quinta-feira, setembro 29, 2022

"Até já Setembro"


Apesar de estarmos há já algum tempo na "era digital", a minha vida continua rodeada de papéis.

Há meses que ando a deitar coisas fora, mas são sempre mais as que ficam que as que vão para o "papelão"... porque  me agarro à ideia parva, de que ainda vão ser uteis para qualquer coisa, um dia destes. 

Não é nenhum drama (para mim claro...), sei que a vida também se preenche de "inutilidades", que passam anos encaixotadas, até ao dia em que voltam a ser revisitadas...

Foi nestes papeis que descobri um pequeno texto com mais ou menos quarenta anos, em que me despedia de Setembro e de uma namorada de Verão (tive várias, como toda a gente, penso eu...). As minhas palavras não tinham nada de especial. Mas percebi que havia algum receio de entrar em Outubro (foi quase sempre o "mês das perdas"...). O texto não estava datado, mas era com toda a certeza do começo da década de oitenta do século passado.

E lá veio o pensamento das "outras vidas", que todos vivemos, porque quase que desconhecia o rapaz que escreveu aquele texto...

(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)


quarta-feira, setembro 28, 2022

A Largueza da Cultura Geral


O "Porquinho Mealheiro" (tal como acontecia com o "Joker") acaba por ser quase o único programa que vemos em conjunto cá em casa, o que acaba por ser positivo, por várias razões. 

Além de ser uma das poucas oportunidades diárias que temos de passar um tempinho em família, num ambiente alegre e descontraído, também aprendemos e partilhamos coisas, simples e também das outras.

A minha filha proíbe-nos de dar respostas, antes dela tentar adivinhar. Isso acontece porque uma boa parte das perguntas não estão direccionadas para a sua geração. De vez em quando lá aparece uma questão sobre música actual (de grupos que nem sequer ouvi falar...), em que ela nos "passa a perna". Embora ela tenha uma boa cultura geral e até esteja mais fresca que nós (a escola não é assim tão má...) em áreas como a geografia, a astronomia ou a química.

Mas do que eu quero falar, é da diferença que existe em várias áreas culturais. Algumas estão sempre em mudança (música e cinema), talvez por serem mais recentes e acolherem mais públicos. Cada geração tem os seus músicos e os seus actores. Outras quase que parecem eternas, como é o caso da literatura. Sente-se que há "autores imortais", vieram do século XIX e continuam bem vivos entre nós. Ao nosso Eça, junta-se um Vitor Hugo, um Dostoiévsky ou um Tolstói, que continuam a ser lidos por todas as gerações.

Ou seja, percebemos que a largueza da cultura geral não é igual para todos.

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


terça-feira, setembro 27, 2022

Fernando Santos: um Grande Líder e um Mau Técnico


A semana que antecedeu o jogo de hoje da nossa Selecção com a Espanha, é apenas mais uma prova da grande capacidade de liderança de Fernando Santos. Outro treinador qualquer, teria dificuldade em gerir a "gala-feira de vaidades da FPF" (com a presença de todos os jogadores convocados), a renúncia de Rafa e a lesão de Pepe, poucos dias antes do jogo com a Chéquia (que correu bem melhor que o de hoje...).

Além de ser respeitado por todos os jogadores (Rafa é a excepção que confirma a regra...), a forma como tem gerido a presença de Cristiano Ronaldo na Selecção, tem sido exemplar. Ao longo dos anos, conseguiu passar ao lado de várias polémicas, sem ter de se esconder ou de mentir. Nem nunca deu troco a todos aqueles que diziam que era Cristiano que mandava na "equipa de todos nós". Um perfeito disparate, diga-se de passagem.

Mas depois falha naquilo em que muitos dizem que somos dos "melhores do mundo": na componente técnico-táctica e na leitura do jogo (e jogou na primeira divisão, treinou os três grandes e foi seleccionador da Grécia...). Além de Fernando Santos ser demasiado conservador na forma como organiza as suas equipas, também tem dificuldade em colocar os atletas nas posições onde se sentem mais à vontade e oferecem mais de si à equipa (tanto talento desperdiçado nos últimos anos...).

Hoje, não perdemos porque os espanhóis foram melhores. Perdemos porque corremos e lutámos menos que eles, especialmente na segunda parte...

Luis Henrique percebeu que para ganhar o jogo, tinha de refrescar o meio-campo. O nosso selecionador fiou-se no empate, fingiu não ver que William Carvalho e Bruno Fernandes (e não só...) se arrastavam no relvado. Corriam pouco e estavam e cada vez menos clarividentes. 

E pensar que Santos tinha Palhinha e Mateus Nunes no banco...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


segunda-feira, setembro 26, 2022

Viver "Várias Vidas" numa Só Vida...


