quinta-feira, abril 09, 2015

O Preto Alentejano


Embora os alentejanos se deixem "pintar" pelo sol, nunca ficam da cor do Rafael, que sempre se orgulhou de ser preto e alentejano.

Claro que o "cante" nunca foi o seu forte, desde a meninice que se habituou a ser embalado por outras músicas escuras, que saiam das guitarras do avô, do pai e do baixo do tio, gajos para misturar as vozes e irem até à américa. Daí a nada o Rafael começou a acompanhá-los com a pequena bateria que ganhou num Natal.

Mas o que ele queria mesmo era dar porrada às teclas do piano, como o Alfredo, o branco que acompanhava o grupo de baile do avô, "Ritmos Azuis", que de Verão tentavam bater todas as romarias do Alentejo, Alto e Baixo.

Quando cresceu os "Ritmos Azuis" eram apenas uma memória, que quase duvidada da existência. Nunca soube muito bem o que aconteceu. Parece que se chatearam uns com os outros e não voltaram a tocar juntos nem separados.

Na adolescência tentava desafiar o pai e o tio, para o acompanharem, mas em vão... O avô era o único que continuava a fazer chorar as pedras da calçada com as mornas da Terra Natal. 

Com apenas dezoito anos Rafael começou a animar as noites do bar manhoso do Evaristo, que até tinha umas raparigas que vestiam menos de mini saia.

Como gostava de pôr aquela gente a dançar, aos pulos e agarradinhos (havia sempre uns fulanos que lhe colocavam uma nota no bolso a troco de músicas lentas...). Hoje ri-se, desta sua faceta de "prostituta".

Acabou na Capital do Império. Duas ou três vidas depois, regressou, atrás dos pássaros do Sul.

Uma noite apareceu no bar do Evaristo e conheceu o novo dono do lugar, que sempre pensara que o piano era apenas um objecto decorativo, até ele lhe demonstrar que ainda estava ali para as curvas. Sorriu por isso e também por continuarem a existir raparigas,  agora praticamente sem saia...

O óleo é de Keith Mallet.

2 comentários:

  1. O talento não morre com a idade. Aprimora-se.
    Um abraço e bom Domingo

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