De resto procuramos vezes demais o que parece fácil. É também por isso que se vê tanta gente a "fingir" que é possível apagar o ano de dois mil e vinte, e a dizer que é um ano para esquecer. E acaba por ser um consolo de ir atrás deste "disco", mesmo que tenha riscos...
Mas não. Este ano é para tudo, menos para esquecer. Eu sei que além de termos a memória curta, somos péssimos em matemática, mas não podemos virar a folha do calendário e acreditar em todos os "milagres" que estão a "colar" ao ano de dois mil e vinte e um.
Eu sei que custa, mas faz-nos bem deixar uma ou outra coisa má por esconder. Talvez nunca tenhamos sido tão "esquecidos", tão "roubados", tão "presos"... e sim, também tão "abandonados". A única coisa que há para apagar é este "talvez".
E a sensação de perda esteve longe de ser uma ilusão, aliás, desilusão. Perdemos pessoas de quem gostávamos (a um ritmo estúpido, sem nos despedirmos com devíamos). Perdemos empregos (ou sentimos que eles estão na "corda bamba", à espera dos tais "melhores dias", que vão tardar, tal como os bons patrões - esses raros, que não olham para todas as "crises", como oportunidades para ganhar ainda mais dinheiro...). Perdemos sorrisos. Perdemos amores.
Também ganhámos algumas coisas... além de peso. O espelho mostra-nos umas "olheiras" diferentes, mais profundas... E o que dizer da mudança de cor do cabelo? Talvez o cinzento fique na moda...
Se vontade de "fugir" foi recorrente neste ano maldito, agora segue-se a vontade de "esquecer", de apostar tudo nos "melhores dias"... Só que a "fera" ainda está cá. E é capaz de nos perseguir por todo o lado.
Talvez não seja má ideia adiar a passagem pelo cabeleireiro para pintar os cabelos cinzentos que foram aparecendo, quase sem avisar, atrás, à frente e de lado. Talvez seja bom não esquecer, pelo menos nos tempos mais próximos...
(Fotografia de Luís Eme - Almada)