»

Foi um ponto de vista forte que o deixou a pensar e fez descer à Terra, porque ele sabe tão bem como eu que não basta criticarmos as ditaduras e os ditadores, é preciso sim, sabermos viver em Democracia.

O óleo é de René Magritte.

quinta-feira, dezembro 17, 2015

A Nossa Crónica Jornalística


Embora a crónica seja quase sempre deitada fora com o jornal, tem um prazo de validade mais extensivo que as notícias do dia, e é por isso que muitas se juntam e acabam por se transformar em livros.

Isso também acontece porque sempre tivemos cronistas de alta qualidade (muitos deles literatos).

Se há jornalista que admire pela qualidade das suas crónicas, no nosso tempo, é o Ferreira Fernandes do "Diário de Notícias", que ainda por cima, escreve diariamente. Além da qualidade da sua escrita, está sempre em cima do acontecimento, com uma pertinência rara. Percebe-se que não escreve para ser simpático para ninguém e usa a ironia como poucos.

Ao seu nível estava apenas o saudoso Manuel António Pina, no "Jornal de Notícias", que também nos oferecia prosas diárias. Por ser poeta, talvez comunicasse com mais beleza, mas nunca deixava de dizer o que pensava.

Os outros cronistas, que na maior parte das vezes só escrevem uma vez por semana, estão a uma distância considerável do FF, por várias razões. Uma boa parte nunca despe a camisola e passa o tempo a fazer fretes políticos (é por isso que as suas palavras libertam muitas vezes um cheiro no mínimo estranho...);   outros são uma espécie de "pistoleiros", gostam de escrever sempre contra qualquer coisa, como é o caso do Vasco Pulido Valente, que ainda por cima é desonesto intelectualmente; há outros ainda escrevem para o espelho e gostam de bajular os que os  rodeiam (Manuel Sérgio é um bom exemplo...). Enfim, temos opiniões para todos os gostos.

Além dos já citados, gosto de ler o Pacheco Pereira, o Nicolau Santos e o Miguel Sousa Tavares. Embora nem sempre concorde com eles, gosto da forma como escrevem e também da sua coragem intelectual.

E como sou das culturas há ainda quatro cronistas que leio sempre: João Lopes, Pedro Mexia, Manuel S. Fonseca e Jorge Calado.

Apesar da falta de independência de muitos cronistas, a crónica continua a ser um dos bons exemplos de liberdade no jornalismo.

O óleo é de Douglas Grey.

quarta-feira, dezembro 16, 2015

Sempre a Justiça na Corda Bamba


Embora seja uma evidência diária, esta semana ainda nos saltou mais à vista a influência que a política e o futebol têm no comportamento das pessoas, aliada a um terceiro elemento (infelizmente comum aos dois...), a prática da justiça, que é sempre olhada de forma polémica, pelos muitos exemplos negativos que transporta no nosso dia a dia.

A entrevista de José Sócrates à TVI foi arrasadora, a todos os níveis, tanto para a justiça como para o jornalismo. Mesmo que ele seja culpado e mentiroso, continuam a ser desconhecidas provas convincentes contra a sua pessoa e a somarem-se incongruências na investigação e no procedimento do juiz em todo este processo. 

Mas o grave da questão é percebermos que há um tratamento desigual, mesmo entre a chamada "nata da sociedade". Exemplos? Continuam a não existir culpados nos casos mais ruinosos do nosso tempo, BPN e BES, em que foram subtraídoss muitos milhões a todos nós.

No futebol os clubes grandes são quase sempre os beneficiados dos erros da arbitragem, mas mesmo assim, insistem em fazer o papel de vitimas. O que aconteceu esta semana com o FC Porto não é nenhuma novidade, mas não deixa de ser escandaloso que o seu treinador, depois de beneficiar de duas grandes penalidades que não foram marcadas contra o seu clube, tenha ainda o desplante de dizer em relação ao árbitro da partida: «Não tenho nenhuma dúvida em relação à sua capacidade. Oxalá tivéssemos sempre árbitros com esta personalidade e capacidade.»

