«Apareciam por ali na tasca da Maria Russa disfarçados de camponeses, mas eram todos artistas. Pintavam, escreviam, esculpiam e filosofavam.
Descobri que não só conversavam
como riam, cansados de tudo, até de viver. Aquele almoço semanal que se prolongava até
ao fim da tarde era quase o seu parque de diversões, onde a única coisa que
ninguém podia, era dizer bem de alguém.
Um deles disse: «Pelas viagens que fiz, pela vida que vivi, tenho agora uma ideia bem
precisa do mundo. Já não tenho ilusões. Na arte só me interessa o puro, o
cristalino, o brutal, o que dói, o absoluto. Mas necessito de beleza para poder
suportar tal sofrimento. É por isso que continuo a frequentar a casa de putas da Isaura».
Eu só estava ali na condição de
permanecer em silêncio e invisível.
Um outro, de barbas e cabelo enorme
falava na recusa, como o principal gesto humano. Anarquista convicto, defendia
que a história tinha
sido feita por aqueles poucos que disseram não, não pelos cortesãos e
conselheiros, muito menos pelos cardeais cinzentos, que também navegavam em
terra ao sabor do vento, embora fingissem ter a bênção do deus menor deles.
Num outro canto um antigo professor e pintor,
também ele sem esperança nos caminhos percorridos, afirmava que a arte nasce e afirma-se
onde quer que exista uma ânsia eterna e insaciável pelo espiritual, pelo ideal.
É essa ânsia que leva as pessoas à arte.
Baixou a cabeça desolado, por ver quase toda a gente a fugir para o vazio...»
A fotografia é de Willy Ronis.
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