sexta-feira, março 05, 2021

Dividido entre Abandonos e Ocupações...


Há poucos dias, durante uma das minhas caminhadas, vi uns fulanos ao "ferro" nas instalações devolutas do "Clube Lisnave" e também da velha empresa da Margueira.

Vi que havia dois novos buracos na rede e dois dias depois entrei lá dentro, para tirar algumas fotografias (o retrato de ontem é de lá...). Acabei por me cruzar com os dois fulanos, que pelos vistos ainda não tinham levado o ferro todo. Sem que eu perguntasse, um deles tentou justificar-se, contou-me que estava desempregado e andava por ali a ver se arranjava uns cobres. Respondi-lhe para estar à vontade, só estava a tirar fotografias. Minutos depois o outro passou por mim a alguma distância, e provocador, disse: «Não me queres tirar também uma fotografia?» A minha resposta foi um virar costas.

Fiquei a pensar que uma parte das instalações, que devia ser de escritórios, ainda estava com bom ar (esquecendo o vandalismo do costume...), e que podia ter tido outra vida, outra utilidade, e nunca o abandono. Também pensei que nunca fora ocupada pela "gente sem eira nem beira", por se encontrar à beira da estrada.

Foi então que "regressei" ao Ginjal, porque dias antes tinha descoberto que a casa da Júlia (a última moradora oficial do Ginjal...) estava de novo ocupada, mas com uma inovação: desta vez tinha electricidade e tudo. Da janela da sua cozinha vi uma lâmpada florescente e ouvi música, além de vozes a cantar. Na altura pensei na "arte e engenho" desta gentinha, que consegue ir buscar luz, onde ninguém espera...

Também fiquei dividido em relação a estes espaços abandonados. Sei que se estiverem desabitados a degradação e a destruição é muito mais rápida, a melhor solução era oferecer-lhe uma nova "família". Mas também sei que uma boa parte destes "ocupas", quando abandonam estas "casas de abrigo", deixam-as sempre muito pior do que as encontram...

(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)


4 comentários:

  1. Para onde é que este texto o remete?
    Deveria ter por aí o recorte, só tem a data numa velha agenda (31.12.2000), que lhe diz que a Lisnave, após 33 anos de actividade, 5.200 navios reparados, deixou de existir, o fim do que foi considerado um dos melhores estaleiros a nível mundial, a maior doca com capacidade para navios até um milhão de toneladas, também deveria ter um recorte do ministro Mota Pinto-a-meias-com-Mário Soares-bloco-central, a lamentar-se aos jornalistas que os operários da Lisnave em vez de trabalharem, andavam à pesca e a comer marisco nos restaurantes do Ginjal.
    Ainda um filme, que ele viu sozinho numa das salas do Quarteto, «Segundas ao Sol», de Fernando Léon Aranoa, que toma como ponto de partida um despedimento colectivo ocorrido nos estaleiros de Gijón no principio da década de 90 e conta a história de um grupo de desempregados desse estaleiro naval, que fechou as portas porque os donos procuraram, algures num qualquer paraíso de mão-de-obra barata do Pacifico, quem lhe reparasse e construísse os barcos a menor preço, um filme sobre a amizade, a solidariedade sem falsos sentimentalismos, trabalhadores desempregados ligados entre si, como diz um dos personagens, «como siameses: um cai, o outro ri-se, antes de perceber que caíu também», que retrata a amargura muda, o desespero, quando a vida se torna assim: diariamente, de casa para a tasca, da tasca para casa, pelo meio segundas ao sol para sonhar sonhos, absurdos que sejam.
    «A questão não está se nós acreditamos em Deus. A questão é se Deus acredita em nós. Em mim, estou certo que Ele não acredita.», diz um dos personagens.
    Ele verifica agora que não fez comentário nenhum, apenas conta histórias, histórias de um país a quem disseram que abatessem navios de pesca, destruíssem a agricultura, esquecessem a Lisnave, a Sorefame, a Siderurgia do Seixal, jóias da coroa de uma indústria profissional e competente.
    Ainda haverá, em Cacilhas, um tasco, numa rampinha ao pé da Guarda Fiscal, ao pé da «Cabrinha», ao pé do Farol?
    «Saudades só do Futuro», Zé Gomes Ferreira?

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    1. Mas as histórias são melhores que os comentários, Sammy. :)

      Cometeram-se (e continuam a cometer...) autênticos atentados ao nosso património e à nossa identidade como povo. Só um Cavaco para "destruir" a agricultura, as pescas e alguma industria significativa.

      A história da Lisnave é talvez um dos melhores exemplos da luta entre o capitalismo e o povo, acabando por ficarem ambos a perder (embora os Mellos nunca se deixassem perder...).

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  2. O Cavaco entregou o país às rodoviárias...

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    1. Cometeu muitos erros, que continuamos a pagar por eles, mas continua a pensar que é o "maior ajax", Maria.

      Coitado.

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