Mas não foi por isso que visitei a Antena 3, a propósito dos 50 anos da Revolução de Abril. Foi porque a Incrível Almadense tinha sido convidada para participar e acharam que devia ser eu a falar da história desta enorme Colectividade de Almada. Isso aconteceu já nos finais de Fevereiro, mas só ontem é que foi para o ar.
A única experiência radiofónica que tive, deve ter sido há já uns bons quarenta anos, quando apareceram as "rádio piratas", que invadiram o país (de uma forma genuína e descontrolada...), e foi episódica.
Fui muito bem recebido pela Rita, pelo Francisco e pela Raquel, que me abriram logo o estúdio, para ver "como era" e ficar ali a ouvir o bonito exemplo de voluntariado de Fernanda Freitas, com o seu belo projecto de contadores de histórias para as crianças adormecerem nos hospitais... E depois apareceu Isabel do Carmo, médica e resistente (tanta sabedoria e simpatia) e o Kalaf Epalanga (esse mesmo, dos "Buraka som Sistema") e entretanto começou o programa.
Durante quase meia hora contaram-se histórias, neste programa de Abril, "Não Podias", em que o tema central era "não podias reunir-te". Gostei muito de ouvir a Isabel e o Kalaf, que iam respondendo às perguntas pertinentes do Francisco e da Raquel. E quase no fim falaram da Incrível e fizeram-me também perguntas, sobre como era a Incrível na ditadura. Disse logo, com um grande orgulho, que foi sempre democrática. Falei das sessões solenes de Outubro, em que era costume convidar uma grande figura do republicanismo (dei o exemplo dos professores Simões Raposo e Vieira de Almeida), que empolgado com o apoio e com a sala cheia, começava a denunciar algumas das tropelias do regime e acabava muitas vezes com "Vivas à República" - por acontecerem quase sempre durante o feriado do 5 de Outubro.
Falei também da fuga do Zeca Afonso do Salão da Incrível, quando apareceu para cantar de surpresa (em 1970). Como estava proibido pelo regime de cantar em público o seu nome não podia constar nos cartazes publicitários sobre os concertos musicais... da qual existem duas versões (e possibilidades reais de fuga, uma por um alçapão que fica num dos cantos do palco, quando se vai para os camarins e outra por umas escadinhas estreitas que tinham ligação com o cinema, para ruas diferentes, para a Capitão Leitão e para a Heliodoro Salgado).
Sei que o Francisco também me perguntou se não havia medo em relação às autoridades e como é nos defendíamos em relação a estes actos, de alguma forma "subversivos". Disse que a maior parte das vezes fazíamo-nos de parvos, como se tivéssemos sido apanhados de surpresa, perante os acontecimentos... E normalmente era suficiente para que as autoridades se ficassem pelas ameaças. Falei dos 175 anos e da banda, que dizem ser a única do país, que nunca deixou de tocar, desde a sua fundação e... o programa acabou (pois foi, soube a pouco, ficou tanto por dizer sobre a Incrível...).
Em relação ao título deste texto, ele deve-se ao gesto do meu filho, que foi apanhado de surpresa, no sábado de manhã e ficou a ouvir comigo (via televisão, que também pode ser rádio...) o programa "Não Podias" e gostou do que ouviu e do que eu dissera e manifestou-o com um "que giro" e o tal toque suave nas minhas costas, em jeito de festa...
(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)
Muito bom!
ResponderEliminarDaqui segue um toque nas costas, também!
Abraço
Foi muito agradável, Rosa.
EliminarAté o contacto com a Fernanda Freitas, que não conhecia (a televisão não conta), foi muito simples e natural.
Ele, que nem sequer chora por tudo e por nada, fica assim meio zonzo quando a palavra rádio lhe surge. Gostou do texto, não se sente minimamente disponível para ouvir rádio que não seja num rádio seja ele de que tamanho for, e tem perto dos livros, dos discos, o velho «Blaupunkt», onde ouvia o «Em Órbita» e, deslizando pela Biblioteca da Casa, abriu a «Missa in Albis» da Maria Velho da Costa:
ResponderEliminar«O aparelho de rádio tinha um caixilho de madeira e a face era como uma máscara cega, olhos e boca em panos. Havia a mesma melancolia nos brados dos relatos, nas sinfonias, nas novenas de Fátima e na voz quebrada dos discursos de estado. Como se o espírito nos desse sinal do holocausto, alheadas sobre o enlace das silhuetas: estarmos vedadas de tanta finura, veemência ou persuasão. Ainda hoje me assola a tristeza desses sons que não escuto e me temo de um rádio aberto em surdina à minha beira. Vivíamos sob esse rumor a que só mais tardiamente demos sentido, quando o hóquei patinado se tornou uma paixão cívica.»
Não consigo perceber porque não oiço mais rádio, Sammy.
Eliminar(há uma coisa curiosa, continuo a gostar de ouvir os relatos de futebol dos jogos do Benfica, ao mesmo tempo que faço outras coisas...)