Não podemos nem devemos olhar para estes casos apenas como "fair-divers". É demasiado óbvio que a falta de credibilidade da nossa justiça, com tantas dúvidas e tantos "culpados" por aí à solta, dá cabo de qualquer sociedade. 

Penso mesmo que só os nossos "brandos costumes" é que explicam que não existam mais casos de violência entre nós, quando sabemos que vive tanta gente abaixo dos limiares da pobreza...

A foto é de Edward Steichen.

segunda-feira, dezembro 14, 2015

Os Livros que me Apetece Ler e os Outros...


Comecei por escrever no título: "Os Livros que nos Apetece Ler e os Outros...". Mas lembrei-me de imediato que estava a falar apenas do leitor que há em mim e de mais ninguém. Ou seja, neste escrito não há qualquer dado estatístico, encontram apenas o preconceito de leitor. Sim, não tenho qualquer dúvida em assumir, que se há uma situação em que eu seja preconceituoso, é na escolha dos livros que leio.

Eu conto: se há um escritor que me seduz na primeira leitura, tento sempre ler mais e mais livros, gerados na sua "fábrica de sonhos". Claro que o contrário também acontece, raramente dou uma segunda oportunidade a quem me desilude na estreia, a quem não me diz nada com as suas palavras.

Noto isto na época de Natal em que faço uma lista mental dos livros que gostava que me oferecessem. Há um que já me ofereci a mim próprio (é a prenda da minha mãe, e ainda falta outro, que é a prenda da minha sogra. Ambas preferem que seja eu a escolher os livros que quero ler...), por ter quase a certeza de que ninguém mo iria oferecer, a "Biblioteca", de Pedro Mexia.

Entre outras coisas, espero que não me ofereçam o romance da Clara Ferreira Alves (lá vem o meu preconceito...).  Ela e o Miguel Sousa Tavares são bons exemplos de que um bom cronista não tem de ser um bom romancista, por mais suor que lhes escorra pela testa. Escrever romances é outra coisa...

Por exemplo, estou muito mais interessado em ler, "Onde a Noite Acaba", contos e novelas de José Rodrigues Miguéis, que a Clara me ofereceu, mesmo que seja de 1959 e já tenha passado pelas mãos de vários leitores.

Das edições natalícias  tenho curiosidade em ler , "Bronco Angel, o Cow-boy Analfabeto", de Fernando Assis Pacheco, "A Minha Europa" de Maria Filomena Mónica ou o 4º volume da biografia de Álvaro Cunhal de Pacheco Pereira.

Há um livro que me desperta alguma curiosidade, mas tenho algum receio de ficar desiludido. É "O Independente, a Maquina de Triturar Políticos", apenas por uma razão: li algures que é escrito por antigos jornalistas do semanário (Filipe Costa Santos e Liliana Valente). Na minha opinião um livro destes devia ser escrito por gente de fora, nunca da casa (provavelmente estou a ser mais uma vez preconceituoso...), para que exista alguma distanciação do "fenómeno", tão odiado pelos cavaquistas.

Claro que há muitos mais livros que quero ler, mas tenho pelo menos uns trinta em fila na estante a acenarem-me. Uns quase que até fazem o pino para serem lidos. E são de bons autores.

O óleo é de N. C. Wyeth.

domingo, dezembro 13, 2015

A Solidão num Banco da Cidade


Passei e foi impossível não reparar na senhora sentada no banco, com um molho de flores silvestres nas mãos, colhidas em qualquer campo aberto ou nos canteiros que rodeiam as árvores da avenida.

Quando voltei da minha caminhada, quase uma hora depois, a senhora continuava no mesmo banco, sozinha, agarrada às flores que colhera ou que alguém lhe oferecera.

Talvez estivesse à espera de alguém, sem relógio...

Pensei na minha mãe. Pensei que a devia visitar mais vezes. Até por estarmos apenas a 100 quilómetros de distância... Mesmo sabendo que ela tem gente amiga suficiente à sua volta, assim como o meu irmão e restante família...

Sei que o domingo sempre foi o dia mais difícil de passar (e de viver...) para quem vive sozinho. 

