domingo, maio 31, 2020

Olhar sem Ver (com o O' Neill e o Nozolino)...


Poucas horas depois da publicação do texto de ontem aqui no Largo, "bati de frente" numa frase do fotógrafo Paulo Nozolino. Além de meter também o Alexandre O' Neill ao barulho, o Nozolino vai um pouco ao encontro do que escrevi por aqui...

Ele disse numa entrevista ao "Público" (Outubro de 2015) o seguinte: «É uma ideia do [Alexandre] O' Neill. Tem um poema muito bonito onde dizia: "E as ruas as ruas onde vi/ O que ainda não sei ver." Este bocado de poema ficou-me sempre na cabeça. Vemos e fotografamos coisas hoje que não nos dizem nada, mas daqui a 20 anos percebemos que está ali tudo. A passagem do tempo é necessária para compreender.»

Claro que é. Eu falei muito das dúvidas que vão crescendo, que também acompanham a tal passagem do tempo e são essenciais para compreendermos, um pouco melhor, o que se passa à nossa volta...

(Fotografia de Luís Eme - Cacilhas)

sábado, maio 30, 2020

Descobrir Pequenas Coisas Dia Sim Dia Sim...


Os anos que passam por nós dão-nos muitas coisas, para além daquelas mais físicas, sejam elas exteriores (como os cabelos brancos, as barrigas mais proeminentes...) ou interiores (como as dores musculares ou os castigos do fígado... isto de comer e beber tudo o que nos apetece, não dura para sempre...).

Uma das coisas de que gosto mais neste processo de maturação, é "ter dúvidas".

Se aos trinta achamos que já aprendemos tudo, que somos donos de um saber enciclopédico, sobre isto e aquilo, com o aproximar dos cinquenta, é vida quer ser outra coisa, até é capaz de começar a fazer o "pino". 

O espelho obriga-nos a sorrir ou a fechar o rosto (não reagimos todos da mesma maneira...) e a deitar fora todas as "certezas" que tínhamos. Percebemos que sabe bem aprender coisas novas, ao ponto de darmos importância à descoberta de pequenos pormenores, que permaneceram "invisíveis" anos e anos, mesmo nas ruas que percorríamos quase diariamente. 

Pois é, tanta coisa que a "voracidade dos dias" não nos deixava ver...

Sei que a memória também nos começa a pregar partidas, mas hoje só me apetece pensar na forma como olhamos as "coisas do mundo", que também se vai tornando diferente, para melhor...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)

sexta-feira, maio 29, 2020

Não Há Milagres...


Todos sabíamos que o regresso das pessoas à vida activa, mesmo com mil e um cuidados, iria provocar o aumento de pessoas infectadas com  o "covid 19". 

A grande dúvida era, se o aumento seria uma coisa controlável, quase residual, sem provocar a existência de qualquer caos, especialmente nos hospitais.

Até ao momento isso tem acontecido. 

Mas claro que era importante que as pessoas respeitassem mais o distanciamento. Fala-se muito dos transportes, onde em muitos casos é impossível respeitar a distância e o contacto entre pessoas (especialmente nas horas de ponta... pois a maior parte dos trabalhadores continuam com os mesmos horários de trabalho), mas devia falar-se também na falta de cuidado  das pessoas nos passeios e nas esplanadas, onde se fica com a ideia de que uma imperial e um pires de caracóis torna os clientes "imunes" a qualquer vírus...

E com o regresso do futebol (muitas pessoas não sabem ver futebol sozinhas...) as coisas terão tendência a piorar...

(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)

quinta-feira, maio 28, 2020

O Jornalista não é Juiz nem Polícia


Quem já fez jornalismo sabe que a tentação de nos metermos dentro da notícia, acaba sempre por aparecer, mais tarde ou mais cedo. É por isso que é muito importante algo que agora está muito em voga, o "distanciamento".

Tal como para os críticos é bom não conhecer os escritores, os pintores ou encenadores, para o jornalista, também é importante ser um mero observador, para relatar essa coisa simples de: o quê, quando e onde (a explicação do porquê e do como, não é menos importante, mas acaba sempre por ser um "pau de dois bicos"...).

