sábado, março 12, 2022

«Não calculas o gozo que dá, mostrar o que não está à vista.»


Sei que devia começar por "desmontar" este título e dizer que ele está bastante longe de ser o que parece. Mas como não passamos sem a "curiosidade" e o "gato", o melhor mesmo é contar...

Ao olhar para um cartaz de uma peça de teatro já com alguns anos, lembrei-me de uma conversa quer tive com um amigo, que se fartou de "viajar", em cima de um palco praticamente vazio, sentado numa cadeira de madeira com um volante na mão.

Ele conseguiu durante mais de uma hora mostrar a Lisboa culta e pitoresca, aos clientes que entravam e saíam da sua "viatura imaginária" (só podiam ser duas pessoas de cada vez, porque só tinha duas cadeiras atrás da dele).

Achei o papel dele brilhante, pelos pormenores. Além de passar o tempo a conduzir com uma mão, a outra apontava para os monumentos, as tascas, os restaurantes (todos inventados assim como as personagens que espreitavam à porta e lhe acenavam...). 

Felizmente o autor do texto não se preocupou muito com o trânsito (não fez travagens bruscas nem passou o tempo a meter mudanças...). Outro aspecto curioso, era a personagem do meu amigo, falar com os clientes, apenas através do espelho retrovisor imaginário.

Quando conversámos sobre a peça, ele disse-me que tinha sido dos papéis que mais gostara de fazer e foi quando me ofereceu esta "pérola": «Não calculas o gozo que dá, mostrar o que não está à vista.»

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


sexta-feira, março 11, 2022

A Procura do "Eu" no Mundo Artístico


Um dos meus amigos ficou chateado porque lhe disse que o quadro de uma terceira pessoa era uma verdadeira obra de Arte. Ao olhar comum os seus quadros são mais bonitos mas falta-lhe aquilo que podemos chamar de originalidade. 

Quando olho para os seus quadros e fico sempre com a sensação de que já vi aquilo em algum lugar.

O outro rapaz não. Quando olho para as suas obras de Arte (para mim é disso que se trata...), vejo sempre algo de novo, algo que não conhecia (nem mesmo de fotografias de catálogos ou revistas). Ele consegue juntar a criatividade com a inovação e a Arte acontece, de uma forma natural.

Acho que esta procura do "eu", é a coisa mais importante para um criador, seja ele de que área for, mesmo que ela seja procurada por uma minoria de pessoas.

Em relação ao meu amigo, sei que vai ficar chateado mais vezes, porque a complacência nunca foi boa para a verdadeira amizade.

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


quinta-feira, março 10, 2022

«Isso pode ser a "morte do artista"»


Hoje vou falar de um rapaz que vi crescer, que sempre gostou de dar nas vistas, no bom sentido, ao ponto de ser conhecido como o "palhacito" da família. 

Claro que nem todas as pessoas com estas características, acabam dando actores ou actrizes... A vida dá sempre umas voltas a mais ou a menos, normalmente com mais "derrotas" que "vitórias", nesta caminhada.

Acabámos por nos encontrar na rua esta semana. Bebemos um café e conversámos durante cinco minutos. Já não era o rapaz iludido de há meia-dúzia de anos, foi por isso que fez este desabafo, quando o questionei sobre a sua carreira: «Ultimamente só me dão papéis de merda, mas vai andando...»

Quando lhe perguntei se não se fazia castings na escolha das personagens, disse-me que não era bem assim que as coisas funcionavam. Claro que eu sabia disso, há demasiados estereótipos televisivos. Devem ser poucas as actrizes que gostam de passar a vida a representar a vida de criadas, por muito que estas possam ser interessantes...

Antes de nos despedirmos disse: «Ainda não tenho estatuto para dizer não, para recusar trabalhos. E também já percebi que isso pode ser a "morte do artista" neste meio.»

E como ele está certo... Tanta gente que fica pelo caminho, por pensar que "pode fazer escolhas"...

Continuei a minha marcha pelas ruas, consciente de que a vida está cheia de obstáculos por toda a parte, mesmo onde ela  "parece mais fácil"... 

(Fotografia de Luís Eme - Tejo)


quarta-feira, março 09, 2022

A Reacção Ucraniana à Invasão Russa (comentada)


Tenho conversado com algumas pessoas, que quase condenam a reacção ucraniana à invasão russa. O seu argumento, é de que se não tivessem resistido, não havia mortes nem bombardeamentos a cidades.

Faz-me sempre confusão este tipo de argumentos. Por muito "cobardes" que sejamos, quando são colocados em causa os nossos bens individuais e colectivos, e existe uma invasão externa sem qualquer sentido, o mais normal é reagirmos.

