Embora não dissesse nada a ninguém, não conseguia disfarçar a grande pena que sentia de si próprio, por chegar à etapa final sem ninguém. Era por isso que se entretinha a despejar copos de bagaço. Ao quinto começava a chorar como uma "madalena arrependida" e dizia coisas a que já ninguém ligava, muito menos as pedras da calçada.
A primeira vez que reparei nele foi quando o ouvi gritar: «nem a merda de um filho fui capaz de fazer.» Ali mesmo ao lado vi os companheiros de copos a rirem-se e a contarem histórias sobre as mulheres que lhe foram enfeitando a testa. como se ele não estivesse ali presente. Pouco tempo depois ele começou a chorar. Nada que afectasse os outros, que não pararam de rir nem de contar as histórias dos seus desamores, como se estivessem habituados aquele teatro trágico...
Voltei a encontrá-lo mais vezes, sempre com o mesmo registo.
Entretanto deve ter passado um ano e...
Não sei o que aconteceu nem qual foi a cambalhota que deu. Só sei que gostei de o ver de barba desfeita, vestido com uma roupa sem manchas, a beber um café apenas com a companhia de uma garrafa de água...
Talvez fosse outra pessoa. Quase um irmão gémeo.
(Fotografia de Francesc Catalã-Roca)
O registo de um homem que perdeu tudo, ou nunca teve nada!
ResponderEliminarMuito triste...mas mais triste e deplorável, é a falta de solidariedade dos outros homens.
Crueldade e indiferença pela dor alheia, que estava acontecendo mesmo ali ao seu lado.
Gostaria que não se tratasse de um irmão gémeo. Talvez a cambalhota tivesse sido de 360 graus e ele tenha caído de pé!
A vida dá tantas voltas...
As fotos a P&B têm um encanto especial, não acha?
:)
É um retrato cada vez mais presente nas grandes cidades, Janita.
EliminarGentes que se esqueceram dos outros e que agora também não têm que se lembre delas...
Mas é muito difícil dar a tal cambalhota. As histórias infelizes ganham por muitos às felizes.
Olha que verdade:
EliminarGentes que se esqueceram dos outros e que agora também não têem quem se lembre delas...
É sempre triste ver a degradação de um ser humano. Mais triste ainda a falta de sensibilidade dos outros para as nossas dores.
ResponderEliminarA vida dá muitas voltas. E às vezes basta uma mão estendida para nos tirar da lama.
Um abraço
É verdade, Elvira.
EliminarMas cada vez se estendem menos mãos... a não ser para a fotografia ou televisão.
um retrato belo mas triste...
ResponderEliminarA vida é bela e triste, Laura...
EliminarSó fala assim (escreve assim) quem se preocupa com os outros e é uma qualidade tão rara (mas tão bela) nos dias de hoje...
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