Acho que não mudou muito, embora as pessoas já não se reúnam como noutros tempos e a família tenha perdido o peso  e a afectividade que tinha noutros tempos, quando era mais difícil sobreviver sem o braço amigo dos outros...

O óleo é de Trisha Lambi.

sábado, dezembro 12, 2015

Todos somos poetas e cantores.»


O homem com a viola pendurada ao pescoço, antes de actuar com o seu grupo, quis ler um poema. E como ainda não estava satisfeito disse para a assistência: «Todos somos poetas e cantores.»

Eu olhei para o meu companheiro da primeira galeria e disse-lhe que não. Acrescentando: «Há muitos que têm a mania que são. Mas há uma grande ponte entre ter a mania e ser.» Ele sorriu, cansado de alguns poetas de palavras incompreensíveis.

Já em casa voltei a pensar no assunto, questionando-me: porque razão teríamos todos de ser poetas ou cantores? Há tanta gente que detesta poesia e sabe que não tem a mínima vocação para o mundo das canções, que esta frase só pode ser mesmo o exagero de quem se acha poeta e cantor, como se para tal bastasse, dizer poesia e cantar.

Eu sei que todos podemos dizer poemas e cantar canções, mas não é bem a mesma coisa.

Além do talento natural e de muito trabalho (é mesmo verdade que a sorte dá um trabalho dos diabos...), é imprescindível uma pulsão interior muito forte para se conseguir vingar nestas duas vocações artísticas...

Felizmente ainda vai havendo palco para alguns líricos...

O óleo é de Dina Brondsky.

sexta-feira, dezembro 11, 2015

A Sala de Espera do Hospital


Podia ser uma cena surrealista. Poder podia, mas é a realidade que temos...

Eu escutava-o e pensava no martírio que é não ser muito saudável no nosso país.

Chegou as 13.30 e a sala de espera para as consultas estava com uma dúzia de pessoas, que foram sendo chamadas e daí a vinte minutos, era o único doente à espera. Depois foram chegando mais doentes, que eram chamados, enquanto ele continuava à espera, agarrado a um livro, que não lhe desviava a atenção para aquele quadro que o rodeava. 

Quando a sala se voltou a esvaziar e só se encontrava lá ele e um velhinho acabado de chegar, levantou-se e perguntou à funcionária, se ele estava ali apenas para a sala não ficar completamente vazia. A senhora não percebeu o alcance da pergunta e ele então contou o "calvário" que já durava mais de uma hora, de se limitar a ver as pessoas a serem chamadas e a desaparecer, como se fosse eternamente o último de qualquer lista.

A senhora foi ver o se passava e daí a cinco minutos chamaram-no. Mas enganaram-se no nome. Ele sorriu para a funcionária e disse. «Fernando é o meu primo, mas vou aproveitar a vez dele, já estou farto de esperar.»

Claro que era mesmo a vez dele, mas trocaram-lhe o nome, nada que o preocupasse. O que queria era ver o hospital pelas costas. E tudo por causa de uma simples consulta de dermatologia...

O óleo é de Vieira da Silva.

quinta-feira, dezembro 10, 2015

Um Cartaz Peculiar e Uma Boa Memória


Quando queremos e gostamos de viajar de memória, tudo nos serve.

Uma imagem, um poema, uma crónica ou até uma simples frase apanhada na rua...

Já dei por mim a sorrir com frases com cheiro a antigo, ditas por gente que já viveu muito, que me lembram a minha avó materna, uma grande expressionista e impressionista.

Hoje, ao passar os olhos por este cartaz com o Steve McQuenn, lembrei-me do meu pai, que entre outras coisas foi caçador e gostava de transportar a arma desta maneira, muito à "Texas".

Não sei se o meu pai chegou a conhecer o Steve. Talvez tenha reparado nele num filme ou noutro. Não era tão rebelde como ele, mas amava muito a liberdade, tal como o Steve.