Às vezes fico com a sensação de já ter vivido "várias vidas". O mais curioso, é estar longe de ser uma coisa má. 

Acredito que isto aconteça com mais frequência quando a vida nos vai proporcionando experiências diferentes, em lugares diferentes, com pessoas diferentes. 

Se há pessoas que não voltamos a ver, há outras que reencontramos de longe a longe, e são sempre agradáveis estes encontros, é como se precisássemos de voltar "a entrar no passado", por breves momentos... E depois descobrimos que já não somos aquele rapaz, reparamos que ele resolveu ficar numa outra rua...

Pois é, sinto que já vivi, pelo menos, umas "três vidas"...

(Fotografia de Luís Eme - Tejo)


domingo, setembro 25, 2022

Os Jovens a Política e os Políticos


A reportagem do "Linha da Frente" (RTP1) desta semana foi sobre os jovens, dando um foco especial às suas posições políticas e às suas formas de luta.

Concordei com algumas coisas, com outras nem por isso. O que acaba por ser normal.

Penso que eles estão certos, quando dizem que é através das "manifestações de rua" que se pode mudar alguma coisa na sociedade.

Eles sentem que têm de ser eles próprios a lutar e a agarrar o seu espaço, até porque o sindicalismo que se pratica, anda pelas "ruas da amargura", já não convence quase ninguém.

Claro que não consigo concordar com o jovem que disse que o voto era o nível mais básico da política. Embora metade dos portugueses já tenha desistido de votar (e mesmo assim ganham eleições, mas sem qualquer proveito...), acho que é uma das raras ocasiões em que a nossa democracia funciona mesmo a sério. É uma das poucas possibilidades que temos de mudar alguma coisa...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa) 


sábado, setembro 24, 2022

«Esta gente nova passa a vida a confundir informação com conhecimento»


Não tenho qualquer dúvida que não existiu uma época em que se descartasse tanto o conhecimento, como esta que estamos a viver.

Quem sente mais esta "mudança" crescente, são as pessoas com  mais experiência de vida, cujos cabelos cinzentos são quase sempre associados ao passado, ao tempo que já passou e não volta, como se tudo o que aprenderam e viveram pela vida fora não tivesse qualquer importância no presente e no futuro.

Não foi por isso de estranhar que o velho Castro, desabafasse para quem o quis ouvir: «esta gente nova passa a vida a confundir informação com conhecimento.»

"Esta gente" eram os seus netos (e os netos dos outros...), que preferiam conhecer "tudo" pela "boca" dos motores de busca que moram dentro dos telemóveis e dos computadores, que pelas vozes que viveram e conheceram muitas das voltas que o mundo deu. 

Mas foi ainda mais longe: «Eles têm a mania que sabem tudo e não sabem nada.»

Pouco esperançado, ainda exclamou: «Talvez um dia consigam perceber que conhecer é muito diferente de se ser informado...» 

(Fotografia de Luís Eme - Costa de Caparica)


sexta-feira, setembro 23, 2022

Os "Pés Descalços" que têm Tiques de "Donos do Mundo"....


Ontem vivi uma cena quase surreal, no Ginjal.

Ao ver uma das portas de um dos barracões abandonados, aberto, entrei, com o objectivo de sempre: tirar fotografias.

Um fulano cheio de tatuagens que estava a limpar o espaço, deu-me um grito, de uma das pontas do velho armazém. Disse que só estava a tirar fotografias. Ele aproximou-se de mim e convidou-me da pior maneira possível a abandonar o espaço. Com alguma ironia, perguntei-lhe se era o dono do espaço. Irritado, apenas me disse que só podia tirar fotografias quando aquilo estivesse limpo.

A minha calma contrastou sempre com a sua agressividade, própria de quem não estava habituado a usar as palavras. Acabei por lhe virar as costas, sem conseguir que ele mudasse o tom de voz, quase sempre ameaçador.

Já no paredão, a caminho de casa, tentei perceber o porquê desta aparente agressividade de um "ocupa", que se comportou como "dono" do barracão. Mas depois lembrei-me do que acontece em algumas ruas de Lisboa, com disputas violentas de "sem-abrigos", na disputa de um simples vão de escada para passarem a noite. Ou seja, onde devia haver solidariedade, pelas dificuldades com que ambos se debatem diariamente, para sobreviverem, surge o ódio e a violência...

Estes exemplos só nos dizem que quando qualquer "pé descalço" se sente com algum poder, com alguma coisa que finge ser sua (quase nunca é...), tem o mesmo comportamento de qualquer falso "dono do mundo".

