segunda-feira, abril 29, 2024

Querer ser outra coisa...


Em menos de 10 minutos, em dois transportes diferentes, tive a mesma sensação, com duas pessoas diferentes.

Aquilo que lhes era mais comum, além da juventude, era a sua ambiguidade sexual. 

Sim, ambiguidade sexual. 

O primeiro era um rapaz com uma bela cabeleira loura (o trabalho que deveria dar, ter um cabelo tão sedoso e comprido...), que estava sentado de uma forma estranha. Enquanto o observava ia perdendo características de "rapariga loura", para passar a ser  um "rapaz louro", por coisas peculiares. O corpo não tinha muitas curvas e calçava um número de ténis quase grande... Só quando se levantou para sair na estação do metro percebi que era um "Alberto"...

Já sentado no cacilheiro, recebi a companhia de um rapaz de cabelo curto, roupas pretas, olhos e lábios pintados, brincos. O tempo da duração da viagem fez-me perceber que era demasiado leve e suave, para ser "o que parecia (e queria) ser". Agora era uma rapariga que lutava contra a tal questão, do que era suposto ser, segundo a sociedade...

O mais curioso, foi pensar que ambos deviam estar em negação, que se recusavam a aceitar o sexo que lhes fora destinado, por mais um daqueles acasos, que não se explicam (e agora também se podem negar...). 

Talvez tivessem medo do destino que a vida lhes traçara e queriam mudar o seu rumo, ou apenas queriam ser algo diferente...

Pois é, vivemos num mundo onde se há coisa que não nos falta, é o "talvez"...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


domingo, abril 28, 2024

O que encontro de mais parecido com este tempo erróneo...


Este tempo anda de tal forma baralhado e enigmático, que farta-se de "trocar as voltas" aos meteorologistas.

Aquilo que encontro de mais parecido, por aqui, na Terra, são os políticos (de todos os continentes e quadrantes...). O que mais nos oferecem é instabilidade, errando com demasiada facilidade nas suas previsões e esquecendo as promessas feitas antes dos votos.

É um mal geral, não é apenas dos nossos: do "saloio", do "lento", do "mentiroso", do "chico-esperto" ou do "fala-barato"...

É caso para dizer que até a Chuva e o Sol, nos andam a tramar...

(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)


sábado, abril 27, 2024

Também é um problema da democracia...


Tal como sempre se falou da "crise no teatro", também é histórica a "crise no associativismo".

Infelizmente são crises reais, por motivos diferentes. E de alguma forma estão ambas ligadas à democracia, mais pelo que não se fez do que pelo que se fez...

A preocupação de se criarem públicos para as actividades culturais ficou-se pelo caminho, algures entre as escolas e as instituições que tutelavam a Educação e a Cultura.

É difícil gostar do que não se conhece (a não ser que sejam espectáculos cuja comunicação seja mais directa com as pessoas, como acontece com as comédias...), do que não se sabe que também serve para pensar e nos ajudar a viver...

Em relação à "crise do associativismo", ela é sobretudo humana. Se antes de Abril era fácil encontrar, pessoas com "vontade de servir", hoje aparecem pessoas é com "vontade de se servirem"... Isso explica a crise do associativismo (a excepção são as grandes instituições, onde aparecem sempre várias listas de dirigentes, porque os interesses que se escondem por detrás, económicos, políticos ou desportivos, são mais que muitos...).

Pelos dados conhecidos, hoje vai acontecer "Abril" no Porto, com o fim do reinado de 42 anos de Pinto da Costa (que nos últimos anos se escuda nos muitos títulos conquistados, mas que se revelam cada vez mais insuficientes...). Este é o nosso exemplo maior do que o poder faz as pessoas, não as deixando sair na hora certa, desbaratando, tantas vezes, tudo o que se fez de positivo. 

Em Almada existem pelo menos meia-dúzia de colectividades que são presididas pela mesma pessoa há mais de vinte anos, fazendo com que estas caiam no marasmo, quase por razões naturais. Isso acontece porque a motivação deixa de ser a mesma, ao mesmo tempo que se vai ficando cada vez mais colado "à cadeira do poder" (sei do que falo porque presidi uma colectividade durante oito anos, mas por sentir na pele os "malefícios do poder", consegui sair pelo próprio pé...). É esta colagem que faz com que não se criem condições para que exista, pelo menos, uma alternativa de mudança, para que tudo se torne mais respirável e para que exista espaço para a diferença...

