terça-feira, janeiro 26, 2016

«As pessoas sem dignidade vendem-se por tostões.»


O pai de um amigo contou-nos uma história que lhe aconteceu na empresa onde trabalhou, que diz muito da pequenez das pessoas, capazes de cometer as maiores desonestidades por tão pouco. Ele até nos disse que é por isso que uma boa parte das pessoas nem se mostram muito escandalizadas com os "roubos" dos banqueiros. Alguns até têm o desplante de dizer que no lugar deles faziam o mesmo.

Mas vamos lá à história. Tudo começou quando lhe chamaram a atenção para as reclamações sobre a sessão de "perdidos e achados" da empresa de transportes onde trabalhava. 

Numa primeira abordagem disseram-lhe que estava tudo normal, que os objectos de valor normalmente eram levantados pelos legítimos proprietários, pouco tempo depois de ali serem entregues. Isso fez com que não percebessem  o porquê de tantas reclamações na sede da empresa. Acabaram por chamar alguns dos lesados, para se inteirarem da sua razão, ou não.

Depois fizeram uma visita ao local e estranharam que só lá se encontrassem objectos velhos e sem valor, que ninguém levantava, por razões óbvias. Consultaram os livros de entradas e saídas, atentos aos objectos "desaparecidos" dos reclamantes. Perceberam que as assinaturas de quem levantava os objectos não só eram falsas como demasiado parecidas. 

Concluíram que a melhor maneira de chegar a algum lugar era "armadilhar"  um objecto (um bom relógio de marca), que seria supostamente perdido, para depois lhe seguirem os passos...

Com a ajuda de um "infiltrado" souberam que relógio viajara até uma casa de penhores, logo na semana seguinte a ter sido dado como perdido. 

A suposta pessoa que o perdera entretanto passou por lá e o funcionário começou por lhe disser que não tinha sido entregue nenhum relógio na secção. Mas ela insistiu e disse ao homem que conhecia o motorista do autocarro e que este lhe tinha garantido que encontrara o relógio e o entregara a quem de direito. O homem dos perdidos e achados ficou um pouco engasgado, mas limitou-se a abanar os ombros, a dizer que devia haver algum mal entendido, mantendo a versão anterior, que ali não tinha chegado nada.

Posteriormente visitaram o dono da loja de penhores, pediram para ver o relógio e ameaçaram-no, caso não colaborasse, com a ameaça do encerramento do estabelecimento com a respectiva participação às entidades competentes. Este acobardou-se e chegou-se ao "líder" de toda aquela negociata e desmontando a "golpada".

Os funcionários envolvidos no estratagema foram despedidos e o dono da casa de penhores devolveu os objectos que ainda estavam na loja, embora alegasse sempre que não fazia ideia que se tratava de coisas entregues na sessão de "perdidos e achados".

Quando o senhor disse que, embora aquele exemplo fosse uma insignificância podia ser transposto para quase todos os sectores da nossa sociedade, acrescentando um lugar comum, «as pessoas sem dignidade vendem-se por tostões.», nós não podíamos fazer outra coisa, que não fosse concordar...

(Óleo de Frank Fleuren)

12 comentários:

  1. «uma boa parte das pessoas nem se mostram muito escandalizadas com os "roubos" dos banqueiros. Alguns até têm o desplante de dizer que no lugar deles faziam o mesmo» - também a maior parte dos que reclamam e lhes chamam gatunos e ladrões faria o mesmo...

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    1. A nossa sociedade anda "doente" há já bastantes anos, Cristina.

      Tem havido uma constante desvalorização dos valores humanos mais importantes...

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    2. Caro Luís, permita-me dizer que não concordo totalmente, ou seja, constantemente me pergunto se realmente tem havido essa desvalorização, ou se, afinal, foi sempre assim. Nas minhas pesquisas históricas, ainda não me pareceu encontrar época em que houvesse mais dignidade humana. Nem mais, nem menos. Claro que não tenho provas, um estudo desses seria trabalhoso, talvez impossível, as conclusões nunca seriam definitivas. Mas duvido que tenha havido épocas com mais humanidade.

      É claro que nada disso justifica as injustiças e atrocidades que se continuam a cometer. Mas a natureza humana não augura nada de bom, infelizmente...

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    3. Tens alguma razão, Cristina.

      Temos evoluído ao longo dos tempos, mas aparece sempre algo que nos faz voltar atrás, sem que se entenda muito bem porquê.

      Os casos de violência doméstica são o melhor exemplo disso. Tanta gente que não suporta ter a mulher lado a lado...

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  2. Muito triste estarem a agir assim.

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    1. É o mundo em que vivemos, Gábi.

      Se olharmos só para o nosso país, quando alguém sem estes valores é primeiro-ministro 10 anos e presidente da república outros dez, tem de se andar para trás...

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  3. Infelizmente assim é! Somos muito mal formados... Daí que não devemos espantar-nos com tantas coisas que acontecem...

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    1. Pois não, Graça.

      E quando os maus exemplos vêm de cima, de governantes como um Cavaco, um Relvas, um Sócrates ou um Loureiro, está tudo dito.

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  4. POis eu acho que a dignidade não tem preço...Como tal, não se vende nem por tostões nem por milhões, Luís!

    Um abraço! :)

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    1. Pelo menos não devia andar por aí, constantemente em saldo, Janita.

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  5. Não me admira. O ano passado uns amigos comentavam que quem lhes dera achar uma carteira bem recheada. E quando um deles lembrou que a carteira teria dono, e que o "recheio" podia ser essencial para o/a dono/dona, os outros caíram lhe todos em cima. Que se estava a armar em bom, que se isso acontecesse fazia o mesmo etc. E depois acrescentou. Se calhar ias entregar à polícia, para eles ficarem com ela. Ou pensas que eles entregam as coisas? Só entregam o que não lhes serve para nada.
    Eu não sei a que propósito veio a conversa. Estávamos à espera do autocarro, limitei-me a ouvir.
    Um abraço

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    1. Este comentário pode ter várias leituras, Elvira.

      O facto de não confiarmos na justiça e nas forças da lei (demasiado vesgas), que até serve de desculpa para cometermos ilicitos...

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