Embora seja exigida ao jornalista a mesma veracidade e imparcialidade que se exige ao juiz e ao polícia, este à partida é mais livre e menos pressionável, porque quando faz uma notícia deve-se focar essencialmente nos factos, no que aconteceu, sem ter como objectivo "acusar" ou "prender" alguém. Deve ouvir sempre as "duas partes" de qualquer questão, sem emitir qualquer juízo de valor. Ou seja, pode, e deve, dar voz ao "bandido", que nem sempre é o "culpado" de todos os males do mundo...

Para mim esta é que é a função do jornalista. É por isso que não suporto o "jornalismo justiceiro" e o "jornalismo pistoleiro".

(Fotografia de Luís Eme - Almada)

quarta-feira, maio 27, 2020

Jornalismo & Espectáculo


O jornalismo quando se transforma em espectáculo fica sempre a perder, porque as opções editoriais têm tendência a desvalorizar a importância da informação, optando pelo lado mais especulativo da notícia, entrando facilmente em algo que deixa de ser jornalismo e começa a ser outra coisa, mais teatral e polémica. Quase que se pode dizer que o jornalista passa a ser "actor" e a notícia uma "encenação".

Há um jornal e canal por cabo - da mesma família -, que são "useiros e vezeiros" em tornar tóxica qualquer notícia, explorando o seu lado mais sensacionalista, através do uso habitual de "meias-verdades" e "meias-mentiras", com a ajuda dos "comentadores-tudólogos", que percebem tanto de futebol como de justiça, educação ou de saúde...

Infelizmente a RTP e a TVI também têm tido os seus "teatrinhos noticiosos", com as "actrizes" Sandra Felgueiras e Ana Leal. Se a primeira conseguiu "correr" com a directora de informação (Maria Flor Pedroso), não acredito que a segunda consiga fazer o mesmo com o director de informação da TVI (Sérgio Figueiredo). Embora ainda seja cedo para se saber o que acontecerá no final desta "telenovela"...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)

terça-feira, maio 26, 2020

As Máscaras é que Estragam o "Filme"...


Não é preciso ninguém contar, sente-se...

Quase todas as pessoas precisavam de rua, precisavam de olhar os outros nos olhos, de se sentirem vivas.

Claro que ainda há muito medo... 

Há quem ande sempre de máscara, mal sai de casa. Há quem encha as mãos de desinfectante, de cinco em cinco minutos.

E também há mentirosos.  Sim, gente que diz com orgulho, que nunca usou máscara.  Se isso acontece, é por que neste século XXI ainda há tenha uma "criada" lá em casa, que faz as compras todas...

Claro que as máscaras são uma chatice. Com este calor de praia, só mesmo as máscaras é que estragam o "filme"...  

E também acabam por ser elas, que nos recordam que estamos a "viver outra vida"...

(Fotografia de Luís Eme - Tejo)

segunda-feira, maio 25, 2020

«Os portugueses não gostam de Cultura»


Como os leitores do blogue já perceberam, ando às voltas com a Cultura, há uma série de dias, aqui no "Largo".

E vou continuar, porque me apetece recuperar uma conversa que teve lugar em 2014, com um amigo que nos deixou hoje, mas que poderia acontecer nos nossos dias.

A páginas tantas, Fernando, desanimado pela fraca aderência das pessoas a algumas actividades culturais desenvolvidas por nós, teve o desabafo: «os portugueses não gostam de cultura». 

Eu lembro-me de tentar desmontar esta frase a dizer que não era apenas uma questão de gosto, mas também de educação. Se os portugueses nunca foram educados a ter um conhecimento profundo do significado da palavra cultura, ou do mundo das artes e letras, seria difícil "saber", "conhecer" e... "gostar" de Cultura. 

Mas havia mais qualquer coisa para além da "educação". Foi por isso que acabámos por virar a conversa para o "não gostar de pensar". E aí estivemos inteiramente de acordo. Percebíamos à légua que "exercitar dos neurónios", estava longe de ser a actividade preferida dos portugueses...  Ele com o seu espírito brincalhão, acrescentou que, se pertencêssemos a um rebanho éramos as suas "ovelhas negras"...

O "covid" roubou-nos pelo menos dois ou três almoços prolongados pela tarde dentro, onde pela certa teríamos falado, entre outras coisas, da actual ministra da Cultura, que tem cometido erros atrás de erros, na forma de distribuir apoios à cultura...