(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)


quarta-feira, setembro 21, 2022

As Nossas Histórias e as Histórias dos Outros (com e sem livros)...


Começámos a falar de livros, quase como se estivéssemos num clube de leitura. Ficámos a saber que dos seis reunidos à mesa de trabalho, apenas dois liam livros naquele momento. Claro que estávamos longe de  pertencer às médias que de vez em quando surgem na comunicação social, em que se "descobre" que mais de metade dos portugueses nunca leu um romance, do princípio ao fim. Ou que só vinte por cento da nossa população é que leram mais de meia dúzia de livros no ano do estudo. Quatro  de nós tinham hábitos de leitura, só dois é que era mais cinema, música e televisão.

O Rui acrescentou que as pessoas estavam cada vez mais focadas nelas próprias. Quase ninguém percebeu a relevância da frase. A Rita foi a única que respondeu, dizendo que isso devia ser bom para a leitura, por esta ser um prazer individual e não colectivo.

Mas não era isso que o Rui queria dizer. Ele queria falar do egoísmo crescente (mesmo durante crises...), da mudança do foco das pessoas, que pensam sempre que têm mais importância do que a que realmente têm, por hoje terem a oportunidade de contar a sua própria história, diariamente, nas redes sociais. 

Depois de percebermos este ponto de vista, concordámos que este individualismo "mata" o sentido colectivo. Mas continuávamos sem perceber o que é que isso tinha a ver com a leitura.

Talvez estivéssemos mais "burros" do que o costume... 

Lá teve o Rui novamente que explicar que quando as pessoas estão mais viradas para as suas histórias pessoais, perdem o interesse pelas histórias dos outros. E os livros representam isso mesmo: são as histórias contadas pelos outros, para aqueles que as quiserem ler...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


terça-feira, setembro 20, 2022

Os Poetas e a Poesia Metem-nos nos Olhos Coisas que nem Sempre Queremos Ver...


Sempre percebi que António Costa era um sabidão. É mesmo um caso único. Foi ministro da Justiça e da Administração Interna (com Guterres e Sócrates), e mesmo assim, conseguiu sair do "pântano" e do "marquês", sem qualquer mossa, chegando a primeiro-ministro, com uma esperteza quase saloia, criando a "geringonça" para poder "passar a perna" ao PSD, que tinha ganho as eleições. 

Mesmo sabendo que teve de governar com a "geringonça" e de enfrentar a pandemia e a guerra na Ucrânia, tem passado uma boa parte da sua governação a fingir que resolve problemas e que apoia, sem de facto apoiar. O mais relevante da sua governação é a capacidade de "chutar para canto" e de  criar e alimentar "bolas de neve", cada vez mais gigantescas. A Saúde e Educação são dois bons exemplos, para mal dos nossos pecados...

Como escrevi no título, os Poetas e a Poesia metem-nos nos olhos coisas que nem sempre queremos ver. Estou a ler a nossa Sophia, para mim a Rainha dos Poetas. E é pelo Costa e companhia (existem em praticamente todos os partidos...), que transcrevo o começo do poema "Nesta Hora" (escrito logo a 20 de Maio de 1974, quando os oportunistas surgiam em todas as esquinas e em todos os grupos partidários), do livro "O Nome das Coisas":


Nesta Hora

Nesta hora limpa da verdade é preciso dizer a verdade toda
Mesmo aquela que é impopular neste dia em que se invoca o povo
Pois é preciso que o povo regresse do seu longo exílio
E lhe seja proposta uma verdade inteira e não meia verdade

Meia verdade é como habitar meio quarto
Ganhar meio salário
Como só ter direito
A metade da vida

O demagogo diz da verdade a metade
E o resto joga com habilidade
Porque pensa que o povo só pensa metade
Porque pensa que o povo não percebe nem sabe

A verdade não é uma especialidade
Para especializados clérigos letrados

Não basta gritar povo é preciso expor
Partir de olhar da mão e da razão
partir da limpidez do elementar
[...]


Sophia de Mello Breyner Andresen



(Fotografia de Luís Eme - Cacilhas)


segunda-feira, setembro 19, 2022

Aquilo que nos Parece Óbvio, nem Sempre o é para os Outros...


O Rafael e o Zé ao terem sido "imortalizados" com a bonita estátua da fotografia, ficaram ainda mais ligados às Caldas da Rainha. Quase que me apetece escrever que são uma atracção próxima da de Pessoa na Capital, sem me esquecer das devidas distâncias que existem entre o número de pessoas que circula nas Rua das Montras das Caldas e no Chiado de Lisboa...). 