Infelizmente as pessoas fingem não perceber o que se passa à sua volta. E pior ainda, fingem não ver os vários maus exemplos alheios, que poderiam muito bem servir de "espelho"...

(Fotografia de Luís Eme - Cacilhas)


sexta-feira, abril 26, 2024

Com amigos destes...


Acho curioso (mas não devia...) que os comentários mais cínicos sobre a escolha do nosso novo Sebastião, sejam de comentadores de direita (pois é, são a maioria, pelo menos nas televisões...), que não se esquecem de referir: "eu sou amigo dele, mas..." (há muito  por aí quem defenda que amigo não empata amigo, até na cobiça da namorada alheia...).

Temos a mania de que a célebre "dor de cotovelo" é mais portuguesa que universal. Manias... O que não há dúvida é que alguns comentadores com mais uns anitos que Bugalho, a escrever e a falar, aqui e ali, acham que também já deviam ter a oportunidade para dar o "salto" e encher os bolsos (ainda por cima este dinheiro é "europeu", vale mais...).

Mas a realidade é outra coisa. E posso dar um exemplo familiar: o único comentador de quem a minha mãe me falou nos últimos tempos é do "rapaz penteadinho e bem vestidinho", que é capaz de dizer as maiores barbaridades, com o ar mais sério do mundo (ela é socialista e continua a ter uma "adoração" pelo Costa...).

O mais curioso é a atenção que tem sido dada à "agricultura" nestes dias pouco pardacentos. Não se trata apenas do Marcelo ter chamado a Montenegro de "saloio" (mesmo que ele seja mais urbano e moderno do que o que o presidente pensa, esta escolha fala por si...), há também vários comentadores que foram buscar os "melões" (coitados, não tiveram um avô que lhes ensinasse a escolhê-los e devem comprar demasiados "pepinos" em forma oval...), para dizer que o jovem é uma "incógnita".

Sem cinismos, eu acho que se trata de uma boa escolha, pelo menos para quem quer ser segundo nas eleições...

(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)


quinta-feira, abril 25, 2024

Todos os caminhos foram dar à Avenida da Liberdade...


Hoje todos os caminhos foram dar à Avenida da Liberdade.

Foi bom cruzar-me com gente feliz de todas as idades e de todos os extratos sociais. É este o espírito do 25 de Abril, a paixão pela democracia e pela Liberdade.

Talvez esta tenha sido a primeira resposta dada pelos portugueses aos fascistas que estão no Parlamento. 

Espero que a segunda seja dada já nas próximas eleições, para o Parlamento Europeu...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


quarta-feira, abril 24, 2024

Um medo generalizado, bem vivo no dia 24 de Abril de 1974...


Havia um medo comum, em quase todas as famílias, fossem elas muito, pouco ou nada politizadas, que se chamava Guerra Colonial. Guerra que se travava na Guiné, em Angola e Moçambique.

As mães eram quem mais sofria... porque raramente se escondiam atrás da honra ou do dever de todos (que nunca eram bem todos...) em defenderem a pátria. E quando viam os filhos aproximarem-se da idade maior, a dor aumentava, porque sabiam que existia uma forte possibilidade, deles terem de cumprir o serviço militar obrigatório no Portugal Ultramarino... que se estendia até Timor (foi para onde foi o Henrique, irmão do Fernando, um dos nossos melhores amigos de infância).

Nunca falei disto com a minha mãe. Mas nós éramos demasiado novos, para que ela começasse a antecipar o futuro. Eu tinha apenas onze anos e o meu irmão treze, em Abril de 1974.

Claro que este medo não desapareceu logo no dia 25 de Abril, porque até pelo menos, ao final de 1975, os nossos soldados continuaram a viajar para África (e a "morrer pela pátria")...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


terça-feira, abril 23, 2024

Cada vez ligo menos aos dias disto e daquilo...


Não devia dizer isto (é de livros que se trata), mas cada vez ligo menos aos dias disto e daquilo.

Não foi por isso, mas, consegui, sem esforço, não ler nenhuma página de um livro, e melhor ainda, não comprei também nenhum livro. Mas evitei passar em frente da "Bertrand", podia estar alguém por ali e chamar-me...

A única coisa que fiz de "condenável", foi pegar em vários livros, para os mudar de lugar (estava distraído e...).

