Deixo hoje mais algumas transcrições do conto que escrevi, para a antologia, "Contos do Portugal Profundo", onde as memórias abraçam a imaginação... E onde se descobrem pequenas coisas deste nosso Portugal, quase esquecido...
«[...] Quando olhou para o Olival, que quase se
perdia de vista, recordou-se que o pai guardava sempre uma semana de férias no
mês de Outubro para voltar à Beira. Antes da chegada do Inverno vinha ajudar os
tios na apanha da azeitona. Nunca falaram sobre isso, nem sobre tantas outras
coisas… Poderia gostar de sentir o tempo a arrefecer perto da Serra, como acontecia
na sua meninice, ou então, de continuar preso à tradição familiar do fabrico do
azeite. Provavelmente eram as duas coisas…
Tinha saudades dele. Dos seus silêncios,
do seu sorriso suave e sobretudo da força que transmitia, apenas com o olhar. Nunca
falara disso com ninguém, nem mesmo com o irmão, muito menos com a mãe.[...]»
«[...] Sentia que a pequena localidade tinha
regredido muito, tal como acontecera com tantas terras do interior, nas últimas
décadas. A taberna, que agora era apenas café, tinha perdido o atractivo de ter
a seu lado a mercearia, onde se podia comprar um pouco de tudo, como ainda
acontece nos bairros… O facto de antes ter dois mil habitantes e agora ter menos
de quinhentos não pode explicar tudo. Até porque o meu milhar de pessoas que mantêm
viva a aldeia, além de estar mais envelhecido e limitado de movimentos,
continua a ter de comer todos os dias… [...]»
«[...] Quando voltou para dentro aproveitou para
se espreguiçar, ao mesmo tempo que olhava à sua volta. A cozinha tinha apenas a
mobilia indispensável, assim como a sala e os quartos. Gostava daquela ausência
de inutilidades que vamos juntando ao longo da vida. Era bom a casa não ser de
ninguém em especial, pertencer sobretudo a quem chegava, que trazia os seus
livros, os seus discos e as suas roupas, que depois levava de volta… [...]»
«[...] As fotografias e os nomes foram lhe recordando
pequenos episódios, quase sempre positivos. Percebeu que estavam por ali várias
pessoas que tinham acabado os seus dias nas cidades, mas por tradição, ou por
outra coisa qualquer, quiseram que os seus corpos desaparecessem no mesmo lugar
onde tinham nascido, rente aos campos da Beira.
Havia tios e primos que nunca conhecera
fisicamente, mas de quem sabia várias coisas das suas vidas, algumas de forma quase
lendária, como o Tio Firmino, que morrera novo e diziam ser o maior jogador do
pau das redondezas, um autêntico “malhadinhas” do Aquilino. Era comum virem à
aldeia desafiá-lo e normalmente saiam de Alcobar, derrotados e cabisbaixos.
Recordou o tio João, um homem alto e
bonito, o único que tinha olhos azuis da família, vá-se lá saber porquê. Tinha
algo de imperial, como se tivesse existido na família qualquer mistura de
“sangue azulado”.
A última morada do bisavô Francisco
elevava-se um pouco acima das outras, provavelmente, como reconhecimento da
aldeia pelo seu papel activo na defesa da comunidade, ao exteriorizar com tanta
energia a importância da água para todos.
Estupidamente lembrava-se mais dos homens
que das mulheres da família. Foi por isso que quando descobriu o retrato da tia
Isabel, que lhe oferecia uns bolinhos secos deliciosos, reviu-a com gosto.
Sorriu ao recordar a sua figura anafada, brejeira e com um andar quase
dançante. Agora achava piada ela enchê-lo de beijos quando se víam, na altura
nem por isso. Sorriu ao recordar que os beijos lambuzados, eram uma
especialidade de quase todas as mulheres da aldeia, especialmente as de mais
idade, que o abraçavam e chamavam “filho da minha alma”… [...]»
«[...] Sempre achou graça à diferenciação de
sexos assumida na aldeia, até pelo padre e pela igreja. Elas iam rezar para a
missa e eles beber do corpo de cristo na taberna do Alfredo.
As coisas não mudaram assim tanto, na
actualidade o café continua a ser sobretudo dos homens. As mulheres passam por
lá mas quase que não param. Bebem o café e vão para casa. São eles que passam
ali as tardes de sábado e domingo a jogar às cartas e a beber minis. [...]»
Muito bom Luís. Soube-me a pouco. Adorava ler o resto.
ResponderEliminarAbraço e feliz dia
Abraço Elvira.
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