Pensando melhor, de certeza que o meu pai viu pelo menos a "The Great Escape (Grande Evasão)" e gostou da forma como ele escapou, do seu voo de mota, sem duplo, segundo as más e as boas línguas. 

quarta-feira, dezembro 09, 2015

A Coragem Intelectual e Política


Apesar de Pacheco Pereira gostar de controvérsia e de "nadar contra a corrente", é um dos comentadores que mais desafia a nossa inteligência, porque nunca se limita a dizer mal disto ou daquilo. Desenvolve sempre o seu pensamento com grande clareza, sem nunca ter medo de incomodar este ou aquele, à esquerda ou à direita.

Houve alturas em que pensei que as pessoas como ele não têm lugar dentro dos partidos, porque são demasiado livres para se submeterem à, tantas vezes incómoda, disciplina partidária.

Hoje continuo a pensar a mesma coisa. Embora reconheça que o problema está mais dentro dos partidos que em pessoas como o Pacheco Pereira. A diversidade de opiniões desde há uns anos para cá passou a ser ser uma coisa negativa nos grupos políticos, algumas vezes até é encarada como "traição", como se toda a gente tivesse de gostar do amarelo ou do lilás.

Lembro-me do tempo em que quase todos os partidos criticavam o PCP pela sua disciplina interna, apelidada de "estalinista".  É por isso que me incomoda o que se passa na actualidade em praticamente todos os partidos, em que a chamada "voz do dono" impera sobre todas as outras.

Ou seja, não foi o Pacheco Pereira que mudou. A democracia partidária é que passou a ser uma coisa diferente, deixando muito a desejar, pelos exemplos que nos são oferecidos quase diariamente.

Este é apenas mais um dos exemplos de que somos em 2015 um país muito menos livre que em 2010, para não recuar mais no tempo...

terça-feira, dezembro 08, 2015

A Cidade que Não Cansa o Olhar


Há dias pus-me a pensar porque razão ando tantos quilómetros a pé em Lisboa (distraído, quase que a atravesso de uma ponta a outra...).

Só encontrei uma explicação: é uma Cidade  que que nunca nos cansa o olhar. Provavelmente isso acontece por estar longe de ser bem  projectada  e organizada, o que a torna surpreendente, a todos os níveis. Vamos andando e surge sempre algo de novo à nossa frente, que nos leva a descobrir o que se esconde para lá da esquina.

Claro que a sua claridade, em qualquer estação do ano, também deve ter a sua influência.

O mais giro é que apesar de todas estas minhas andanças, tenho sempre a sensação que conheço mal Lisboa (até por ser péssimo em nomes, de ruas, de pessoas, de cafés, e até de livros e filmes...). É por isso que fico feliz sempre que descubro algo de novo, mesmo que esteja dentro de um bairro antigo.

domingo, dezembro 06, 2015

A Beleza Feminina


Estava na paragem do metro e não pude deixar de olhar para este cartaz publicitário e pensar que a beleza continua a ser fundamental, para quase tudo.

Também acho que não vem daí mal nenhum ao mundo.

Embora desta vez as mulheres estivessem, não só vestidas mas também bem vestidas. Pensei que quando se diz que as mulheres põem-se bonitas para agradar aos homens, esquece-se o seu amor próprio, o sentirem-se bem com a sua pele, sentirem-se deslumbrantes por onde passam e levantam olhares. 

E isso continua a ser muito importante para todos nós, especialmente para as mulheres. Não fosse todo aquele belo conjunto ideal para deslumbrar, segundo o publicitário...

sábado, dezembro 05, 2015

A Importância do Amor...


Por muito que se disfarce, a razão de toda a violência que nos rodeia, está sobretudo na ausência de amor. 

Por exemplo, por mais voltas que se dêem, se for feito o historial da maior parte dos jovens que se escaparam da Europa para a Síria, há de certeza vários pontos comuns. Uma infância e adolescência marcada pela discriminação e abandono (inclusive dos próprios familiares...), onde desde que começam a pensar, são despertados pelo sentimento de que estão a mais e que este mundo não é para eles. 