Pergunto-lhes, se por acaso a Espanha, resolvesse invadir o nosso território, o que é fazíamos? Ficávamos quietos, à espera que tomassem o poder? Com certeza que não.

Se em 1580 até havia alguma legitimidade, porque o rei de Espanha e os príncipes eram de alguma forma, herdeiros da coroa (a "esperteza" de D. João II e de D. Manuel I em fazer casamentos reais com princesas espanholas, acabou por ter um efeito contrário...), os portugueses não descansaram enquanto não se viram livres do "jugo" espanhol. 

E além disso, hoje, (supostamente) vivemos em repúblicas democráticas...

(Fotografia de Luís Eme - Trafaria)


terça-feira, março 08, 2022

Será um Tempo Diferente...


Sei que está quase a chegar, o "Tempo das Mulheres".

Gostava que fosse um tempo melhor, mas a única certeza que tenho, é que será um tempo diferente...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


segunda-feira, março 07, 2022

Nem de Propósito...


No fim do dia de sábado achei estranho a presença de meia dúzia de polícias (coisa rara de ver nas ruas...), próximo de um café que visito pelo menos uma ou duas vezes por semana, que estava fechado e com o acesso vedado por duas fitas, uma de cada lado.

Junto à esplanada, com as mesas e cadeiras recolhidas, estava um corpo coberto por uma lona (pelo contorno e pela presença policial, só podia ser um corpo...).

O meu filho disse que só no domingo, já ao fim da tarde, é que o corpo foi recolhido. Não percebo como é que tal foi possível, mas só se pode dever à disponibilidade, ou não, de um médico legista...

Não cheguei a saber quem tinha sido a vítima. Se era homem, mulher, velho, novo, conhecido, desconhecido. Mas achei curioso existirem nas ruas pelo menos três versões sobre o que acontecera (ataque cardíaco, pancada no chão e álcool a mais...), e também sobre o "retrato" da vítima. Só o sexo não variava, era um homem, mas a idade "subia e descia", entre os 40 e os 80...

Se vivêssemos num tempo "sem assunto", era provável ver por ali, pelo menos um repórter do CMTV. E claro, lembrei-me do senhor António e da dona Hortência...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


domingo, março 06, 2022

A Caracterização de Personagens...


Escrevi ontem um pequeno texto sobre um "homem invisível", que depois de se mudar foi mal recebido num prédio e numa rua de bairro, onde as pessoas gostavam de "viver a vida dos outros"  e pensavam saber tudo umas das outras.

Respondia com silêncios e sorrisos irritantes aos "avanços" dos vizinhos mais atrevidos. O senhor António, cuja elegância física e de trato, fazia com que fosse impossível mandá-lo para qualquer sítio. A dona Hortência era um caso de estudo, apesar de ter mais de cem quilos, parecia uma "enguia" a deslizar pelas esquinas do bairro. Por ser do Norte, tinha sempre muito "alho" para distribuir pela rua.

Claro que na caracterização destas personagens, pensei no meu bairro. No bom e no mau que é os nossos vizinhos "especializarem-se" nas nossas vidas...

O bom é a sua disponibilidade para nos ajudarem numa situação de aperto. São os primeiros a espreitarem pela janela, atrás do cortinado, mas também a virem para rua (para seguirem em "directo" o acontecimento e se possível, participarem...). 

O mau é estarem sempre a "meter o nariz onde não são chamados".

Mas não tenho dúvidas que o senhor António e a dona Hortênsia, dariam óptimos colaboradores do CMTV, sempre com excelentes directos...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


sábado, março 05, 2022

Viagens pelo Mundo...


À medida que os anos vão passando por mim, reparo que vão caindo mais que dois ou três lugares que gostava de visitar um dia. 

Por exemplo, em relação ao Brasil, além da fixação quase natural pela Baía, Brasília tem ganho pontos nos últimos anos, conseguindo ultrapassar São Paulo ou Rio de Janeiro. 

Isso acontece graças à sua arte arquitectónica é à ideia de se criar uma cidade de raiz, no meio do nada, que foi tão bem apadrinhada por Juscelino Kubitschek (que continua a ser reconhecido como o melhor presidente de sempre do Brasil e foi proibido de visitar a "sua cidade", pelos ditadores militares, embora o tenha feito, "clandestinamente", num dia de chuva...) e desenhada e construída, entre outros, por Oscar Niemeyer.

A minha companheira gostava muito de conhecer Moscovo. Eu nem por isso. E cada vez tenho menos fascínio pelo Oriente...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


sexta-feira, março 04, 2022

É Lamentável a Posição do PCP


Eu, que sou no mínimo, "eleitor" da CDU, acho lamentável a posição do PCP sobre a invasão da Rússia à Ucrânia.

