Eu sei que as violações ao segredo de justiça e a troca de informações privilegiadas, não começaram com a detenção do ex-primeiro-ministro José Sócrates - transmitida em directo na CMTV -, nem com a transformação de processos como a "Operação Marquês", numa "mina de ouro", para os donos da televisão e do jornal.
As "condenações públicas" através da comunicação social começaram alguns anos antes, com o nosso primeiro grande caso mediático: a investigação sobre pedofilia na Casa Pia. Nessa altura o CM ainda não tinha o seu canal de televisão, mas a prisão de um deputado socialista na Assembleia da República, não deixou de ser transmitida em directo no nosso país...
Era o começo da era dos "juízes-justiceiros", que teria alguns anos depois em Carlos Alexandre o seu expoente máximo.
A partir daí passou a ser normal a divulgação de documentos em segredo de justiça, por parte do CM (quase em exclusividade vá-se lá saber porquê...). Graças a este "jornalismo justiceiro", vários arguidos foram "condenados" pela opinião pública antes dos seus casos transitarem em julgado e de serem absolvidos...
Mas nunca tinha acontecido uma coisa como a que está a acontecer através da operação "cartão vermelho", com a divulgação diária de conversas privadas (quase sempre sem qualquer relevância criminal) entre pessoas ligadas ao futebol e ao Benfica, com a respectiva chamada de primeira página do CM (e anúncio dado nos programas desportivos da CMTV).
O mais estranho disto tudo, é a aparente "normalidade" de toda a situação, com nenhuma tomada de posição, de quem de direito.
No mundo do futebol, o normal é assobiar para o ar, mas para bem da justiça portuguesa, era importante que alguém se manifestasse e tomasse uma posição firme, sobre mais esta violação diária, da vida privada de dezenas de pessoas.
A não ser que já tenhamos chegado a um ponto, em que "vale tudo, mesmo tudo, para vender jornais e ter audiências televisivas".
(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)