(Fotografia de Luís Eme - Tejo)

domingo, maio 24, 2020

Abril Ofereceu-nos a Liberdade de Sermos o que Quiséssemos


Há gente que passa o tempo a "desancar" no 25 de Abril, quase sempre por ignorância e esquecimento.

Antes de Abril havia tanta gente que gostava de escrever, de fazer teatro, de pintar, de cantar e de tocar, mas que o fazia quase apenas em "circulo fechado"...

Claro que havia espaços onde podiam dar largas à sua criatividade, embora fosse tudo "pequenino": quem gostava de escrever podia botar umas prosas no jornal regional; quem gostava de fazer teatro, ou o fazia à frente do espelho ou procurava um grupo amador; quem pintava estava mais limitado e fazia-o quase clandestinamente, pintando e desenhando em papel, papelão e madeira (as telas eram coisa de "ricos"...), quase exclusivamente para decorar as paredes da sua casa ou para oferecer aos amigos; quem cantava tinha mais portas abertas, pois ainda ia tendo uns festivais da canção, promovidos, aqui e ali, que imitavam os festivais televisivos; e quem gostava de música instrumental, inscrevia-se nas bandas filarmónicas, fazendo a sua aprendizagem nas escolas de música.

Acredito que estas pessoas não eram menos ambiciosas que os jovens de hoje... Estavam era de tal modo envolvidas no próprio contexto repressivo do país, que deixavam que este lhes "cortava" as asas e "destruísse" os sonhos...

Abril deu-nos tanta coisa, que fingimos não ver. Até nos ofereceu a liberdade de sermos o que quiséssemos...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)

sábado, maio 23, 2020

Uma Vida Quase Normal...


Antes de aparecer por aqui (e ali...) um "malvado", que nos roubou uma série de prazeres colectivos, como era o beber café à mesa, com tempo para conversar... ou o "luxo" de prolongar o almoço por três horas, não pelo prazer da comida, mas sim da companhia... A vida era quase normal.

Depois de escrever sobre teatro, lembrei-me que tenho falado ao telefone com um dos amigos com quem almoçava semanalmente, que é actor - amador - quase desde que se conhece, e que só não deu o "salto para o outro lado" por que se apaixonou ainda na adolescência pela mulher da sua vida. E um bom casamento e um bom emprego revelaram-se mais importantes que a incerteza da vida nos palcos...

Mas o amor ao teatro continuou sempre lá. Ele gosta tanto de representar, que o seu lado cénico aparece quase sempre no meio das conversas (às vezes em momentos-chave para desanuviar alguns excessos verbais...), com palavras, sorrisos e meneios do corpo... Isso acontece sempre de uma forma natural, como se o "actor" também quisesse almoçar connosco.

Por vezes fico com a sensação de que ele não tem a noção da sua qualidade artística, tal é a sua simplicidade humana. Mesmo que ele seja das raras pessoas que basta subir ao palco (mesmo sem dizer nada...) para conseguir "ofuscar" todos aqueles que já lá estão, debaixo dos holofotes.

Já lhe perguntei se ele não se arrepende de nunca ter aceitado um ou outro convite para "representar a sério" (uma coisa que ele sempre fez...). Ele diz-me que não. Sempre se sentiu feliz em ter uma vida quase normal...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)

sexta-feira, maio 22, 2020

Vai Perder-se Esta Oportunidade...


Apesar do nosso país ter demasiados problemas no seio da Cultura, ainda não li, nem ouvi, ninguém, a dizer que este tempo da pandemia poderia ser aproveitado para repensar (e mudar, para melhor, claro... até porque é difícil piorar as coisas) tudo aquilo que não funciona, ou funciona mal, tanto no teatro como nas outras artes.

Quando o responsável pelo Festival de Cannes, Thierry Frémaux, diz que este é um bom momento para repensar Cannes e o próprio futuro do cinema, não poderia estar mais de acordo.

Mas como se está a perder o bom hábito de pensar, sei que entre nós se irá perder a oportunidade de mudar as coisas,  para melhor, tentando tornar o dia-a-dia de todos mais credível, mais prático e  mais transparente...

