Quase todos os livros deixam um rasto dentro de nós. Umas vezes esta marca é mais visível, outras nem por isso.
E o que não faltam por aí são coisas em que normalmente não pensamos, porque são problemas do "outro"...
Embora nunca tenha andado por aí a "dormir", ou a "fugir" do mundo real, nunca tinha tido uma noção tão concreta da "vida de preto", como ao ler as páginas densas do romance, "Rapariga, Mulher, Outra", de Bernardine Evaristo. E agora, ao começar a ler "Planisfério Pessoal" de Gonçalo Cadilhe, também encontro algumas linhas sobre a outra América, onde não existem, de facto, oportunidade para todos.
Voltando ao primeiro livro, que retrata sobretudo mulheres inglesas, de gerações diferentes, mas obrigadas a enfrentar problemas semelhantes, na escola, no trabalho, na rua, mostra o mundo como ele é. A discriminação continua a existir porque vai ao (des)encontro da forma como os brancos organizaram a sociedade. É preciso manter os pretos nas profissões que lhe "assentam que nem uma luva", como por exemplo, criadas, homens do lixo, empregadas de limpeza, pedreiros, seguranças, porteiros, etc.
É por isso que é mais comum do que o que possa parecer, muitas crianças terem vergonha da cor da sua pele. Ninguém gosta de estar "um metro atrás" antes da partida, e elas começam logo a ser tratadas de forma diferente nas creches, tratamento que se irá prolongar até aos liceus e universidades...
É por isso que é curioso o efeito que os livros têm dentro de nós. Obrigam-nos tantas vezes a "ver" coisas para as quais olhamos todos os dias, mas sem perdermos um só segundo a questioná-las.
(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)