terça-feira, janeiro 19, 2016

«Que gente tão amarelinha.»


A mulher passou por mim e pediu-me um cigarro, disse que não tinha. Chamou-me mentiroso com um ar trocista, enquanto avançava e se metia com outro, com a mesma história.

Foi assim até ao fim da linha, sem conseguir cravar um cigarro.

Foi então que lamentou em voz alta: «Que gente tão amarelinha.»

Ninguém lhe respondeu mal, muito menos a mandaram calar. Vim a saber depois que não podiam. Isso era um convite para que ela usasse outro tipo de linguagem, quase pornográfica, que muitas vezes deixava de ser divertida e passava a ordinária.

Foi salva por alguém que tinha estado a fumar lá fora e assim que entrou, estendeu-lhe um cigarro daqueles que se dão sem palavras.

Ela agradeceu com uma vénia e saiu, decidida a fazer-se à vidinha. Reparei que deixou os espectadores quase em suspense, como se tivessem receio de que ela se arrependesse e voltasse atrás.

O João quebrou o silêncio e disse-me que ela não era de cá. Tinha uma tia na rua de cima com quem vinha almoçar de vez enquanto. Aproveitava quase sempre a viagem a Almada para ver se continuava tudo no mesmo sitio por ali, ao mesmo tempo que, se lhe dessem espaço, "agitava um pouco as águas".

(Óleo de Xia Junna)

2 comentários:

  1. Durante uns três ou quatro anos havia aqui um mulher na casa dos 40 que todos os dias se postava um pouco à frente da minha casa, junto à porta de uma pastelaria a pedir um cigarro. E também insultava as pessoas. Eu chegava a dar a volta pela rua de trás, para não me cruzar com ela. Depois um dia desapareceu.
    Um abraço

    ResponderEliminar
  2. De vez em quando surgem-nos uns "loucos", que embora nos possam fazem sorrir, por momentos, têm também a sua parte desagradável, Elvira...

    ResponderEliminar