Sei que se estivermos à espera dos políticos para alterar o que quer que seja, é melhor arranjarmos um banquinho. Eles gostam é  deste regime maleável que gosta de alimentar a "subsídio-dependência" e de privilegiar os "amigos", onde só falta mesmo institucionalizar a "esmola"...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)

quinta-feira, maio 21, 2020

Não, não Cabe Tudo na Cultura


Quando me disseram que há pessoas que não sabem viver, no sentido convencional da coisa - a expressão foi mesmo esta...-, como resposta ao que escrevi por aqui ontem, em que ofereci um exemplo (que nem é dos piores...) do pesadelo que é ser actor de teatro no nosso país, fiquei sem saber o que dizer.

Entretanto, a "toada" continuou: que ainda que há muito quem não queira ter um emprego, uma família para sustentar, e prefira vagabundear dia sim dia sim..

Apenas disse que esse problema era social, não pertencia apenas à cultura. Embora já quase não existam tabernas, há gente, de todas as profissões, que passa mais tempo nos cafés, a enfrascar-se com os amigos, que em casa, com a mulher e os filhos. Ou seja, não faltam por aí escriturários, operários, contabilistas e empresários, que pelos vistos, também "não sabem viver no sentido convencional da coisa"...

Foi quando foram buscar algo que eu tinha escrito por aqui, sobre "cigarras e da formigas".

Lá tive eu de desmontar mais uma "generalização" e dizer que continuava a ser um problema social e não cultural. Há "cigarras" em todas as profissões...

Eu já tinha percebido que muito boa gente - que não conhece muito bem o mundo da cultura -, pensa que os actores, os encenadores, os pintores, os poetas, os músicos, os fotógrafos, os escritores ou os bailarinos, são primos dos "marcianos"...

(Fotografia de Luís Eme - Sobreda)

quarta-feira, maio 20, 2020

«Talvez o melhor seja mesmo acabarem com o Teatro»


Hoje bebi um café com um amigo que faz teatro. Não estava à espera de o encontrar tão desanimado. Embora seja ligeiramente mais novo que eu, já passou a barreira dos cinquenta e há pelo menos dez anos que, lhe dizem que é velho demais para mudar de profissão. Mas ele acha que é desta que tem de pensar em fazer outra coisa qualquer...

A nossa conversa foi quase um monólogo. Percebi que precisava muito de desabafar com alguém e eu também não tinha respostas nem soluções para o drama que está a viver. Voltou para a casa  dos pais, porque o senhorio nem sequer quis ouvir falar das "suas dores", embora também não tivesse grandes argumentos, pois, não sabe quando é que volta a ter ordenado (está a receber um apoio inferior ao ordenado mínimo... apoio esse que pode ter de ser reduzido se continuarem parados)...

Nos últimos anos a companhia onde trabalha funciona quase como um circo. Além de actores, são também cenógrafos, técnicos de som, técnicos de luzes, bilheteiros, arrumadores, funcionários de limpeza, e tudo o mais que seja necessário, para que o espectáculo comece à hora marcada, e possa trazer para casa o ordenado que não chega aos mil euros...

Gostava que o teatro fosse capaz de sobreviver diariamente sem subsídios, mas não tem grandes ilusões. Sabe que só o chamado teatro comercial - mais alegre, mais primário e de melhor "digestão" -, consegue encher plateias. 

Continua a defender que o abc do teatro tem de começar logo na escola primária, para que se perceba bem cedo qual é a sua função social. Mas sabe que isso será muito difícil de acontecer, porque os políticos, tanto à esquerda como à direita, preferem enfrentar no seu dia-a-dia "carneiros" a "seres pensantes".

O seu último desabafo foi o mais marcante: «Talvez o melhor seja mesmo acabarem com o Teatro.»

(Fotografia de Luís Eme - Almada)

terça-feira, maio 19, 2020

Lisboa Agora é Paisagem...


Era comum dizer-se que o País era Lisboa, e que o resto era paisagem.

Hoje vê-se que o País, de Norte a Sul, está a querer voltar ao normal, com as pessoas a saírem às ruas e as lojas, cafés e restaurantes a abrirem as portas. E está a conseguir, lentamente. Só Lisboa é que continua praticamente deserta...

É o preço que se paga quando uma cidade se vira apenas para o exterior, para o turismo e para as gentes que chegam de outros países, ao mesmo tempo que "expulsa" os lisboetas, incapazes de pagar as rendas de luxo que os senhorios "com mais olhos que barriga", cobram pelos seus imóveis... 

