«[...] Quando via alguém mais idoso, agarrado a uma rede, recordava-se sempre de um velho lobo do mar da Nazaré que originara uma crónica sobre esse extraordinário pescador cheio de rugas e cabelos brancos que o enchia de orgulho.
De tempos a tempos lia o recorte de jornal com a sua assinatura. Era como se voltasse por breves instantes ao convívio com aquele homem cujas emoções à flor da pele se confundiam com as ondas do mar: Chamam-lhe velho e já não o deixam ir ao mar... mas Valdemar continua a sentir a mesma vontade de partir, ao desafio, pelo interior das ondas do Atlântico que continuam a bater próximo do seu coração.
Ele não consegue esconder o desgosto de ficar em terra, enquanto os outros se aventuram pelo mar fora. Sente que remendar redes não é digno como final de vida, de quem desde os treze anos começou a ir para o mar, desafiando os muitos demónios que se banhavam nas águas da Nazaré.
Na vila todos o conhecem por “Leão do Mar”, uma alcunha com mais de cinquenta anos, fruto das muitas aventuras vividas ao longo dos seus setenta e um anos, curtidos pelo sal e sol da vida, algumas das quais se transformaram em lendas!...
Valdemar foi um dos poucos pescadores da sua geração que aprendeu a nadar, ao ponto de ser requisitado no Verão, durante décadas, como nadador salvador da bonita praia da Nazaré.
Salvou centenas de pessoas da morte certa na época balnear, sem esquecer alguns amigos de profissão, corajosos, que desafiavam o mar, sem sequer se conseguirem manter à tona de água.
Ele nunca aceitou de bom grado que grande parte dos seus companheiros não soubessem nadar, agarrados à desculpa de que em caso de naufrágio, o sofrimento seria menor, esquecidos das ínfimas possibilidades que teriam de sobreviver a qualquer contratempo caso se deslocassem dentro de água. Foi por isso que ensinou muitos pescadores, menos dados à teimosia a nadar.
Mas não é só por isso que todos os respeitam, e lhe perguntam coisas sobre o mar. O velho Valdemar é uma verdadeira enciclopédia marinha, conhece quase todas as espécies de peixes, sabe os seus círculos de vida, onde se deslocam para desovar, e quais são as épocas em que se encontram mais saborosos, preparados para servirem de pescado.
Lutou anos a fio pela construção de um Porto de Abrigo, de mão dada com os companheiros de pescaria, fartos de enfrentar as ondas violentas do mar da vila, e de ter de deixar os barcos ancorados na Baía de São Martinho do Porto.
Orgulha-se de, actualmente, a vida dos pescadores da Nazaré estar mais facilitada. Com o porto de abrigo já podem entrar no mar sem levarem banhos das ondas violentas, que em dias de fúria conseguiam virar os barcos na zona de rebentação, e lançar o pânico na vila.
Valdemar acaricia os seus cabelos brancos, sem perder de vista o mar, enquanto percorre o passeio à beira do mar.
Continua a acreditar que tem um lugar guardado no cemitério do oceano, e espera, pacientemente, por uma oportunidade para cumprir o seu destino. Quer ir ter com o pai, o tio, o irmão e uma mão cheia de amigos, nem que seja no seu velho barco a remos.
Nuno não sabia o que era feito de Valdemar - há mais de três anos que não visitava a vila da Nazaré -, mas continuava a sentir que o velho lobo do mar seria sempre o seu “Pescador da Barca Bela”, onde quer que estivesse. [...]
De tempos a tempos lia o recorte de jornal com a sua assinatura. Era como se voltasse por breves instantes ao convívio com aquele homem cujas emoções à flor da pele se confundiam com as ondas do mar: Chamam-lhe velho e já não o deixam ir ao mar... mas Valdemar continua a sentir a mesma vontade de partir, ao desafio, pelo interior das ondas do Atlântico que continuam a bater próximo do seu coração.
Ele não consegue esconder o desgosto de ficar em terra, enquanto os outros se aventuram pelo mar fora. Sente que remendar redes não é digno como final de vida, de quem desde os treze anos começou a ir para o mar, desafiando os muitos demónios que se banhavam nas águas da Nazaré.
