Depois de ontem ter falado da "crise do jornalismo", acabei por recuar no tempo e lembrar-me de que, quando vim para Lisboa, com dezoito anos, fui confrontado com uma realidade muito diferente da que vivia em casa dos meus pais.
Em meia dúzia de meses, cresci muito, mesmo sem me aperceber. Os primos não tinham filhos e trataram-me quase como se "fosse deles", mas dando-me sempre a importância e a liberdade que se dá aos adultos. Era por isso que conversávamos sobre tudo, mesmo que eu soubesse quase nada...
Uma das diferenças significativas, é que entravam todos os dias dois jornais lá em casa, o "Diário de Notícias" e o "Diário de Lisboa". Parece um pormenor banal, mas está longe disso...
Alguns anos depois, em pleno cavaquismo, recordo uma conversa que tivemos num daqueles almoços de família, com os tios emigrantes, que tinham uma visão do país, completamente diferente da nossa. Fazia-lhes confusão a forma como se estava a viver, de repente toda a gente tinha um carro e uma casa nova (exagera-se sempre nas conversas...). Mas o que eles não percebiam mesmo era a "crença" geral de que "íamos ser todos ricos de um dia para o outro"...
Lembro-me que mais ou menos na mesma altura, jantei com os meus queridos primos, gente de cultura superior, que tinham preocupações completamente diferentes. Ela era um quadro superior do Ministério da Educação e sentia-se cada vez mais incomodada com a confusão que se fazia entre instrução, educação e conhecimento. Ou seja, no final dos anos oitenta, já era perceptível que quem tutelava o ensino preocupava-se em aumentar os níveis de escolaridade entre a população, sem que esta preocupação fosse acompanhada também para mais educação e mais conhecimento.
Mesmo que o cavaquismo tenha acontecido há já algum tempo, valorizou em demasia o materialismo, o "faz de conta", esquecendo outras coisas, não menos importantes, e que nos enriqueciam, sem nos encherem os bolsos de moedas...
Lembrei-me dos meus queridos primos Elisete e José, porque tinham razão no tempo certo (mesmo que ninguém os quisesse ouvir...). Sim, se hoje há muito menos analfabetos, nunca se notou o crescimento de leitores de jornais ou de livros. E se há mais instrução, não há mais educação nem conhecimento. Não é por acaso que cada vez se pratica menos o civismo no emprego, na escola e nas ruas.
Entre outras coisas, não tenho grandes dúvidas, que se lêssemos mais livros e jornais, éramos pessoas mais esclarecidas e livres.
(Fotografia de Luís Eme - Almada)