Depois basta surgir um problema qualquer inesperado como o "covid 19"... e a cidade fica de "braços caídos", sem saber como reagir...

Foi o que aconteceu.

E já todos percebemos que vai demorar largos meses a que tudo volte ao normal.

Mesmo assim, não sei se irão perceber, que não há nenhuma cidade que consiga enfrentar qualquer contratempo, se não estiver organizada de uma forma equilibrada. Ou seja, os visitantes ocasionais nunca deverão ser mais que os habitantes locais...


(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)

segunda-feira, maio 18, 2020

Um Português Extraordinário Deixou-nos Ontem...


Eu sei que hoje é o "dia seguinte", o tal em que se diz bem, de quem vai embora, mesmo que as palavras ditas não sejam sentidas (ou verdadeiras).

E o senhor Embaixador, de certeza que foi cultivando inimigos, por uma razão muito simples, nunca se deu muito bem com a mediocridade e incompetência, do salazarismo à segunda república. E se percorreu demasiados "corredores do poder", por esse mundo fora...

A nossa ligação resumia-se à de leitor do que escrevia (desde a "Visão" ao "Expresso", passando pelo seu blogue, o "Retrovisor"...). E o que posso dizer é que há muito pouca gente que consiga escrever com a liberdade, a inteligência e a lucidez de José Cutileiro. Fazia excelentes ligações entre o passado e o presente, juntava a memória de quem vivera muito à excelente capacidade de contar e partilhar o melhor de outras vidas com os leitores.

A sua formação em Antropologia, a par da sua grande curiosidade sobre tudo o que era português, fez com que fosse uma das pessoas que melhor conhecia a nossa "maneira de ser e de viver".

Um senhor de quem nunca ouvira falar, Andresen Guimarães, salientou isso mesmo, ontem no "Público": «O Zé Cutileiro foi provavelmente a pessoa mais inteligente que conheci na vida, tinha uma memória que até ele próprio espantava e era capaz de citar tudo o que tinha lido, sabe Deus quando, em inglês, francês ou português.
E teve vontade de estudar e aprender coisas novas até ao último dia.»

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)

domingo, maio 17, 2020

Ver o "Mundo" Para Lá do Balcão...


Há dias em que estamos mais atentos aos pormenores que às palavras dos outros.

Foi o que me aconteceu ontem no talho, ao meio da tarde. Percebi que estava muito mais interessado em olhar para o "palco" que em escutar a "conversa fiada" de um dos três homens que estavam ali, desde manhã, a vender bifes, entremeadas, frangos hambúrgueres, costeletas, lombos e secretos. Ele falava pelos três, aproveitando a sua graça natural, para meter todas as palavras que se colocavam a jeito "na festa". Um dos outros dois, limitava-se a sorrir. Nascera para espectador e não tinha qualquer problema nisso. O terceiro nem por isso. Era o exemplo de que isto de ter graça não é para todos. Ele bem se esforçava, a meter uma "bucha" aqui e ali, mas se conquistava algum sorriso, era mais pela sua falta de jeito que por outra coisa. Mas que era alguém esforçado era, não desistia às primeiras e percebia-se que mantinha aceso o sonho de um dia ter um foco de luz a incidir só nele...

Quando vínhamos para casa a minha companheira falou sobre o "espectáculo" dado pelo rapaz de cara alegre, que nos atende quase sempre, que desta vez parecia uma "grafenola".

Fiquei a pensar que talvez fosse coisa do almoço. Poderia ter bebido mais que um copo  de um vinho bom, daquele que até é capaz de oferecer "alegria no trabalho", assim como algumas palavras "revisteiras"...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)

sábado, maio 16, 2020

Incertezas Temporais...


Ontem esteve um dia quase de "dilúvio", com trovões e aquela chuva que molha mesmo com guarda-chuva... Hoje, esteve bom até para ir molhar os pés no mar... (apesar das recomendações contrariarem este gosto).

Estas "incertezas temporais" deixam-nos sempre marcas no corpo... Só me falta por cá o meu avô materno, para me contar uma história e aproveitar estas "diferenças", para dizer que isto nunca mais foi o mesmo desde que os homens puseram os pés na Lua...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)

sexta-feira, maio 15, 2020

O "Salão de Espelhos"


Quando me olho ao espelho, lembro-me que há já algum tempo não tinha o cabelo tão grande. Já podia ter telefonado ao meu barbeiro, que entre as várias características, comuns aos especialistas de "corte e pente", tem uma mais singular: gosta de desenhar e às vezes faz umas coisas giras, e até  participa em exposições artísticas quando o convidam.

