Não estava a pensar escrever hoje sobre o livro, "Alentejo Prometido", de Henrique Raposo. Mas como fui tirando várias notas durante a leitura, acho por bem dar a minha opinião.
É um livro muito bem escrito, que me surpreendeu pela positiva e contraria algumas opiniões negativas que li aqui e ali (provavelmente de quem não leu o livro...).
Henrique Raposo traçou um "retrato" sobre o Alentejo baseado sobretudo na sua experiência pessoal, com um olhar marcadamente ideológico, de alguém que desde muito cedo foi educado a "diabolizar" o comunismo e a não entender a maneira de ser e de viver do povo alentejano. É o seu livro, é a história da sua família, é a sua visão, que choca por vezes com a realidade.
Onde se nota bem a componente ideológica que o Henrique introduz nesta sua história, é quando compara o Sul com o Norte, na sua religiosidade. Ou seja, coloca frente a frente o peso que a igreja católica tem nas populações nortenhas (gente temerária a Deus e que presta vassalagem aos padres das suas paróquias...) e a liberdade religiosa de um povo pouco crente, cuja vida difícil o ensinou a depender sobretudo dele próprio. Embora utilize vários argumentos para explicar a taxa de suicídios dos alentejanos, fixa-se sobretudo na ausência da presença de Deus nas suas vidas, como responsável pelo forma como enfrentam as adversidades de ânimo leve.
Há muitas outras características que o autor atribui aos alentejanos, que facilmente poderão ser transportadas para os povos das Beiras, de Trás-os-Montes e até da Estremadura. A violência do século XIX, com a existência de bandos armados, por exemplo, verificava-se um pouco por todo o país. Com a discriminação da mulher passa-se a mesma coisa. Aliás, há muitos mais casos de violência doméstica no Norte que no Sul...
É provável que sejam mais desconfiados que outras gentes, de regiões que não sentiram tanto na pele a fome, a miséria, a injustiça e a perseguição política da PIDE e da GNR.
Mas isso está longe de explicar tudo. Por outras palavras, há claramente falta de rigor histórico por parte de Henrique Raposo. Penso que ele será sempre um melhor ficcionista que historiador.
Quando ele já na parte final (p.98) diz: «Sinto-me mais em casa em Arouca do que em Santiago. Sou filho de uma migração que saiu do Alentejo mas não sou nem quero ser alentejano», explica quase tudo sobre este olhar peculiar sobre o Alentejo. Que é apenas e só o olhar de Henrique Raposo.
Comigo passou-se o contrário, quando vim morar para Almada, que é em parte o começo do Alentejo, senti-me muito bem ao lado de todos aqueles que me receberam de braços abertos e que gostam de ser quem são, ao mesmo tempo que se sentem orgulhosos da sua história, mesmo que esta não tenha como personagens "príncipes e princesas"...