No sábado escrevi sobre arte, a propósito de uma conversa com um amigo.
Curiosamente, no domingo, ao ler a crónica de João Lopes no "Diário de Notícias", onde recordava o seu encontro no nosso país com o cineasta Glauber Rocha, não consegui deixar de concordar com a visão do realizador brasileiro, que nos deixou cedo demais.
Eis a transcrição da parte final do texto, em que Glauber fala sobre a sua visão e relação com a arte. Explica muito bem a tal diferença entre o "amador" e o "profissional".
«Glauber chama-nos a atenção para a possível redução da obra de arte a um "comentário" daquilo que faz manchete no espaço jornalístico. Não que essa obra seja estranha ou exterior a tal contexto (bem pelo contrário!), antes porque o labor do artista não existe para duplicar as linhas de força da atualidade mediática, muito menos para confirmar a suposta intocabilidade dos "temas" com que essa atualidade se afadiga a mobilizar a consciência de cada um de nós.
Daí o seu distanciamento de qualquer visão "sagrada" do espectador: "O problema do espectador na obra de arte é um problema que eu não considero, digo-lhe isto com a maior sinceridade. Porque eu acredito que a obra de arte é um produto da loucura, no sentido em que fala o Fernando Pessoa, que fala o Erasmo, quer dizer, a loucura como a lucidez, a libertação do inconsciente."
Daí também a recusa de qualquer estatuto corporativo: "É por isso que eu não me considero um cineasta profissional, porque se o fosse teria que atuar segundo o ritual da indústria cinematográfica. Considero-me um amador, como o Buñuel, alguém que ama o cinema...".»
Eu também penso como ele, também me sinto um amador. Provavelmente isso acontece por ter medo de ser engolido pelo "trabalho artístico das nove às cinco"...
(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)
Sábias palavras do Rocha. Os artistas trabalham das nove às cinco, mas é a "treinar as escalas", a tratar da produção, dos utensílios, do material, a ensaiar, a deitar as folhas no caixote ou a pôr as telas de lado. A rotina. O que certamente não produzem é "arte das nove às cinco". A propósito do Buñuel, recordei-me de um extracto que faz parte de um extra num dvd do Pedro Costa «Où gît votre sourire enfoui?». Aqui está (a partir dos 12:40, aproximadamente). O filme do Pedro Costa é maravilhoso, diga-se. E é para ver muitas vezes ao longo de meses ou anos, não se apanha tudo à primeira. Resiste.
ResponderEliminarhttps://www.youtube.com/watch?v=RgnJmRSEwxU
Apesar de algumas opiniões contrárias, continuo a pensar que ser artista depende mais da inspiração que da transpiração, Miguel. :)
EliminarGrato pela dica.