Há minutos passei os olhos por uma crónica do José Cardoso Pires, a acabei por lhe "roubar" o título (Salão de Espelhos), com a ideia de lhe roubar mais qualquer coisa...

Recordei-me que a barbearia estava longe de ser o meu local preferido na infância, graças ao Cardoso Pires: «Na minha infância a barbearia sempre foi uma cadeira de tortura e depois passou a ser uma cadeira de morte, porque me habituei a ver os gangsters dos filmes a serem varridos à metralhadora quando estavam sentados ao espelho com a cara cheia de sabão.»

Deve ter sido por isso que durante anos o meu "barbeiro" era a cabeleireira da minha mãe (a Graciela...). Só quando mudei de bairro é que aproveitei o facto do meu vizinho de lado ser barbeiro e ter um "mini-salão" para os amigos, que o visitavam aos sábados. Era o senhor Ramiro, excelente pessoa, cuja figura recordava o Eduardo De Filippo, um grande actor italiano...

Mas vou voltar ao grande escritor português que "remata a sua crónica" da melhor maneira: «Uma profissão que sabe muito das pessoas e do mundo. Isto faz-me lembrar a única barbearia aberta que descobri há anos num domingo de Sevilha. Porta estreita, duas cadeiras; um só barbeiro, velho e desiludido, por baixo dum canário de gaiola.

Quando me sentei vi escrito no espelho: "Diplomado. Reputación universal". E reparei que o homem, distante, alheio a tudo, silvava umas notas musicais dirigidas ao canário enquanto me barbeava. Notas soltas, segredadas. Uma certa cumplicidade de solitários.
Ainda hoje estou convencido que aquele canário cantava Rossini e que só barbeiro o sabia entender porque, como verdadeiro barbeiro, era diplomado e universal.»

O meu barbeiro também têm vários diplomas nas paredes do seu "Salão de Espelhos", orgulhoso da sua profissão e do seu saber. O Zé Manel, não só é diplomado, como também tem "reputación universal"...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)

quinta-feira, maio 14, 2020

Jogos com Palavras e com Pessoas


As palavras que escrevemos têm quase sempre mais que uma interpretação. Por uma razão simples: são lidas e sentidas de forma diferente pelas pessoas.

Há até quem consiga descobrir caminhos, que estavam distantes da imaginação do próprio autor...

Pois é, o que não faltam por aí são frases dúbias, por mais simples que queiram ser. Um exemplo? 

«Teu corpo é uma porta sem fechadura, que se abre e fecha como um simples portão de um pátio de aldeia.»

Há quem possa encontrar sensualidade, da mesma forma que há quem se fique pela facilidade... são palavras que tanto podem provocar um sorriso, como cara de caso...

Quase que me apetece dizer, que as palavras são como as pessoas...

(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)

quarta-feira, maio 13, 2020

Ir de Viagem até "Lourenço Marques"...


Nos últimos tempos tenho lido alguns livros demasiado banais, apenas porque estão mais a mão. Entretido a fazer outras coisas, não tenho andado à procura nas minhas várias estantes, de livros que comprei mesmo para ler.

Até que há duas noites decidi que não iria ler mais nenhum livro (cá por casa...) que não me dissesse alguma coisa. Com a ajuda de uma cadeira cheguei ao "terceiro andar" da estante e substitui dois livros, por outros dois. Foi bom reencontrar dois autores que gosto e que deixei de ler há meia-dúzia de anos, por nenhuma razão em particular (Tordo e Viegas).

Escolhi ler "Lourenço Marques". Sei que ainda só cheguei ao sexto capítulo, mas já estou a gostar da "viagem". Deve ter sido por isso que pensei, que só havia uma coisa que fosse capaz de me levar de viagem até Moçambique. Um livro...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)

terça-feira, maio 12, 2020

Máscaras, Liberdade e Repressão...


Não é preciso ser um "ás" em futurologia, para perceber, que mais semana menos semana, seremos todos obrigados a andar de máscara na rua.

