Nesse tempo estranhámos que o Tio tocasse menos do que devia (embora eu e o meu irmão o "obrigássemos" a tocar e a cantar para nós, quando os dias ficavam quase "parvos" na velha casa da avó...), sem imaginarmos que ele nessa altura tinha mais intervenção política que musical nestes encontros.
Só muitos anos depois é que soubemos que fora do PCP e que quando partiu para Berlim, em 1975, estava completamente desiludido com o rumo da Revolução e com a crescente influência de vários "oportunistas" dentro do Partido...
Foi um tempo de descobertas...
Entre outras coisas, descobrimos que as muitas viagens que fazia eram tudo menos inocentes. E que a sua "promoção" a chófer particular daquele memorável grupo de "perigosos cantores esquerdistas" no começo dos anos 1970, não se deveu apenas ao facto de ser um dos poucos jovens com carta e carro. Sabíamos que ele, como qualquer jovem, era menino para trocar de turno no seu emprego só para ter a felicidade de viajar para qualquer recanto, de Norte a Sul, onde se realizassem espectáculos de canto popular. Só não sabíamos que também havia trabalho político pelo meio...
Em 1972 e 1973 chegaram a organizar quase excursões a algumas festas populares. E não era nada estranho terem de regressar "a casa" antes do fim dos espectáculos, por estradas secundárias, porque a GNR e os senhores que tinham a mania que eram agentes secretos, gostavam muito pouco da palavra Liberdade, mesmo que esta estivesse apenas dentro de canções.
Foi também muitos anos mais tarde, que eu e o meu irmão soubemos que fomos usados algumas vezes como "figurantes", nestes encontros políticos, que para nós eram apenas boas aventuras, com música, brincadeiras e piqueniques deliciosos, onde nos fartávamos de correr e saltar.
A partir de certa altura deixámos de ser convidados. Estranhámos e fartámo-nos de chatear o Tio para nos voltar a levar, sem sonharmos que havia por ali o dedo da Mãe, que desconfiou de qualquer coisa...
Toda esta prosa para dizer que foi num desses encontros que conheci o grande Adriano (que para mim, dentro dos meus seis anos, parecia um gigante...), que na época não passava de mais um amigo do Tio.
Quando oiço a "Trova do Vento que Passa", lembro-me sempre do fim de tarde desse passeio que demos pelos campos (foi sempre mais saudável conspirar no meio da natureza...). Cansado de tantas correrias regressei a casa às suas cavalitas e de mais uns quantos "tios" e "tias", que tornavam estes encontros tão agradáveis para crianças inocentes, que queriam era brincar e comer as coisas boas que faziam parte do piquenique...
(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)
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