São pequenos relatos do quotidiano, como o nome sugere, são muito virados para o sexo feminino. Por vezes surge por ali uma mulher, que quase grita com as outras mulheres, por se sentirem confortáveis numa sociedade completamente desigual. Há também muitas referências culturais ao teatro, ao cinema, à arte ou à música (provavelmente foi uma das primeiras pessoas a elogiar o Zé Mário Branco, então em Paris, no final do ano de 1971, com referências elogiosas que se estendem a Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira e Luís Cília (fala dele como "exilado", a censura devia estar distraída...).
Mesmo sem ter a qualidade da ficção e das crónicas livres da Maria Judite (tenho encontrado algumas deliciosas nas páginas amarelecidas de "O Jornal"...), gostei da leveza da sua escrita e do seu habitual olhar atento a um tempo no mínimo estranho, para todos os portugueses, mas especialmente para as mulheres.
Não posso deixar de referir um outro grande escritor do quotidiano, o poeta José Gomes Ferreira. O "Poeta Militante" tem coisas de grande beleza sobre os dias, que fingem ser iguais uns aos outros. Além dos seus "Dias Comuns" (vários volumes), há também os olhares poéticos registados nas páginas de a "Gaveta de Nuvens" ou na "Calçada do Sol".
(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)
De repente, neste bonito texto, fala-se de dois escritores que ele admira: José Gomes Ferreira e Maria Judite de Carvalho.
ResponderEliminarPede desculpa por chegar aqui e, em lugar de comentários, se põe a escorregar pelas palavras.
A editora Relógio d’Água está a publicar as Obras Completas de Maria Judite de Carvalho e entendeu que as capas dos livros seriam pinturas da própria Maria Judite de Carvalho.
No 6º volume dos seus «Dias Comuns», José Gomes Ferreira, numa entrada datada de 1 de Novembro de 1968, refere a Maria Judite de Carvalho:
«Admiro-a muito como escritora e parece-me uma mulher autêntica. Isto é: que não estraga a liberdade com escravidões fáceis. Prefere as difíceis.»
Urbano Tavares Rodrigues, seu marido afirma: «Vivia como espectadora, sempre céptica e desencantada... Uma dor funda sempre a acompanhou.»
Também sobre Maria Judite de Carvalho, Mário Sacramento no seu «Diário»:
«Envergando a sua fina camisa de boa seda, bem engravatado e sem casaco, o N. – recordo-o agora – mostrou-me um cartão da Maria Judite de Carvalho em que esta guitarra cigana tão dolente e fina, penetrante e nostálgica, não se sabe de quê, recusou dar uma entrevista ao suplemento do jornal, a pretexto de que é antiliterária. Com a sua incapacidade de entender o que não meta cifrões, o N. (que a admira, está claro, pois as incomparáveis crónicas dela são pólen adejante que entra pela mais ténue frincha) comentou:
-Veja lá, não tem consciência do valor que tem…
Disse-lhe que pelo contrário!
A autenticidade dessa mulher é realmente espantosa, se tivermos em conta, por demais, que não sofreu qualquer influência visível do Urbano, o que é bem difícil, se levarmos em conta a irradiação que o caracteriza. Apetece ajoelhar diante dela, para lhe beijar humildemente os pés.»
Volta a pedir desculpa por tão longo arrazoado, mas não resistiu o lembrar a importância que tem a leitura dos livros de Maria Judite Carvalho, tal como, tão judiciosamente, refere o Luís: « Por vezes surge por ali uma mulher, que quase grita com as outras mulheres, por se sentirem confortáveis numa sociedade completamente desigual.»
Também são dos meus, mais queridos, Sammy.
EliminarGosto muito da proximidade que habita dentro das palavras de ambos, do quando gostam de escrever sobre as pessoas comuns.