Penso que ninguém fica diminuído por condenar um acto de guerra e selvajaria, que vai contra todos os princípios humanos e a própria Organização das Nações do Mundo.

A única coisa que está em causa é a soberania de um país e a liberdade de um povo. Todas as outras narrativas que possam envolver os EUA, a China, o Afeganistão ou o Iraque, neste momento são coisas secundárias. 

Além destes aspectos, os dirigentes comunistas colocam em risco a continuidade do PCP no nosso mapa político, porque uma boa parte dos seus eleitores (e até militantes...) está longe de se rever nesta posição ambígua.

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


quinta-feira, março 03, 2022

A Pobreza: o Mal de todos os Males...


Tenho cada vez mais dificuldades em falar com pessoas que se dizem defensoras do liberalismo, por saber que o que elas defendem são outras coisas, como o "comodismo social" do costume, que lhes permitiu durante séculos a manutenção das "castas familiares" que tanto mal têm feito ao país. 

O mais grave, é que muitos destes "defensores" do liberalismo não fizeram (nem fazem...) outra coisa, senão viver à sombra do Estado...

É também por isso que compreendo perfeitamente que esta gente continue a amaldiçoar o 25 de Abril, por pelo menos ter tentado oferecer algum equilíbrio social, na educação e na saúde. Sei que eles preferiam que as universidades continuassem a ser quase exclusivamente para os seus filhos e netos, e que existissem mais "hospitais para ricos" e menos para "pobres". Mas o mundo está longe de ser só deles, felizmente.

Pode-se, ou não gostar, de Pacheco Pereira, mas ele é uma das pessoas mais lúcidas a olhar e a comentar a sociedade. No mês de Abril de 2016 uma das suas crónicas da "Sábado" versou sobre a pobreza, cuja parte mais significativa, transcrevemos com a devida vénia:

«A pobreza ou qualquer forma de privação do mínimo necessário para uma vida com dignidade é uma forma de dar aos poderosos o direito natural à liberdade e a de privar os mais fracos.

Sim, porque ser pobre é ser mais fraco. É ter menos educação e menos oportunidades de as usar, é ter empregos piores e salários piores, ou não ter nem uma coisa nem outra. É falar português pior, com menos capacidade expressiva, logo com menos domínio sobre as coisas. É ter uma experiência  limitada e menos qualificações. É depender mais dos outros. É não ter outro caminho que não seja o de reproduzir nas novas gerações, nos filhos, o mesmo ciclo de pobreza e exclusão dos país.»

Só não vê quem não quer, que só cresceremos como país, quando em vez de aumentarmos - como acontece actualmente -, reduzirmos o fosso entre ricos e pobres.

(Fotografia de Luís Eme - Cova da Piedade)


quarta-feira, março 02, 2022

«Num mundo normal o Putin estava cercado por todos os lados»


Acho que todos pensamos a mesma coisa, mas não dizemos.

Não sei se vivemos num mundo "anormal", mas percebi perfeitamente o que o Carlos quis dizer, quando disse:

«Num mundo normal o Putin estava cercado por todos os lados e já tinha sido obrigado a recuar e a enfiar o rabinho por entre as pernas.»

Infelizmente vivemos num tempo em que os interesses pessoais, se têm sobreposto, com cada vez mais "normalidade", ao interesse comum... 

(Fotografia de Luís Eme - Arealva)


terça-feira, março 01, 2022

Acreditar (ou Não) no Outro...


Aquilo que separa verdadeiramente as pessoas de esquerda e da direita, é o que cada um de nós pensa da liberdade individual. 

As pessoas de esquerda tentam dar um  sentido colectivo às suas vidas, pensam no outro e por isso lutam por uma sociedade mais igualitária, nos direitos e nos deveres. Gostavam que todas as pessoas vivessem melhor, por muito que este pensamento pareça "utópico". Não pensam na liberdade sem os outros, que os rodeiam.

As pessoas de direita pensam sobretudo nelas e nos seus, não estão nada interessadas em dividir o que é seu, pelos outros. É por isso que quando são confrontadas com pessoas que precisam de apoio, os seus primeiros argumentos são: "estudassem, trabalhassem", sem se esquecerem de lhes chamar "calaceiros, malandros", e coisas piores, claro.

Nem coloco esta questão no ponto de "sermos melhores ou piores cidadãos". Coloco sim no ponto de conseguirmos confiar, ou não, no outro: pensar que a pessoa que está ao nosso lado, está ali para nos ajudar e não para nos tramar.

De uma maneira simplista, é isto que separa a maior parte das pessoas: o sentido colectivo ou individual que elas dão às suas vidas. E infelizmente o mundo está organizado de uma forma que fomenta cada vez mais o individualismo e o egoísmo (e começa logo nas famílias)...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)