O maia curioso, foi a meio da tarde, ter-me cruzado com uma jovem com a pele morena de África, de óculos e com uma máscara pandémica a esconder-lhe parte do rosto, a caminhar e a ler.

Quando nos cruzámos, olhou para mim, talvez espantada, por perceber que olhava para ela e para o livro. Parecia uma jovem presa ao telemóvel, sem sequer olhar para o passeio. Felizmente era um livro que tinha nas mãos (devia ser dos bons...). Não a fotografei, porque dava demasiado nas vistas.

Pensei que não devia ligar aquele pormenor, até porque me cruzo com mais leitoras nos outros dias, que não têm livro como apelido. 

E não devia mesmo, porque para mim todos os dias são dias do livro, menos o dia de hoje...

(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)


segunda-feira, abril 22, 2024

As revoluções e os saneamentos costumeiros...


Uma das questões mais controversas em qualquer Revolução, são os saneamentos que se seguem, nos meses seguintes, envolvendo praticamente todos os sectores da sociedade.

Mesmo pessoas que eram olhadas como progressistas a 24 de Abril, que ocupavam cargos com alguma notoriedade, graças à sua competência, acabaram vítimas desta transformação social, a 26 de Abril...

Foi facílimo passar-se de "comunista" a "fascista", em apenas meia-dúzia de dias no nosso País.

Como de costume, quem tinha mais peso mediático, foi quem sofreu mais na pele estas mudanças. As grandes figuras da televisão, da rádio e do espectáculo, foram aquelas que mais sentiram a diferença no tratamento, ao ponto de muitos terem de "fugir" para Espanha ou para o Brasil.  Na música e no teatro, houve mesmo quem mudasse de país (para o Brasil...), para continuar a trabalhar...

O fado foi sem qualquer dúvida o género musical que mais foi perseguido durante o PREC, fazer parte da mítica trilogia dos três éfes, "Fátima, Fado e Futebol", não ajudou nada. A sua grande diva, Amália Rodrigues, também foi perseguida (e até "abandonada" e "desprezada" por amigos próximos, estupidamente...). Como se ela tivesse alguma culpa por ter sido usada como "símbolo" da pátria (tal como Eusébio, embora este não fosse vítima de qualquer acto de menorização, provavelmente a sua cor de pele ajudou...)...

Algumas injustiças foram repostas, outras nem por isso. Houve gente que nunca mais teve qualquer oportunidade profissional, para se "levantar", socialmente. Um desses casos foi o excelente fotógrafo, Artur Pastor, cuja obra tem sido popularizada nos últimos anos. Mas existem dezenas de casos, desde o ensino superior ao jornalismo televisivo. Neste último caso, Henrique Mendes foi a excepção que confirmou a regra, tendo sido "recuperado" profissionalmente, alguns anos depois, com o aparecimento das televisões privadas (na SIC)...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


domingo, abril 21, 2024

A gente que gosta muito de andar com a palavra liberdade (só) na boca...


Este mundo está cheio de gente que gosta muito de andar com a palavra liberdade na boca, mas que passa a vida a tentar condicionar a liberdade dos outros.

Isto passa-se um pouco por todo o lado. Podia começar pelo interior dos partidos políticos (todos...), passando depois pela mesa dos café e acabando nos campos de futebol.

Os únicos lugares onde normalmente não somos "condicionados" (pelo menos descaradamente), são os espaços onde gastamos as moedas que temos no bolso, desde a mercearia de bairro ao nosso barbeiro (os taxistas não contam, gostam de comer "reis" ao pequeno almoço...).

Talvez seja um problema de interpretação da palavra. 

Talvez pensem que a liberdade é um direito individual (e que seja mais de uns que de outros...) e não colectivo.

Somos um mundo cheio de talvez...

(Fotografia de Luís Eme - Cacilhas)


sábado, abril 20, 2024

"As donas de casa não são donas de nada"


Gostei de ler (como de costume...) o artigo de opinião de Susana Peralta, no Público" de ontem, intitulado, "As donas de casa não são donas de nada", em que historiou a vida familiar das avós e tias, que acaba por ser comum a muitos de nós, que descendemos de habitantes das aldeias portugueses, onde por exemplo, a electricidade só chegou depois de Abril...

