Tudo por ter o prazer de conversar e conhecer o António, um jovem que daqui a poucos meses será nonagenário, e que tinha tantas histórias para contar. Foi por isso que aos cinco minutos previstos, tiveram de ser somados muitos, ultrapassando a hora e obrigando à alteração da agenda. E ainda bem que isso aconteceu, porque foi um tempo ganho (para os dois)...
Vou escrever apenas sobre duas frases das muitas que ele me disse. Embora fosse um "lordesinho", por saber escrever e ler, bem (e como gostava de ler...), aos doze anos foi trabalhar para uma das fábricas de transformação da cortiça do Caramujo, e já era a sua segunda profissão, antes, com apenas dez anos, fora marçano na loja do André, que tinha mais de explorador que de mestre.
Estávamos na segunda metade dos anos 40 do século passado, a Guerra tinha acabado na Europa e no Mundo, mas a pobreza continuava bem presente na vida da maior parte das pessoas, que recebiam ordenados de miséria. Pobreza bem visível nas casas onde se vivia, na alimentação e até na forma de vestir e calçar... (Lá estou eu a "fugir" ao assunto)
O António era um miúdo vivaço e imaginativo, e depressa descobriram o seu gosto pelos livros (havia uma estante improvisada num dos cantos da fábrica, com meia-dúzia de livros, usados nas leituras, alguns deles lidos várias vezes, tal era o interesse que despertavam junto dos operários de ambos os sexos...).
E foi assim, que vez de escolher rolhas ou andar nas limpezas ou a recolher o desperdício, passou a ser o "leitor" de serviço. E lá vem a frase que ele me contou: «Sabes? Foi a primeira vez que me senti importante na vida...»
Entre as muitas coisas que me contou, houve outra que ficou: «Éramos obrigados a ser adultos à força. Vivemos tantas coisas nos tempos errados. Por gostar de saber coisas novas, sonhei muito tempo com a escola de Lisboa, mas foi apenas um sonho...»
Era esta a triste sina de uma boa parte das crianças da sua geração, que tinham de trabalhar, mal acabavam a instrução primária, para ajudar a equilibrar os orçamentos baixos das famílias (muito maiores que as dos nossos dias, em que ter meia-dúzia de filhos era a coisa mais normal do mundo) e não iam para a escola, muito menos passavam o tempo a brincar com os amigos...
(Fotografia de Luís Eme - Almada)
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