Estão a mais nas casas onde habitam, onde quase sempre mal cabe um casal, quando mais o tio a prima eles e os irmãos. Casal que é obrigado a trabalhar (quando têm trabalho...) de manhã a noite, para conseguirem alimentar toda aquela plebe... Estão a mais nas escolas onde são olhados de lado por todos, professores, colegas ou funcionários.

Percebem cedo que para calçar uns ténis ou vestir umas calças de marca, têm de os furtar, numa loja ou nos balneários da escola ou do clube desportivo. E que para conseguirem ser alguém na vida, é necessário, um golpe (dos grandes...) de sorte.

É assim que entram num circulo vicioso que os levará para o submundo do crime, onde só é possível escapar quase por milagre, que tanto pode surgir de uma vocação nata para o desporto, especialmente para o futebol ou para as poucas artes (uma voz única no mundo da música pode dar jeito para esta fuga...) abertas a quase todos...

A fotografia é de Elliot Erwitt.

quinta-feira, dezembro 03, 2015

Uma Montanha à Frente do Cinema Português


A imagem do cartaz da primeira longa metragem do jovem cineasta português, João Salaviza (com quase todos os seus filmes anteriores premiados internacionalmente), é usada quase como uma metáfora (ou até paradoxo), para falar da crítica e dos preconceitos que existem em redor da maioria dos filmes portugueses.

Tenho acompanhado a troca de argumentos entre alguns críticos de cinema e o realizador Leonel Vieira, que não aceita que os seus filmes seguem o mesmo modelo das obras em que se baseou (pelo menos no título e no nome da maior parte das personagens...), com as habituais graçolas fáceis e a quase transformação das personagens em figuras de anedotas. Atira para cima dos críticos com o seu recorde de espectadores, mais de 600 mil, como se isso fosse reflexo de qualidade artística e cinematográfica.

Quando o "Pátio das Cantigas" esteve em exibição,  não fiz qualquer juízo crítico aqui no "Largo", mas referi que nunca tinha visto uma campanha publicitária tão forte e intensa, sobre um filme português.

Não fui ver. Não me apeteceu. Como não irei ver o "Leão da Estrela". Posso estar a ser preconceituoso, nada que me incomode. As poucas vezes que vou ao cinema é para ver filmes que me façam pensar, que me ofereçam dúvidas e  ideias, e claro, vontade de escrever sobre mil e uma coisas, por vezes distantes do filme.

E vou mais longe, se existe algum preconceito cinéfilo entre nós, é com os filmes de qualidade portugueses. É a explicação óbvia para que o primeiro volume das "Mil e Uma Noites" de Miguel Gomes só tenha tido 32 mil espectadores. O mesmo se irá passar cm a "Montanha", de João Salaviza, que só merecem a atenção dos críticos da especialidade, não nos invadem a casa, em todos os canais generalistas, como sucedeu com o "Pátio das Cantigas"...

Era bom que as pessoas de vez enquanto resolvessem pensar com a sua cabeça (também serve para isso...), porque a vida está longe de ser uma comédia. Embora saiba que a política social preferida de qualquer poder (local e nacional) é o "não-pensamento", porque os gajos que pensam são uns chatos do caraças, até implicam com a cor amarela do carro do vereador de qualquer coisa.

quarta-feira, dezembro 02, 2015

Quando me Senti Estúpido


Olhámos-nos uma, duas, três, quatro vezes.

Uma vez ficamos presos num olhar um do outro pelo menos uns cinco segundos, uma eternidade que me fez desviar o olhar.

Depois houve alguém que me veio buscar e andámos a deambular pelas paredes da exposição, à procura de coisas que gostávamos (e também das outras...). Minutos depois olhei em volta e percebi que tinhas desaparecido.

Já de regresso a casa consegui encontrar o sítio onde pertencias, há quase trinta anos. Pois foi, foste namorada do meu irmão. Como sou péssimo em nomes, não te consegui oferecer um nome.

E perguntei-me, por que razão não nos aproximámos, para trocarmos algumas palavras e ver se encontrávamos o Norte.

Foi nesse momento que me senti estúpido.

A fotografia é de Frank Horvat.

terça-feira, dezembro 01, 2015

Não Faz Mal Nenhum Voltar Atrás...