Isso irá acontecer por três razões; já existem máscaras no mercado suficientes para o país inteiro;  cada vez vai haver mais gente na rua (e maior perigo de contágio); continuam a existir pessoas (de todas as idades) que demonstram gostar mais de "repressão" que de "liberdade". Ou seja, só cumprem algumas regras elementares do civismo, se forem "obrigadas"...

Será bom se eu estiver errado. 

Provavelmente não haveria necessidade de "ir tão longe", se respeitássemos mais o espaço dos outros, mas...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)

segunda-feira, maio 11, 2020

Não Há Palavras...


Não há palavras para explicar ou definir um pai que mata uma filha com as próprias mãos e que depois inventa a história de um desaparecimento, colocando toda uma cidade à procura de um sinal, de uma menina de nove anos...

Tal como também não existiam, por muito que se quisesse encontrar uma explicação, para a mãe que colocou o seu filho, recém-nascido, num caixote do lixo (com tantas portas abertas na cidade ou ruas onde passam pessoas... para deixar o bebé indesejado).

A única coisa que me parece explicável é a  "ausência" de humanidade, crescente, sempre que este mundo em que vivemos, se  torna mais desigual e desequilibrado...

Esta quase obrigatoriedade de "sobreviver a qualquer custo", faz com acabemos por nos distrair, das coisas que realmente importam.

Mas continuo a acreditar, que se estivermos um pouco mais atentos ao que se vai passando à nossa volta, poderemos evitar alguns dos dramas sociais, que aparentemente nos parecem inexplicáveis...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)

domingo, maio 10, 2020

«A nossa Liberdade está cada vez mais condicionada»


Quando ele me disse, «A nossa Liberdade está cada vez mais condicionada», sabia onde queria chegar.

Não tinha gostado nada do que se escreveu e disse por aí, sobre o Primeiro de Maio na Alameda. Foi por isso que deu a "alfinetada" da ordem à igreja: «Só com muito fingimento, atrás da superioridade moral beata, é que fazem o sacrifício de não organizar excursões a Fátima. Sabem que vão perder a oportunidade de vender máscaras abençoadas, com as imagens dos Pastorinhos e da Senhora de Fátima.» Fui obrigado a sorrir.

Do que gostou foi das palavras de Ricardo Quaresma, quando respondeu à letra ao nosso "pseudo-fascista", que deve ter tido um trauma qualquer de infância em relação aos ciganos, e que, depois  de ficar sentado no chão com a "trivela" do Ricardo, teve a lata de o querer "silenciar", como se os futebolistas - que lhe dão alguns trocos a ganhar na televisão -, fossem "cidadãos sem opinião", ou só pensassem "com os pés"...

E foi ainda mais longe, em relação à forma como estão a querer fechar todos aqueles que têm mais de 70 anos em casa. 

Os seus desabafos dão para outro texto...

(Fotografia de Luís Eme - Pragal)

sábado, maio 09, 2020

"O Único Homem que Sorria"


«A cidade já não estava tão deserta, via-se gente em quase todas as ruas, umas com máscaras outras não. A distanciação era uma marca deste tempo. Percebia-se que as pessoas que circulavam em grupo eram famílias ou grupos de amigos, estrangeiros, que deveriam viver em comunidade.
Eu continuava a circular sem máscara (estava no bolso, com o pequenito frasquito com álcool...), mas guardando mais que a distância recomendada, dos outros.
Quando passei próximo da florista reparei que um homem com quem me cruzei, olhava de uma forma fixa para mim. Estava de máscara, e coisa estranha, percebi que me sorria.
Alguns metros mais à frente consegui colar um rosto aquele "mascarado". Era o Artur "Mãos Limpas", que trabalhou na secretaria de um jornal para o qual colaborei. Nesse tempo (há uns bons vinte anos...) ele tinha características únicas. Além de passar a vida na casa de banho a lavar as mãos, mantinha alguma distância dos outros, sempre que podia, penso que fazia isso sobretudo por uma questão de "higiene mental". E tinha sempre no bolso, um pequeno frasco de álcool, uma grande ajuda para quem se sentia "obrigado" a viver num mundo repleto de "nódoas", entre outras imundices.
Talvez aquele seu sorriso fosse de quase vitória. Talvez me quisesse dizer, que agora todos tinham de fazer o que ele sempre fizera. Finalmente acreditavam nas pragas de "vírus" que vivem a nosso lado. Nunca deve ter pensado é que seria a China a transformá-lo numa "pessoa normal". 
E logo ele, que nunca entrou em nenhuma dessas lojas de bugigangas baratas de usar e deitar fora...» 

