quinta-feira, novembro 19, 2020

Bernardo Santareno Merecia Muito Mais...


Como todos sabemos, este ano de 2020 é madrasto para qualquer género de comemorações ou homenagens.

Todos aqueles que mereciam ser recordados, acabam por sair a perder, como acontece com o dramaturgo Bernardo Santareno, o lado lunar do médico António Martinho do Rosário, que faz hoje 100 anos.

Para muitos Bernardo Santareno foi o maior dramaturgo português do século XX. A par do almadense Romeu Correia, foi um dos autores portugueses mais representados nos palcos amadores do nosso país, de Norte a Sul. 

Curiosamente, em vez de rivais foram bons amigos. Eis o que o dramaturgo natural de Santarém disse de Romeu, na revista "Seara Nova":

«É claro que o Teatro é, foi sempre e continuará a ser, em grande parte, aquele gesto de luz, milagroso, que transforma um qualquer objecto feio e sujo na maravilha dum balão colorido e libertado… Quero eu dizer, com isto, que Romeu Correia tem aquilo a que Garcia Lorca chamava o “duende”. Sem este, por mais vasta que seja a erudição e a “civilização” do autor, é que não há criação dramática; às vezes parece, mas acabamos todos por reconhecer que não é.»

(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)


4 comentários:

  1. Sammy, o paquete20/11/20, 01:21

    Um enorme dramaturgo neste país tão triste de esquecer de gente, que também nos deixou um lindíssimo livro de narrativas sobre as vidas e os trabalhos dos nossos pescadores de bacalhau.
    «Nos Mares do Fim do Mundo» chamou a esse livro onde deixou vincadas as condições em que um único homem, num dóri, pescava à linha, até encher o pequeno barco, regressar ao navio-mãe e começar a descabeçar os peixes, escalar e colocá-los para salga no porão.
    Uma vida miserável que a ditadura queria que fosse epopeia.
    A experiência de Bernardo Santareno retirou-a do seu trabalho, como médico, a bordo do navio-hospital «Gil Eanes»

    Este é o começo de «Nos Mares do Fim do Mundo»:

    «Enquanto o “David Melgueiro” se afasta, mais e mais de Lisboa, eu surpreendo-me com as mãos abertas ao vento, para nele colher um certo olhar negro e patético, ou um riso estridente e nervoso que queria ser lágrima, ou aquele dorido inclinar de cabeça silencioso e resignado, ou aquele beijo enviado por alguém que me pede uma estrela como testemunho da aventura, ou a serenidade hirta e requintada de quem, enquanto o navio se distancia, se acusa por não sentir nada (nem mágoa, nem saudade) por mim... Com as minhas longas mãos abertas ao vento...»

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Já li o livro. É um belo retrato de uma realidade portuguesa, até pelo menos aos anos 1970, Sammy...

      Faz-me muitas confusão que Shakespeare seja encenado dezenas de vezes pelos nossos grupos, o achem sempre actual, e ignorem a dramaturgia de autores como o Bernardo Santareno ou Romeu Correia.

      Eliminar
  2. Este excelente livro ("Nos mares do fim do mundo") foi, não há muito tempo (Outubro 2019), vendido (edição fac-simile) com o jornal "O Público", e vale a pena ler.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Pois vale, Severino. É um belo retrato de um trabalho durissimo, no meio do gelo, durante meses...

      Eliminar