Mas o curioso da questão, é que a minha filha não fazia ideia que o Zé Povinho era "filho" de Rafael Bordalo Pinheiro. Conhecia toda a sua história ligada à cerâmica, mas desconhecia o excelente caricaturista (e provavelmente o nosso primeiro criador de banda desenhada...) que ele foi. Nem nunca tinha pensado que o Zé já conhecia muito mundo, pois já tinha ultrapassado o centenário há uns anitos...

Conclusão? Aquilo que nos parece óbvio, nem sempre o é, para os outros...

(Fotografia de Luís Eme - Caldas da Rainha)


domingo, setembro 18, 2022

Dizer Adeus ao Sol no Oeste...


Ontem passei o dia no Oeste.

Foi muito bom rever algumas pessoas e alguns lugares especiais.

E quase ao fim do dia, aconteceu um feliz acaso, que nos proporcionou o prazer de ver o pôr do Sol na agradável Baía de São Martinho...

(Fotografia de Luís Eme - S. Martinho do Porto)


sexta-feira, setembro 16, 2022

A Violência e a Incerteza que nos Rodeia (cada vez mais)...


Embora exista hoje uma maior exploração de todo o género de criminalidade (até há um canal televisivo que trata todos estes casos como se fossem novelas...), também se sente, aqui e ali, que a nossa sociedade está mais violenta.

Não foi por isso de estranhar que um dos amigos com quem tomo café, quando conseguimos acertar os relógios, me dissesse a meio desta semana, sem ironia (depois do que fizeram à esposa e aos filhos de Sérgio Conceição rente ao Estádio do Dragão...), que o "coronavírus" não nos afectou apenas os aparelhos respiratório e cardiovascular, também nos afectou o "cérebro".

Por perceber que ele não estava a brincar, disse-lhe que a invasão da Rússia à Ucrânia, era capaz de nos estar a afectar mais o cérebro que a pandemia... 

E ainda podemos somar a estes dois acontecimentos trágicos, as alterações climáticas, que nos afectam  mais do que pensamos (e o "cérebro" não passa ao lado de todos estes dramas...).

Até porque, não tenho qualquer dúvida que devemos estar a viver um dos momentos de maior incerteza em relação ao futuro da humanidade.

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


quinta-feira, setembro 15, 2022

Talvez seja Solidariedade (espero que sim)


Em duas das telenovelas portuguesas da noite fico com a sensação de que a solidariedade anda de mão dada com a banalidade. Não sei se isso acontece propositadamente, mas espero que sim.

Reparo que as telenovelas "Pôr do Sol" (RTP) e "Lua de Mel " (SIC), dão trabalho a mais de uma centena de actores. Embora os textos sejam repetitivos e banais (e se use e abuse do humor directo, para não lhe chamar outra coisa...), gostava que isso acontecesse porque há a vontade de se criarem mais empregos - numa das áreas mais atingidas pela pandemia: a cultura.

Se for isso que está a acontecer, finjo que esqueço a sua má qualidade e deixo aqui o meu aplauso, por se voltar a dar importância às pessoas.

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


quarta-feira, setembro 14, 2022

A Nossa Aparente "Paixão" pela Cultura Anglo-Saxónica...


Sei que nas nossas grandes cidades e no "reino dos algarves" (aqui a mania já é velha, lembro-me que há trinta anos a maior parte das ementas dos restaurantes já estavam escritas em "ingalês"...), o inglês tenta ser, cada vez mais, o idioma dominante. E isso não acontece apenas por culpa dos "súbditos de sua majestade", nós também gostamos muito de lhes responder  "à inglesa". 

O mais curioso, é que mesmo quem não aprendeu algumas "inglesices" na escola, tenta desenrascar-se usando o popular "inglês de praia", para ajudar estes "pobres infelizes" que adoram e invejam o nosso Sol.

Talvez seja por causa desta nossa aparente paixão pela cultura anglo-saxónica, que os canais lusos transmitem diariamente, horas e horas das cerimónias fúnebres da Rainha Isabel II...

Há pelo menos uma pessoa que esfrega as mãos de contentamento, por estas "opções informativas", chama-se António e pertence ao clã dos Costas...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


terça-feira, setembro 13, 2022

As Vindimas: Memórias sem Retratos...


Com a queda destas primeiras chuvas, neste Setembro que já vai a meio, lembrei-me das vindimas, que fizeram parte integrante da minha meninice, adolescência e começo de idade adulta.

Tudo o que faz parte deste trabalho agrícola colectivo continua a ser uma boa memória para mim, até mesmo as viagens acidentadas na direcção do Vale da Moira e do Arneiro. Sim, as vinhas do avô ficavam em locais cujos acessos eram extremamente complicados, pelo desnível e pelo mau estado daqueles caminhos. 

