Depois abri a varanda e não foi difícil de descobrir o cheiro esquisito da atmosfera, que normalmente vem "colado" a estes episódios, em que parece que o "mundo desapareceu"...
Enquanto bebia café lembrei-me dos dias de nevoeiro do Barreiro, no começo dos anos oitenta do século passado, em que o ar se tornava quase irrespirável, especialmente nas noites mais fechadas e húmidas. Sabíamos que as fábricas da Quimigal aproveitavam estas "quase barreiras" para misturarem os gases tóxicos das suas torres enormes com o ar que respirávamos, deixando à nossa volta um cheiro muito pouco saudável, povoado de enxofre, amoníaco e outras pestilências, que quase nos arranhava a garganta.
Nessa altura as fábricas ainda funcionavam a todo o vapor e falava-se pouco do ambiente. Mesmo que todos soubéssemos que a única coisa que aquelas coisas deviam fazer era aumentar o crescimento dos pelos no nariz, nas orelhas e nas costas...
Claro que estou a brincar. Faziam pior que isso, de certeza.
Mesmo sendo das artes e não das ciências, continua a fazer-me muita confusão, que estes cheiros esquisitos só apareçam no ar nos dias de nevoeiro...
(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)
O Tejo era um mundo de trabalho: cacilheiros, navios a descarregar ao largo, um mar de fragatas num vai-vem-rio-acima-rio-abaixo.
ResponderEliminarOlhava-as da mansarda da avó paterna, na Rua Senhora do Monte, mesmo na esquina com o Bairro Estrela D'Ouro.
Via-se o Barreiro, a névoa fabril a sair das chaminés, quando ainda as diversas e enormes fábricas da CUF não tinham sido construídas no Lavradio.
A travessia Lisboa/Barreiro era feita com barcos a carvão. Quando assentou praça, em Tavira, Junho de 1967, ainda fez a travessia num desses barcos. Chegou ao Barreiro à meia-noite para apanhar o comboio-correio, um verdadeiro recoveiro, terceira classe, bancos de suma-pau, paragem em todas estações e apeadeiros.
Chegada a Tavira às sete e meia da manhã.
Aquela água furtada onde vivia a avó paterna.
Algures, Walter Benjamim diz que para conhecer toda a melancolia de uma cidade, é preciso ter sido lá criança.
António Gedeão, que viveu por aqueles lados a adolescência, na Calçada do Monte, sempre quis voltar a subir aquelas escadas, ele também quis subir as escadas da mansarda onde a avó viveu, bater à porta, dizer a quem a abrisse, que um miúdo de 8 anos, em tempos distantes, olhava o Tejo daquela varanda e se poderia rever essa sensação.
Mas quando sobe aquela rua, olha o marco do correio que ainda se encontra junto à porta e, ao contrário de Gedeão, nem as escadas sobe.
Era um mundo de trabalho, sim, Sammy.
EliminarSem muito respeito pelas pessoas e pelo Tejo.
Mas as memórias são sempre boas. :)