Hoje voltei a passar os olhos por uma das revistas que comprei ("Sábado" de 19 de Novembro) e li em diagonal. Fui lendo aqui e ali e acabei por  parar na entrevista de Benjamin Clementine, a "voz do momento", curiosa pela sua simplicidade e  filosofia de vida, distante de qualquer estrela quase marciana.

Além de contar parte da sua vida (que já me era conhecida...), disse uma daquelas verdades, que só se ouvem normalmente a pessoas de mais idade, que com o aparecimento dos primeiros cabelos brancos começam a fazer algumas reflexões sobre a vidinha...

«Descobrimos muitas coisas, na Ciência e tudo, mas andamos sempre para a frente, sem pararmos para pensar, sem o devido respeito pelos outros seres humanos. Quero dizer às pessoas que é importante voltar aos valores do passado.»

Acho que ninguém tem grandes dúvidas sobre isso.

Não vale a pena dizer que Paris nunca mais vai ser a mesma, entre outras coisas, ao mesmo tempo que continuamos a cometer os mesmos erros de sempre.

A ilustração antiga da "Cidade Luz" é de Tavik Frantisek Simon.

segunda-feira, novembro 30, 2015

Fernando Pessoa, 80 Anos Depois


O nosso Fernando Pessoa deixou-nos há 80 anos.

Tem uma particularidade que o distingue de todos os outros poetas, foi o primeiro poeta que gostei mesmo a sério, no final da adolescência. Tinha uma predilecção especial pela falsa simplicidade de Alberto Caeiro e pelo olhar largo de Ricardo Reis.

E nunca mais deixei de gostar da genialidade e criatividade desde criador, que não cabia apenas num corpo e foi por isso que escolheu viver mais que uma vida literária.

Já comecei a escrever uma pequena ficção com ele de visita a Cacilhas, nesses pouco gloriosos anos vinte e trinta do século passado... mas com receio de a tornar demasiado banal, tendo andado a fugir desta minha homenagem prosaica ao melhor dos poetas da língua portuguesa...

O óleo é de Carlos Carneiro.

domingo, novembro 29, 2015

A Amizade Fecha os Olhos a Muitas Coisas


Ao contrário do que muito boa gente diz, a amizade fecha os olhos a muitas coisas, felizmente.

Acho que ser amigo também é isso, conseguir ver os defeitos de quem gostamos com um sorriso nos lábios e desculparmos-o, apenas porque sim.

Não quer dizer que não lhes demos um empurrão aqui e ali, quando ele foge demasiado dos "carris", mas a amizade não é sermos "paizinhos" de ninguém, é muito mais que dar lições de moral, é sobretudo aceitar as diferenças que existem, que nos unem mais do que nos separam.

A fotografia é de Roger Schall.

sábado, novembro 28, 2015

Quando o Canto à Alentejana era Proibido


Hoje, estupidamente, comecei por escrever sobre a forma miserável que têm caracterizado o segundo mandato do nosso Presidente da República, que ano após ano, foi sendo o presidente de cada menos portugueses.

Mas depois verifiquei, que além de estar a ser negativo, estava a dar atenção a quem não a merecia.

Ainda por cima tinha passado a manhã no colóquio sobre o Cante Alentejano, em Almada, que festeja o primeiro aniversário da sua passagem a património da humanidade.

E como foi impossível passar ao lado das intervenções dos professores Alexandre B. Wefford e de José Rodrigues dos Santos (não é o escritor-pivot...), no painel, "Origens e História do Cante: uma Perspectiva Antropológica", moderado pelo meu amigo Eduardo M. Raposo.

Disseram-se tantas coisas importantes, especialmente o percurso pela história recente do Cante de Rodrigues dos Santos. Eu por exemplo não sabia que durante a ditadura tinha sido proibido o canto à alentejana nas aldeias, por medo da "desordem social", ou seja da resistência deste povo heróico. 

Foi muito elucidativo o testemunho de um senhor quase a fazer noventa anos, que falou da sua experiência pessoal em Cuba... quando aos dezoito anos, ele e os amigos, para cantarem, tinham de escapar para os campos.