À mulher estava destinado um papel secundário na sociedade. E isso fazia-se sentir logo no acesso ao ensino primário, que se não era para todos os meninos, menos seria para todas as meninas... E nem vale a pena falarmos do ensino secundário ou da universidade...

É muito importante termos memória (mesmo que exista tanta gente a querer fugir dela, por representar uma vida de pobreza...). Foi por isso que gostei de ler a Susana. Sim, as minhas avós, materna e paterna, também não foram à escola. Mas o mesmo se passou com os meus avôs. Claro que eu sou da geração anterior da economista (devo levar-lhe uns vinte anos de avanço...), os seus avós já são da geração dos meus país, que embora fossem confrontados com os mesmos problemas, puderam lutar mais pela aprendizagem, nem que fosse já "fora de horas" (como ela refere em relação a uma tia...).

Não posso deixar de transcrever a parte final do seu texto, que diz muito do que se avançou e também dos defensores do "estatuto da dona de casa": 

«O enorme contraste entre a minha vida e a das mulheres da geração que me precede na família é revolucionário, no sentido Goldiano e no sentido de Abril. Neste lugar de fala que granjeei, penso muito na voz que elas não tiveram: apesar da inteligência e fino espírito analítico de algumas delas, o país decidiu encerrá-las numa vida de donas de casa na qual, na verdade, não foram donas de nada.
A revolução silenciosa de Claudia Goldin demonstra que a participação de pleno direito das mulheres no mercado de trabalho. é a conquista de um lugar na sociedade, o domínio da fertilidade e a libertação da tarefa de cuidar, que não é paga, nem valorizada. Uma história de poder. As mulheres poderosas metem medo aos machos fracos que as querem mandar para casa.»

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


sexta-feira, abril 19, 2024

A simpática Vila Franca de Xira


Hoje dei um "pulo" a Vila Franca de Xira, uma terra que me é simpática e onde me sinto bem. Penso que isso acontece por manter uma arquitectura tradicional, não se deixando "desfigurar" pelas partes novas da Cidade.

Claro que isto não tem nada a ver com o facto de ser uma "terra de touros e toureiros", embora José Júlio e Vitor Mendes (tive o grato prazer de conhecer ambos...), fossem óptimos anfitriões e mestres desta arte e tradição local.

Acho que é também por isso que gosto do Seixal. Tem uma personalidade muito própria, esforça-se por não se desligar da sua própria história.

Visitei o sempre  agradável "Museu do Neo-realismo", onde além das fotografias de Alfredo Cunha, vi uma bonita exposição de pintura de Amândio Silva, um pintor portuense que fez cem anos em 2023 (e claro, os quadros bonitos da sua colecção, em exposição permanente).

(Fotografias de Luís Eme - Vila Franca de Xira)


A Resistência Almadense e as Bibliotecas Humanas


Voltei a aparecer na sessão da tarde de hoje das "Bibliotecas Humanas" (foi a quarta, é mensal...), cujo tema era a "Resistência Antifascista em Almada", muito graças ao entusiasmo do Luís e do David, os bibliotecários que festejam Abril desta forma, de Janeiro a Dezembro.

Como de costume dizem-se coisas interessantes e pertinentes. Até se questiona o regime actual, que se percebe à légua que se finge mais democrático do que o que é realmente, com novas formas de censura, sem lápis azul, mas com outras subtilezas, próprias deste tempo, cada vez mais estranho.

Já percebi há algum tempo que Almada é um Concelho, que diverge de muitos outros, porque se antecipou vezes demais à história. Foi por isso que falei da sua vocação de resistente, que se mantém bem viva, quase desde a fundação da Nacionalidade, com D. Afonso Henriques. E continuou presente na Crise de 1383, na Restauração de 1640, antecipou o 24 de Julho para 23, na Revolução Liberal, o 5 de Outubro, para 4. E no dia 25 de Abril não antecipou nada, mas saiu descaradamente para a rua, para dar vivas à liberdade, enquanto uma boa parte do país passou este dia agarrado à rádio, fechado em casa...

Ainda bem que somos uma comunidade que, sempre sentiu que tinha mais a ganhar que a perder com as várias Revoluções, que foram mudando o rumo da nossa história.

Nota: Esqueci-me de escrever que no final da sessão cantámos todos a "Grândola Vila Morena" do nosso Zeca e de Abril, em homenagem ao António Policarpo, escritor de Almada, que nos deixara ontem.

(Fotografia de Luís Eme - Almada)