Falo de "A Criança e a Vida", uma colectânea organizada por Maria Rosa Colaço e escrita pelos seus alunos da escola primária onde começou a dar aulas, em Cacilhas.
No seu texto de apresentação ela explica muito bem como foi o seu primeiro dia de aulas:
«O silêncio que me envolveu era um silêncio pesado, expectante. E no meio do silêncio, eles ali estavam, na manhã que nascia: esculpidos em vento e mar.
Vinham dos barcos ancorados no cais, do bairro de lata, de sabe Deus donde. Traziam nas mãos, em vez de mala e livros - não sei porquê mas traziam - folhas de plátano douradas. O Outono perfumava-lhes os cabelos.
Eram sementes vivas da mais autêntica liberdade e não sabiam nada de preconceitos, nem de palavras, nem de coisa nenhuma.
Olhei-os também em silêncio. Um por um. Longamente. Depois, peguei na régua-apoio que o director me oferecera e dei-a ao que me pareceu mais velho: "Toma! Vai atirar fora." E depois... não o que lhe disse. Mas a fome de ternura era neles como o sol, a chuva e o desconforto. E como éramos primários, pobres e sozinhos, estabelecemos desde aquela hora um entendimento lúcido e discreto. E foi assim que ficamos solidários e Amigos-para-sempre.
Aprendi então que a verdade é uma palavra essencial.
E a lealdade também.»
Sei que o conteúdo do livro pode ter sido "amenizado" pela professora, mas não deixa de ser um documento histórico, que foi traduzido e editado em dezenas de países. E inédito, uma professora dar voz aos alunos em plena ditadura, tem muito que se lhe diga...
(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)
Boa tarde
ResponderEliminarE como me lembro bem da régua e da cana de bambu dos anos sessenta. Mas também tive quem não as usasse.
JR
Eu também me lembro, Joaquim.:)
EliminarFoi um dos livros muitas vezes analisado nas suas frases poéticas nas minhas aulas!
ResponderEliminarAbraço
É um livro muito curioso, Rosa.
EliminarFiz toda a minha escolaridade antes do 25 de Abril. Só a Faculdade é que foi em 86...
ResponderEliminarComo falava pelos cotovelos ( era filha única e não tinha primos ) fartava-me de levar réguadas por estar sempre a falar....a minha professora da primária não me era muito querida mas ensinava muito bem. Ainda me lembro da cara dela, ao fim destes anos todos. E ela morreu praticamente a seguir ao final da minha 4a.classe. E fui ao funeral dela! Foi o meu primeiro funeral e foi uma experiência muito marcante para mim!
86 não! 76!
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