Penso que são poucos aqueles que gostam de fazer contas com a vida, usando a soma, a subtracção, a divisão e a multiplicação. Quase todos nos limitamos a aceitar o que ela nos dá e tira, sem andarmos por aí a baloiçar muito o "destino"...
E também não gostamos muito de conversar sobre isso. Preferimos os pequenos "fair-divers", dar atenção às coisas pequenas da vida (que nunca tiveram tanto relevo do nosso dia a dia, muito por culpa das redes sociais, inclusive a blogosfera - sei que escrevo muitas vezes sobre "inutilidades"...).
Mas há acontecimentos que não nos deixam fugir da chamada "vida malvada"...
Ontem recebi um telefonema da amiga que de longe a longe inspira um texto meu, que me informou do desaparecimento de um amigo comum, que tinha falecido na véspera. Há anos que ele sofria de uma daquelas doenças que têm nomes esquisitos e que nos vão roubando a vitalidade, os movimentos e a tão importante, autonomia, e que depois de nos deixarem em cadeiras de rodas, ainda conseguem fazer com que acabemos os dias, acamados. E se tivermos um "coração de ferro", este drama pode durar anos...
Aparentemente este amigo nunca deixou de oferecer um sorriso à vida, que lhe fora tão madrasta. Escrevo, aparentemente, por que sei que nos poupou dos seus momentos mais dramáticos, que foram vividos apenas pelos seus familiares mais próximos.
Ao contrário de mim, ela chorava, quase sempre que o via. Disse-lhe uma ou outra vez, que isso lhe fazia mal, dramatizava ainda mais a sua situação. Ela disse-me que era mais forte que ela... Não conseguia esquecer a pessoa cheia de vida, que ele fora.
Quase no fim da nossa conversa, ambos concluímos que ele gostou de estar vivo, até ao último segundo. Nunca disse a nenhum de nós que era um estorvo, que estava cá a mais, mesmo que o sentisse, especialmente nas horas mais dolorosas. Talvez a culpa disso acontecer fosse da companheira - que nunca o deixou só - dos dois filhos e do neto... Mas acho que tinha também que ver com o facto de ele pertencer ao clube dos "optimistas". Ele era uma daquelas pessoas que conseguiam encontrar sempre uma coisa positiva em qualquer drama que nos perseguisse...
(Fotografia de Luís Eme - Ele sempre gostou de Lisboa e do Tejo. Passou os seus últimos meses preso a uma cama, quase encostada a uma janela virada para o "melhor rio do mundo"...)