Microconto escrito ontem, no começo da noite, apenas porque sim... e claro, o Artur "Mãos Limpas" não passa de uma personagem...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)

sexta-feira, maio 08, 2020

«Nem todo o acto criativo é solitário»


Quando Ela me disse que «Nem todo o acto criativo é solitário», estava a pensar sobretudo no seu teatro, em como tudo aquilo funciona, quase sempre no colectivo. 

E tinha razão. Há uma grande diferença entre escrever ou pintar e ensaiar, teatro ou música.

Sei que se estivesse uma terceira pessoa à conversa connosco, era capaz de dizer que eram coisas diferentes, que as peças de teatro ou de música, estão ser interpretadas, que o processo criativo já tinha decorrido antes. Sim, mas mesmo estando em estados diferentes, a interpretação não é um espaço fechado, continua a existir lugar para a criação, para a mudança, para a melhoria. E por isso mesmo, não deixam de ser espaços criativos.

Muitas vezes escrevemos a pensar num determinado acontecimento e quase que esquecemos todas as outras coisas que circulam à nossa volta...

(Fotografia de Luís Eme - Tejo)

quinta-feira, maio 07, 2020

O Acto de Criar e o "Cu do Mundo"


Continuo a pensar que uma boa parte do acto criativo não se dá bem com uma vida demasiado certa e faustosa.

As dificuldades (que não precisam de ser extremas, ao ponto de não se ter comida no frigorífico ou uns trocos para beber uma bica ou comprar um maço de cigarros, para quem precisa de um pouco de fumo na vida...) fazem parte do dia a dia do "artista".

Ele gosta das "margens", precisa de se revoltar com o que vê, mas também com o que vive.

E Portugal continua a ser um país cheio de oportunidades, capaz de nos oferecer de "mão beijada", demasiadas personagens e situações absurdas, que além de terem o condão de nos chatear, também nos inspiram, mesmo que isso aconteça da pior maneira.

Há sempre um conto, uma canção, um filme ou uma peça de teatro, com um "filho da puta" e com uma "injustiça", na parte que não fica visível...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)

quarta-feira, maio 06, 2020

Outro Dia Seguinte...


Não me apeteceu festejar a "Língua Portuguesa", no seu Dia Internacional (ontem) porque, se excluirmos o facto da nossa língua ser falada  em todos os continentes e de muitas vezes sermos agradavelmente surpreendidos com a descoberta do nome de um café ou de uma loja, com um português bonito, nos lugares mais improváveis do planeta... há coisas, como o acordo ortográfico (já com trinta  confusos anos...), que nunca conseguiu unir nada, nem ninguém, em Portugal, no Brasil ou em Macau.

O que mais me espanta é que nem sequer tenha sido "corrigido", não tenham sequer tido o bom senso de eliminar as mais de duas dezenas de autênticos "atentados" à nossa palavra escrita.

E também é espantoso que passado todo este tempo continuemos a escrever como queremos. Se excluirmos os alunos e os professores das escolas, alguns jornais aderentes e uma boa parte dos serviços estatais, que não conseguiram escapar à "obrigatoriedade" do uso do novo acordo, a maior parte dos portugueses continuam a escrever da forma que lhes dá mais jeito. 

Como não gosto nada das coisas que acabam por ser adoptadas, pelo "cansaço" ou pelo "esquecimento", talvez nunca adira a este acordo que com trinta anos de idade, devia ser chamado de tudo, menos de "novo"...

(Fotografia de Luís Eme - Constância)

terça-feira, maio 05, 2020

A Realidade é Como o Algodão, não Engana...


Agora que se tenta voltar ao "normal", alguns patrões querem continuar em "lay off", ao mesmo tempo que pretendem que alguns trabalhadores regressem aos seus postos de trabalho, com a oferta do "doce" de apenas trabalharem meio tempo.

Além de me cheirar a ilegalidade, há ainda outra coisa mais perigosa: todos aqueles que recusarem este "convite", sabem que irão ser colocados numa lista, com uma cor escura...

Palavras para quê, é o patronato português no seu melhor.

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)