quinta-feira, junho 18, 2015

A Montra dos Escritores Esquecidos


«Eram seis mas só dois tinham tido sucesso junto dos leitores, embora na actualidade estivessem esquecidos. E ainda por cima tinham o problema terrível de continuarem vivos.

Se morressem talvez algum livreiro se lembrasse de lhes fazer uma montra, de recordá-los. E se a coisa resultasse, de voltar a editá-los.

Tinha ouvido dizer mal de todos eles. Não passavam de um grupo de velhos quezilentos, que estavam proibidos de morder a língua durante a tarde que se encontravam, porque estavam sempre prontos a disparar em todas as direcções, como qualquer “pistoleiro” do velho oeste.

Estava longe de ser um crédulo, era mais parecido com o S. Tomé, queria ver para crer. Por isso tinha de aceitar aquele convite caído das nuvens.

Deve ter sido por isso que estranhei o ar amistoso e a forma simpática com que me receberam, a meio do almoço chegaram mesmo a dizer que eu era um deles, como se me conhecessem melhor que eu próprio.

Alguém tinha falado de mim, pelos vistos bem. E como souberam que privara com Júlio Verne, Dinis Machado e o padre Felicidade Alves, pertencia ao seu círculo, o que quer que isso fosse.

Falavam de tudo menos de política. Todos tinham sido comunistas na juventude. Mas quando se deu a Revolução de Abril já estavam curados. A Primavera de Praga foi mais que suficiente para perceberem que estavam no sítio errado, à hora errada.

Continuam a acreditar na igualdade e na justiça social, algo em que a maior parte dos comunistas não acreditavam nem acreditam. A solidariedade deles continua a ser praticada apenas entre pares e não para com toda a gente, algo que os define como seres humanos selectivos. Tal como os católicos, pensam que são uma casta especial. Os católicos acham-se donos do céu, os comunistas donos da terra…»

A fotografia é de Ferdinando Scianna.

2 comentários:

  1. Eu diria que " Tal como os católicos, pensam que são uma casta especial. Os católicos acham-se donos do céu, os comunistas donos da terra…" é um pouco exagerado.
    Um abraço

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    1. Claro que é, para muitos, Elvira.

      Mas há alguns que pensam assim...

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