Na vila todos o conhecem por “Leão do Mar”, uma alcunha com mais de cinquenta anos, fruto das muitas aventuras vividas ao longo dos seus setenta e um anos, curtidos pelo sal e sol da vida, algumas das quais se transformaram em lendas!...
Valdemar foi um dos poucos pescadores da sua geração que aprendeu a nadar, ao ponto de ser requisitado no Verão, durante décadas, como nadador salvador da bonita praia da Nazaré.
Salvou centenas de pessoas da morte certa na época balnear, sem esquecer alguns amigos de profissão, corajosos, que desafiavam o mar, sem sequer se conseguirem manter à tona de água.
Ele nunca aceitou de bom grado que grande parte dos seus companheiros não soubessem nadar, agarrados à desculpa de que em caso de naufrágio, o sofrimento seria menor, esquecidos das ínfimas possibilidades que teriam de sobreviver a qualquer contratempo caso se deslocassem dentro de água. Foi por isso que ensinou muitos pescadores, menos dados à teimosia a nadar.
Mas não é só por isso que todos os respeitam, e lhe perguntam coisas sobre o mar. O velho Valdemar é uma verdadeira enciclopédia marinha, conhece quase todas as espécies de peixes, sabe os seus círculos de vida, onde se deslocam para desovar, e quais são as épocas em que se encontram mais saborosos, preparados para servirem de pescado.
Lutou anos a fio pela construção de um Porto de Abrigo, de mão dada com os companheiros de pescaria, fartos de enfrentar as ondas violentas do mar da vila, e de ter de deixar os barcos ancorados na Baía de São Martinho do Porto.
Orgulha-se de, actualmente, a vida dos pescadores da Nazaré estar mais facilitada. Com o porto de abrigo já podem entrar no mar sem levarem banhos das ondas violentas, que em dias de fúria conseguiam virar os barcos na zona de rebentação, e lançar o pânico na vila.
Valdemar acaricia os seus cabelos brancos, sem perder de vista o mar, enquanto percorre o passeio à beira do mar.
Continua a acreditar que tem um lugar guardado no cemitério do oceano, e espera, pacientemente, por uma oportunidade para cumprir o seu destino. Quer ir ter com o pai, o tio, o irmão e uma mão cheia de amigos, nem que seja no seu velho barco a remos.
Nuno não sabia o que era feito de Valdemar - há mais de três anos que não visitava a vila da Nazaré -, mas continuava a sentir que o velho lobo do mar seria sempre o seu “Pescador da Barca Bela”, onde quer que estivesse. [...]
Texto extraído do livro de contos, "Um Café com Sabor Diferente", de Luís Alves Milheiro e ilustrado com o óleo, "Concertando a Rede", de João Vaz.
Para além dos excelentes textos, tens, a acompanhar quase todos eles, um escolha criteriosa de reproduções de quadros de grandes pintores.
ResponderEliminarAinda não o tinha dito, faço-o agora...
Parabéns pelo bom gosto.
"pescador da barca bela, onde vais pescar com ela, que é tão bela, ò pescador?" (A. Garrett)
ResponderEliminarexcelente texto... só acrescento esta estrofe para dizer que gostei...
Mais uma vez, João Vaz ! Belíssimo ...
ResponderEliminarAbraço
Obrigado pelas tuas palavras Sininho...
ResponderEliminar(quase que fiquei babado...)
Há sempre um pescador da barca bela, nas nossas vilas piscatórias, Inominável...
ResponderEliminarGostei da estrofe...
O João Vaz é de facto muito bom, Isabel...
ResponderEliminarOs seus quadros dizem-nos o quanto amava o Mar...
Foi mais uma viagem ao meu passado.
ResponderEliminarLembro-me de tanta coisa dita e desdita sobre a construção do porto de abrigo, onde dantes havia os "lobos do mar"...
pescador da barca bela
vai ao mar mas tem cautela
com o mar, oh pescador
************
vai ao mar com mil cuidados
não tens os filhos criados
tem cautela oh pescador
Uma história bonita e comovedora.
ResponderEliminarParabéns Luís.
Ainda bem que gostaste Alice...
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