segunda-feira, fevereiro 20, 2023

Ser "Amador" ou "Profissional" no Mundo das Artes e Letras...


No sábado escrevi sobre arte, a propósito de uma conversa com um amigo.

Curiosamente, no domingo, ao ler a crónica de João Lopes no "Diário de Notícias", onde recordava o seu encontro no nosso país com o cineasta Glauber Rocha, não consegui deixar de concordar com a visão do realizador brasileiro, que nos deixou cedo demais.

Eis a transcrição da parte final do texto, em que Glauber fala sobre a sua visão e relação com a arte. Explica muito bem a tal diferença entre o "amador" e o "profissional". 

«Glauber chama-nos a atenção para a possível redução da obra de arte a um "comentário" daquilo que faz manchete no espaço jornalístico. Não que essa obra seja estranha ou exterior a tal contexto (bem pelo contrário!), antes porque o labor do artista não existe para duplicar as linhas de força da atualidade mediática, muito menos para confirmar a suposta intocabilidade dos "temas" com que essa atualidade se afadiga a mobilizar a consciência de cada um de nós.

Daí o seu distanciamento de qualquer visão "sagrada" do espectador: "O problema do espectador na obra de arte é um problema que eu não considero, digo-lhe isto com a maior sinceridade. Porque eu acredito que a obra de arte é um produto da loucura, no sentido em que fala o Fernando Pessoa, que fala o Erasmo, quer dizer, a loucura como a lucidez, a libertação do inconsciente."

Daí também a recusa de qualquer estatuto corporativo: "É por isso que eu não me considero um cineasta profissional, porque se o fosse teria que atuar segundo o ritual da indústria cinematográfica. Considero-me um amador, como o Buñuel, alguém que ama o cinema...".»

Eu também penso como ele, também me sinto um amador. Provavelmente isso acontece por ter medo de ser engolido pelo "trabalho artístico das nove às cinco"... 

(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)


2 comentários:

  1. Sábias palavras do Rocha. Os artistas trabalham das nove às cinco, mas é a "treinar as escalas", a tratar da produção, dos utensílios, do material, a ensaiar, a deitar as folhas no caixote ou a pôr as telas de lado. A rotina. O que certamente não produzem é "arte das nove às cinco". A propósito do Buñuel, recordei-me de um extracto que faz parte de um extra num dvd do Pedro Costa «Où gît votre sourire enfoui?». Aqui está (a partir dos 12:40, aproximadamente). O filme do Pedro Costa é maravilhoso, diga-se. E é para ver muitas vezes ao longo de meses ou anos, não se apanha tudo à primeira. Resiste.

    https://www.youtube.com/watch?v=RgnJmRSEwxU

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    1. Apesar de algumas opiniões contrárias, continuo a pensar que ser artista depende mais da inspiração que da transpiração, Miguel. :)

      Grato pela dica.

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