terça-feira, agosto 18, 2020

Fugir do Óbvio (ou não)...


Quem não passa a vida a "pedinchar", o que quer que seja, vive num país ligeiramente diferente do real, onde a "cunha" e o "compadrio" acabam por fazer parte do dia-a-dia de qualquer profissão.

Às vezes juntava-se a nós na esplanada um rapaz já aposentado, com um sentido de ironia muito peculiar. Vitima do sistema, gostava de falar da marca de elevadores "cunha", os mais utilizados nos serviços públicos por onde andou.

Toda esta "lenga-lenga", porque um amigo meu, poeta, avesso a este país que continua dentro livros do Eça, contou-me a história de um editor - que por um mero acaso também escrevia versos -, que sempre que ele se tentava aproximar, fugia dele a sete pés. Claro que acabou por desistir de tentar falar com ele. E pensar que a única que lhe queria dizer, era que tinha gostado muito do seu livro de poesia...

Ao falar com outros amigos do meio, percebeu que ele fazia isso com "quase toda a gente" que escrevia, porque achava que "quase toda a gente" que metia conversa com ele "queria qualquer coisa"...

Por detestar generalizações sentiu-se indignado, e nunca mais tentou falar com o senhor. 

Quarenta anos depois foi o editor que tentou falar com ele, queria pedir-lhe autorização para publicar um seu poema numa antologia. O meu amigo olhou-o nos olhos, antes de lhe virar as costas, sem dizer uma única palavra... Embora me dissesse depois, que teve muita vontade de o mandar "barda merda".

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)

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