A vinha cujo trajecto era mais difícil ficava no Vale da Moira. Depois de sairmos da estrada principal, que ligava as Caldas a Santa Catarina, ainda antes das Trabalhias, apanhávamos um caminho plano e calmo. As coias só se complicavam quando chegámos a uma "linha de água" que fazia parte do caminho e  com o cheiro a Inverno se transformava num autêntico pantanal, ao ponto da parelha de bois e o carro ficarem com as patas e as rodas soterradas. O avô fazia o papel de um "picador" das touradas, usando a vara que tinha na ponta um bico afiado no lombo dos dois animais e fazia com que eles não ficassem imobilizados naquele terreno movediço. O pai e os tios ajudavam no que podiam, eu e o meu irmão víamos aquele "filme" de camarote... Aquela luta quase titânica durava três quatro minutos intermináveis. Mas o pior ainda estava para vir, quando o carro descesse até ao Vale, com a tina carregada de uvas...

Felizmente nunca aconteceu nenhum acidente, embora por vezes se perdesse uma ou outra bota no meio daquele lamaçal.

Lá estou eu a alongar-me nas minhas deambulações pela memória, quando apenas queria dizer que não existe nenhum registo fotográfico destas aventuras. Se fosse hoje sei que não perdia a oportunidade de fotografar toda esta viagem, assim como o ambiente festivo das vindimas...

(Fotografia de Luís Eme - Sobreda)


segunda-feira, setembro 12, 2022

Um "Filme" com as Primeiras Chuvas


Sei que depois de uma hora de chuva, já há pessoas em pânico, com vontade de exclamar: «Que chatice! Estes aguaceiros já me estragaram o dia. Só devia chover de noite!»

É a vida.

Pois é, esta manhã está chover sem parar, as ruas parecem piscinas. Curiosamente ainda se vê muita gente de calções, não querem acreditar que a chuva veio para ficar uns dias.

Penso que além dos rios, das barragens, dos campos e das ruas, há tanta coisa a precisar de banho, até os carros (o meu que o diga...).

Fui ao barbeiro logo de manhã, sem chapéu (apenas com um tapa-vento...), e como gostei de tomar este primeiro banho de chuva, de ter de saltar os "rios de água" que se formaram nos passeios e estradas de Almada...

Antes do "banho", ainda fiquei parado uns minutos debaixo das arcadas da Praça da Renovação. Deu para ver uma menina com os seus cinco, seis anos, deliciada a passar pelas poças de água e a levantar ondas à sua passagem. De pouco valiam os quase gritos da mãe e da avó. 

Sorri. Também já fui quase assim...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


sábado, setembro 10, 2022

Palavras que Passam ao Lado do "Alvo"...


Muitas vezes escrevemos, sem conseguir que quem nos lê perceba o que queremos mesmo dizer.

Nem se trata de se meterem algumas palavras nas "entrelinhas", trata-se sim, de não conseguirmos ser explícitos.

Pelos comentários que recebi no texto em que falava da "demasiada familiaridade" com que alguns escritores comunicavam com os leitores (e depois de uma segunda leitura), percebi que escrevi um pouco ao lado. 

O que queria mesmo referir era a "conversa directa" que surge impressa em alguns livros. Um bom exemplo do que acabo dizer é quando o escritor resolve utilizar a meio de qualquer capítulo a expressão: "como o leitor sabe...". Pois é, se ele sabe, não precisa de ser untado com "gordura" (palha também serve...).

Sei que há leitores e leitores, mas eu dispenso esta conversa "tu cá tu lá", dentro do livro, entre o autor e o "devorador" da história...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


sexta-feira, setembro 09, 2022

A Obra de Fachada Sempre foi mais Importante que as Pessoas...


Quando estava a escrever o texto de ontem, dei por mim a pensar, que nos últimos 30 anos, a maior parte dos investimentos foram feitos em infraestruturas físicas e não nas pessoas.

E o mais grave é que se construíram autoestradas, pavilhões, piscinas ou grandes auditórios (um pouco por todo o país...) sem que os autarcas deste país, se dessem ao trabalho de pensar, se eram de facto, estes os bens que as populações necessitavam.

Em muitos casos, não eram. Há vários exemplos, de Norte a Sul, de autoestradas com poucos carros, pavilhões quase sem clubes e atletas, piscinas vazias e abandonadas,  e grandes auditórios com mais pó que público...

Posso falar do caso concreto de Almada, em que o Município teve a vaidade (e veleidade...) de construir pavilhões e piscinas em todas as freguesias. Apesar de toda esta oferta, a realidade sobrepõe-se sempre aos sonhos e fantasias...Apesar das condições de excelência, hoje existem menos clubes e menos atletas no Concelho a fazerem desporto, que há vinte anos.