O óleo é de José Esteban Basso.

quinta-feira, novembro 26, 2015

O País dos Falsos Heróis


Ontem falei do 25 de Novembro de 1975, por ser uma data decisiva na nossa história. Mas não me esqueci que também foi o dia da Eliminação da Violência Contra a Mulher.

Não há muito a dizer sobre os cobardes que escolhem a mulher como o alvo de todas as suas frustrações e complexos. É gentalha que me mete nojo e envergonha enquanto ser humano. 
 
E explica muito bem a espécie de homens que existem à nossa volta. Homens capazes de engolir mil e uma humilhações no trabalho e que depois se encharcam em álcool, para em casa, se vingarem nas suas companheiras. Quase sempre apenas porque sim. 

Homens que ainda não perceberam que não já estamos na idade média, nem tão pouco no salazarismo. Ou nas arábias, onde ainda é costume trocar mulheres por camelos ou cavalos.

 A mulher é um ser igual a nós. Ponto Final.

O óleo é de René Magritte.

quarta-feira, novembro 25, 2015

As Duas Verdades do 25 de Novembro


Passados 40 anos, as opiniões continuam divididas nos dois lados da "barricada" que quase se confrontaram no dia 25 de Novembro de 1975. Quase.

De um lado a esquerda com mais extremidades, uns mais utópicos outros mais malandros, mas quase todos com os mesmos objectivos: ter algum poder, nem que fosse para conseguir alcatroar a rua onde moravam ou para levar até lá água canalizada. Não, não vou falar daqueles que se achavam no direito de ocupar fábricas, casas, quintas, etc, apenas porque pertenciam aos "gajos ricos".

No outro lado encontravam-se a maior parte dos portugueses, ou seja as pessoas que tinham votado maioritariamente no PS e no PSD, os partidos com mais deputados na Assembleia Constituinte (saída das primeiras eleições livres realizadas a 25 de Abril de 1975) e também a gente mais conservadora, e até reaccionária (não estavam todos em Espanha e no Brasil)...

Este período foi quase dourado para muitos oportunistas (muitos deles curiosamente hoje pairam no PS e no PSD e contribuíram enquanto governantes para que o nosso país esteja na situação em que está...), bem falantes, que empurraram para trás os verdadeiros protagonistas da revolução e da resistência antifascista.

E quem tivesse dois dedos de testa, percebia que se tinha de se acabar com toda aquela "rebaldaria". E que isso só seria possível através de um desvio político, mais para o centro democrático, porque liberdade nunca foi o mesmo que libertinagem.

Claro que tudo isto é desculpável, se pensarmos que as pessoas tinham vivido quase meio século subjugadas a um regime autocrático e repressivo. E queriam a igualdade a qualquer preço.

Felizmente algumas das pessoas mais lúcidas que ajudaram a fazer o 25 de Abril (Melo Antunes, Vasco Lourenço, Vitor Alves, Pezarat Correia, Vitor Crespo, Franco Charais, Canto e Castro, Costa Neves e Sousa e Castro), perceberam a tempo para onde caminhávamos e uniram-se, redigindo o "documento dos nove", que culminaria com a mudança política registada a 25 de Novembro, em que foram neutralizadas as forças militares que estavam mais próximas da esquerda revolucionária.

Infelizmente as coisas não caminharam para a existência de uma verdadeira democracia, porque se cometeram vários erros. O maior talvez tenha sido permitir que o poder económico que dominava o país antes de Abril, voltasse a ter a primazia, com os resultados que todos sabemos (e culminaram com os "roubos" do BPN e BES...).

Mas, mesmo sendo de esquerda, não tenho dúvidas que nesse Verão Quente era mesmo necessário arrefecer os ânimos, era preciso caminhar na direcção de um regime mais democrático e pluralista.

A ilustração é de Loui Jover.

terça-feira, novembro 24, 2015

Algumas Coisas que Não Sei


Não sei se 51 dias depois a serenidade vai voltar.

