sábado, novembro 20, 2021

Os Bairros, as Pessoas e o Homem do Cachimbo


Não estou a escrever sobre o Homem do Cachimbo por ser sábado, o dia em que nos encontrávamos no café e dávamos vida à nossa Tertúlia das culturas (só faltava mesmo a da "batata"...). Foi na quarta-feira quando nos cruzámos mais uma vez, enquanto eu descia e ele subia a Rua Emília Pomar (essa mesma a tia do Pintor de Lisboa e do Mundo), que pensei em escrever sobre as andanças humanas. 

Trocámos um cumprimento e um sorriso, coisa recente, apesar de termos um historial de encontros e cruzamentos  com provavelmente mais de trinta anos, contando com o tempo em que éramos completamente invisíveis um para o outro. Sim, falámos pela primeira vez já nos tempos estranhos da pandemia, quando numa manhã lhe perguntei pelo cachimbo.

Olhou-me com surpresa e com um sorriso enquanto parava e pousava no chão o saco de compras. Depois pôs a mão no bolso e tirou o seu companheiro de tantas aventuras e mostrou-mo com orgulho. A partir daqui sempre que passamos um pelo outro, cumprimentamo-nos e trocamos um sorriso.

Reparei que envelheceu muito durante a pandemia. Perdeu peso e passou a andar com o apoio de uma bengala. Até eu ganhei cabelos brancos, rugas (e até algumas nuvens dentro de mim...), quanto mais as pessoas de idade, que eram apontadas como o principal alvo da covid 19.

Comecei a reparar nele na nossa esplanada. Sentava-se numa mesa da ponta e ficava por ali sozinho. Fingia que não nos via e ouvia, embora sorri-se de vez em quando (talvez devido às nossas "certezas" e ao nosso  gosto de falarmos "à italiana"), enquanto perfumava as nossas mesas com o seu cachimbo.

Pois é, como diria o bom do poeta Gomes Ferreira, isto da vizinhança tem muito que se lhe diga. Somos de tal forma estranhos, que até somos capazes de passar quase rente a algumas pessoas, durante trinta ou quarenta anos, sem nunca trocarmos sequer um bom dia ou boa tarde, mesmo que sejamos do mesmo bairro (uma denominação que já não se usa nas cidades, vá-se lá saber porquê)...

(Fotografia de Luís Eme - Cacilhas)


8 comentários:

  1. Bom dia
    Verdade, quantas vezes sem querer, perdemos algo de muito bom como por exemplo uma grande amizade, por não perdermos uns segundos e contemplar o que se passa á nossa volta.

    JR

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    1. E sabe tão bem um bom dia e uma boa tarde com um sorriso, Joaquim.

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  2. Nestes tempos vivo num deserto de comunicação.
    Tenho a virtual e para ter uma ao vivo e a cores só pegando no carro.
    Também me resta o telefone/telemóvel.

    Abraço

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    1. É importante combater esse "isolamento", Rosa.

      Muito importante.

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  3. Um texto que faz pensar. Levamos anos a passar por pessoas com quem não partilhamos uma palavra, um sorriso, um olhar. Como é possível?
    Muita saúde, meu Amigo Luís.
    Um abraço.

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    1. Muitas vezes é apenas por hábito, Graça. Pelo hábito estúpido de nos cruzarmos com os vizinhos em silêncio...

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  4. O que ele gostava de fumar cachimbo.
    Lembrou-se de Raymond Chandler:
    «Não respondi. Voltei a acender o cachimbo. Faz-nos parecer pensativos quando não estamos a pensar em nada».

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    1. Nunca tive esse prazer, de fumar cachimbo, Sammy.

      Como nunca fui fumador, nunca puxou. Mas sempre gostei do cheiro do cachimbo e do estilo. :)

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