Sei que é a obra física que fica para a posterioridade, mas teria sido muito mais útil, e menos dispendioso, se a aposta feita no betão também contemplasse as pessoas. Acredito que se tivesse sido oferecido o apoio técnico e material necessário aos clubes, que sempre substituíram o Estado no desenvolvimento desportivo das crianças e jovens deste país, hoje havia mais gente a praticar desporto no país inteiro.

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


quinta-feira, setembro 08, 2022

«A ilusão de um triunfalismo fácil, de uma rasura despudorada dos valores éticos.»


Por este ser um Largo, com, e  de Memórias, registei há dias um desabafo de um escritor, que nunca foi muito popular, apesar da sua clarividência e qualidade literária. Sei que João de Melo não é um autor fácil, mas podia não estar tão esquecido.

A entrada na União Europeia, em 1986, virou o país de pernas para o ar. Ainda tivemos a agravante de ter como primeiro-ministro, um tecnocrata, que "vendeu" (e destruiu...) a base da nossa economia (mesmo que fosse demasiado artesanal), a troco de muitos milhões e da tal "modernidade", que chegou de facto, mas a muitos lugares errados, e talvez rápida demais, ao ponto de, de um dia para o outro, começarmos quase todos a pensar que éramos ricos...

A indústria,  a agricultura e as pescas foram reduzidas ao mínimo (com esta coisa incrível de se dar dinheiro aos agricultores e aos pescadores, para não cultivarem os campos e para não irem para o mar...). Construíram-se autoestradas de Norte a Sul, banalizando - e abandonando - o transporte ferroviário, que para mim sempre foi o melhor transporte do mundo.

Mas vamos lá à frase de João de Melo, que já tem mais de trinta anos ("J. Letras", 3 de Março, 1992):

«Há hoje em Portugal, uma geração que corre o risco de não ser. Assiste-lhe a ilusão de uma triunfalismo fácil, de uma rasura despudorada dos valores éticos e de uma militância pela cultura e joga para cima da mesa os valores do lucro fácil, da colagem ao que dá dinheiro e conforto. Portanto, a ideia de cultura está em perda tal como o conhecimento, porque a experiência é muito frágil nessa nova geração. É um juízo inquieto aquele que faço. Mas manda-me a minha experiência que seja prudente e dê tempo ao tempo.»

João de Melo, apesar da sua prudência, estava certo. Depois de termos desperdiçado milhões e milhões, continuamos a ser o portugalzinho de sempre... As calças podem já não ter remendos, mas na nossa alma, não deve haver restar nenhum espaço que não tenha já sido remendado...

(Fotografia de Luís Eme - Caldas da Rainha)


quarta-feira, setembro 07, 2022

A Demasiada Familiaridade Dentro dos Livros (com os autores e as personagens)...


De vez enquanto leio livros em que noto que existe demasiada familiaridade entre o autor (como narrador), as personagens e o leitor.

Sinto que esta ligação não é natural, há qualquer coisa de forçado e de postiço na construção romanesca, do autor ou autora. E pior, acho que não traz nenhuma vantagem para o leitor. 

Pessoalmente, dispenso esta proximidade, gosto de algum distanciamento com a história e com o escritor. Não sinto nenhuma necessidade de o "tratar por tu", nem que ele me trate da mesma forma.

Também prescindo da excessiva informação dentro de um romance, que alguns autores usam e abusam, para tentar chegar às quinhentas páginas (Rodrigues dos Santos e Sousa Tavares, por exemplo, são useiros e vezeiros no uso desta "técnica"). 

Um romance não é um ensaio, deve deixar algum espaço para a imaginação do leitor...

(Fotografia de Luís Eme - Fonte da Pipa)


terça-feira, setembro 06, 2022

Essa Coisa de se Fugir do Passado a Sete Pés...


Olhei para a sua mesa, quase solitária, a sua única companhia era um livro que segurava nas mãos e lia (eu sou dos que não acredita que ele esteja ali, todas as tardes, com um livro na mão, a fingir que lê...) e pensei, mais uma vez, na estranheza da humanidade.

Entretanto foi chegando a companhia do costume, uns acenaram-lhe outros nem por isso. Recordei que há pelo menos meia-dúzia de anos que não conversamos, e que ele não se senta na nossa mesa. É como se tivéssemos feito um acordo, daqueles em que não é preciso usar palavras, mas que se mantém válido e que cumprimos escrupulosamente, de parte a parte: ele não se senta à nossa mesa e nós não nos sentamos na dele.