Não sei se o Palácio de Belém têm buracos suficientes para o senhor Silva se esconder, pelo menos até meados de Janeiro, quando se aproximar o render da guarda.

Não sei quem são alguns dos ministros escolhidos pelo Costa. Torço para que sejam diferentes, para melhor, que os do costume (também há vários).

Não sei se o Portas e o Coelho vão continuar a fingir que são grandes amigos.

Não sei se o PCP e o BE vão aguentar ver o Costa a ser obrigado a meter mais uma vez o "socialismo" na gaveta, porque ele vai mandar muito menos do que pensa no governo.

Não sei se a justiça vai investigar tudo e todos, em vez de se ficar apenas com os dois ou três casos do costume, como têm sido os casos da "vida de príncipe em Paris de um plebeu" ou os "mistérios da pesca ao robalo à vara".

Não sei mesmo se a serenidade vai voltar, 51 dias depois...

O óleo é de Heather Stamenov.

segunda-feira, novembro 23, 2015

Viagens no Tempo


Quando fazemos trabalhos de investigação que levam as pessoas a voltar atrás no tempo, a recordar a sua meninice, é quase sempre reconfortante ver como os seus olhos brilham. Como falam de tudo aquilo que desapareceu, desde o velho sapateiro da esquina onde hoje existe um restaurante, à tasca e mercearia da Rita, que hoje é um cabeleireiro...

É como se lhe proporcionássemos uma viagem no tempo. Outra coisa curiosa é falarem connosco como se também fossemos daquele tempo, se conhecêssemos todas aquelas pessoas, que agora são meras personagens de uma época que não volta...

O óleo é de Henri Matisse.

domingo, novembro 22, 2015

O Nosso Lado Lunar que Gostamos de Pintar Cor de Rosa


Entre a centena e meia  de pessoas que visita o "Largo" diariamente, encontram-se dois ou três amigos que gostam de falar sobre o que escrevo (tenho pena que não queiram ser comentadores...), e que normalmente me ajudam a pensar com mais profundidade sobre coisas que escrevo com alguma leveza.

As conversas mais interessantes que tenho tido são com uma amiga, que posso dizer, sem ironia, que é um poço de sabedoria (rima e neste caso é mesmo verdade...). Eu sei que os sociólogos são uns chatos, que acham que têm respostas para tudo. Por vezes são piores que os filósofos, que gostam sobretudo de questionar e contradizer. Mas ela tem essa coisa boa de me fazer reflectir...

É impossível transcrever tudo o que dissemos ontem (dava quase um ensaio...), mas pelo menos posso tentar relatar o que foi dito de mais importante, o facto de vivermos o tempo das mudanças constantes.

Sim, eu acredito que até a forma como sonhamos vai sofrendo alterações. Talvez hoje haja uma maior confusão dentro das nossas cabeças, que acabe por "meter no mesmo saco" os sonhos e a realidade.

E também tens razão quando dizes que esta busca incessante pela felicidade, só nos tem conseguido transformar em pessoas mais infelizes e frustradas. Mas se não fossem os sonhos, como é que era possível sobreviver num lugar tão desigual como o nosso país, onde a ti só te é permitido viver num T1, mas o teu vizinho da frente vive num T5... E não vou falar das diferenças de ordenados, de carros, de lugares onde se passam férias, etc.

Tudo isto para dizer que é perfeitamente justificável e humano, que algumas pessoas queiram mostrar o que não têm e até inventar a tal personagem que gostavam de ser, nas redes sociais. Abriu-se uma porta e a parte cénica partiu em busca de palcos, deixando de ser habitada apenas nos nossos sonhos. Ou seja, as novas tecnologias tornaram mais fácil fazer o número de uma pessoa mais bonita, mais rica e mais feliz, com inspiração nos enredos das telenovelas e nos mexericos das revistas "rosa". E na actualidade este nosso "lado lunar "também pode ser facilmente transmitido (por exemplo) em episódios no "facebook" e ficar à espera dos desejados "likes".

Como tu dizes, isto dava um romance. E que romance...

A ilustração é de Cipriano Dourado.