Como quase todos nós somos do ramo da história e do jornalismo, não há uma única viagem mais profunda, que não nos leve ao passado, para acertarmos contas com o presente. Ele de vez em quando mostrava a sua indignação, dizendo que estávamos parados no passado, naquilo que já não existia. Percebemos que não valia a pena falar-lhe de todas as lições que o passado nos dá, diariamente, e passámos a ignorar a criatura, ou seja, quando tínhamos de viajar pelo passado,  conversávamos uns com os  outros, fazendo de conta que ele não estivesse sentado à nossa mesa. Levantou-se, uma vez, irritado, e sem dizer uma palavra, foi para outra mesa, onde estava um conhecido.

Não sei era melhor ter havido alguma discussão, ou não, para esta "separação de águas". Mas acho que não. É apenas uma questão de filosofias de vida diferentes. Nós alimentamo-nos do passado e ele foge dele a "sete pés". Isso faz com que seja muito difícil encontrarmos qualquer ponto comum em qualquer conversa, por muito pequeno que seja...

(Fotografia de Luí Eme - Cacilhas)


segunda-feira, setembro 05, 2022

Cristiano Ronaldo e a Tentativa do seu "Assassinato Futebolístico"


Quando qualquer pessoa famosa ou poderosa, tem um momento infeliz na sua vida ou começa a cair em desgraça, por qualquer motivo, percebe que o "ódio" fica mesmo na porta ao lado do "amor".

Cristiano Ronaldo já tinha experimentado mais do que uma vez, essa vertigem tão comum no futebol, de se passar de besta a bestial, em apenas um minuto, mas não deve ter imaginado que era tão invejado e odiado, especialmente pelo "mundo" que se alimenta cada vez mais de especulações e menos de notícias.

Sem lhe perguntarem para onde queria ir jogar, colocaram-no em quase todos os continentes. E também em clubes, mais e menos importantes. Alguns tiveram o cuidado de dizer, "Cristiano Ronaldo, não obrigado", como aconteceu na Alemanha, por exemplo. Outros devem ter ficado tão surpreendidos com as notícias como Cristiano. No último dia de mercado, quase em desespero, por perceberem que ele ia ficar mesmo em Manchester, ainda o "empurraram" para a Turquia, mas quase em jeito de piada. O Sporting não escapou a esta polémica, nem o seu treinador, Ruben Amorim, que até foram capazes de escrever e dizer que se o Ronaldo viesse, ele se demitia... Inteligente e frontal como Ruben é, não teve qualquer problema em dizer que tudo aquilo era mentira, que o jogador nunca fora sequer discutido como hipótese para o clube de Alvalade (o que qualquer pessoa inteligente percebe, pelos valores envolvidos...).

Nunca se foi tão longe na divulgação de mentiras, como neste mercado futebolístico. É evidente que Cristiano nunca iria jogar para o Atlético de Madrid, depois de jogar no Real, tal como não fora na época passada para o Manchester City, nem nunca iria para o Benfica...

Nesta tentativa de "assassinato futebolístico" de Ronaldo, estranhei o "silêncio ensurdecedor" do seu empresário, que não deu um único passo em sua defesa. E também não fazia ideia que havia tantos comentadores desportivos ingleses que não o suportavam.

Apesar de ter de lutar contra "tudo e todos", espero que o Cristiano volte rapidamente aos golos e dê a resposta certa dentro dos relvados a todos aqueles que o detestam e querem ser eles a decidir o fim da sua carreira do melhor jogador português de todos os tempos.

(Fotografia de Luís Eme - Algarve)


domingo, setembro 04, 2022

Sim, Senhor Alexandre, Sou "Escritor de Domingo"...


Nunca tive grandes dúvidas de que a quadra que publiquei aqui no Largo um dia destes (21 de Agosto), escrita por Alexandre O'Neill, me assentava que nem uma luva.

É por isso que digo sem qualquer problema: sim, senhor Alexandre, sou "escritor de domingo" (embora não esteja de folga nos outros dias...).

Lembrei-me disso porque são muitos os domingos em que acordo cedo e cheio de ideias. Hoje, por exemplo, dei vida a dois projectos, que já andavam a cirandar há algum tempo na minha cabeça, que agora passaram a "existir" também dentro do computador.

E depois há essa coisa que o Alexandre escreveu, de não sermos os únicos "donos do nosso nariz". Sim, quando temos mulher e filhos, não podemos fazer uma mochila hoje e "desaparecer" amanhã, por uns tempos, largos ou curtos, para qualquer "ilha" deserta...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


sábado, setembro 03, 2022

Um Bem Finito e um Dia a Seguir ao Outro...


Já percebemos que isto de viver, não é essa coisa simples, de viver um dia a seguir ao outro.

Claro que não percebemos todos. É por isso que um dos meus vizinhos da frente continua a regar diariamente a relva do jardim, para que ela seja a mais verde e viçosa do quarteirão.

Ainda bem que o resto da vizinhança que tem jardim, não entra nesta competição. 

Talvez tenham viajado para o interior nestes últimos tempos e tem visto com os próprios olhos rios, praticamente secos e barragens muito abaixo dos seus níveis normais...

Sim a água potável é um bem finito, como uma boa parte dos africanos já perceberam, há vários anos...

(Fotografia de Luís Eme - Beira Baixa)


sexta-feira, setembro 02, 2022

O Espírito "Renascentista" (o homem colocado no centro do mundo como criador...)


Embora o Renascimento possa ser outra coisa, sempre ouvi chamar, a todos aqueles que "tocam muitos instrumentos", de "renascentistas".

Normalmente não era uma coisa muito bem vista no mundo das artes e letras, era preciso ser muito teimoso para escrever, pintar, cantar ou fotografar (como foi o caso do meu amigo Fernando...), às claras, sem estar preocupado com essa coisa de "ser o melhor do mundo".

Foi a pensar nele que acabei a fazer a defesa de Valter Hugo Mãe, que além de escrever também faz parte de uma banda de música moderna. Enquanto lia o jornal o Carlos, exclamou: «Então, este gajo agora também pinta?» E continuou, «Há pessoas que podem ser e fazer tudo o que lhes apetece. Com mais ou menos talento, escancaram-lhes todas as portas à sua passagem. E depois há outros, cheios de talento, que estão condenados a viver sempre na sombra...»

Depois de saber quem era o "gajo" e que tinha uma exposição de pintura no Porto, acabei por contrariar o Carlos, dizendo que ele podia ser o menos culpado da realização da exposição. "Podem ter insistido para ele expor...", argumentei eu. Sei que não falei com muita convicção, mas apenas por gostar de "ser do contra".

O Carlos insistiu em levar a conversa para os "círculos viciosos e viciados" das culturas (locais e nacionais). Como sabia que ele estava certo fiquei em silêncio.

Talvez as pessoas não tenham muita noção do ridículo, mas ser "figura pública" também acaba por ser isso, faz parte do "negócio"... 

Acredito que se soubessem que o Cristiano Ronaldo, quando lhe apetecia, fazia uns rabiscos (que seriam uma porcaria feitos por qualquer um de nós...), iriam insistir muito para ele expor as suas "obras da prima" publicamente...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


quinta-feira, setembro 01, 2022

Uma Outra Feira do Livro (mais festeira e menos literária)...


Voltei à Feira do Livro e estranhei-a, mais do que nunca. 

Sei que o problema deve ser meu, por ser  de outro tempo (e querer ficar por lá...), em que os livros não se vendiam em supermercados nem eram produzidos e vendidos como se fossem apenas mais um acessório para as nossas vidas, como um perfume, um vestido ou um casaco.

Acredito que se batam recordes de tudo, tanto no número de editoras presentes (há várias de que nunca tinha ouvido falar, das tais que podiam muito bem estar ali a vender "batatas" em vez de "livros"...) como nas vendas. Nas praças dos dois grandes grupos editoriais, formavam-se filas para se pagar. O que até se compreende, pois conseguiram meter no bolso as editoras mais interessantes e com melhores livros e autores deste nosso pequeno país...

Mas também sei o quanto devem ser importantes para toda a gente que vive (ou finge viver...) dos livros. Como fui a um dia de semana, não encontrei escritores à espera de leitores e a assinar os seus nomes na folha de rosto dos livros que escreveram, mesmo que pensassem que estariam bem melhor deitados numa praia sossegada que naquela "costa de caparica" dos livros. Mas este é um dos "fados" de quem escreve livros...

Claro que não vou falar da "banalização" que têm feito do livro. Sei que muitas das tais editoras emergentes só existem para satisfazer os caprichos daqueles que não querem deixar este mundo "sem deixar um filho, plantar uma árvore e escrever um livro" (desconfio cada vez mais que esta frase nasceu de algum editor...). E por causa desse capricho há pessoas que até são capazes de "pagar dois livros" pelo preço de um, para gáudio de quem precisa deste conjunto de folhas impressas para comer. Uma boa parte destes autores acabam por  perceber, que afinal só alguns primos e vizinhos é que sentiam alguma curiosidade sobre o que estava dentro das suas histórias ou poemas. 

Mas quando percebem, é quase sempre tarde demais. Afinal não são bem escritores, apenas pagaram a impressão de um livro com as suas palavras...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)