Não achei nenhuma piada que um concerto musical de solidariedade tenha sido transformado num programa televisivo, de entretenimento, em que as grandes "vedetas" foram os apresentadores de cada canal, cabendo aos músicos e cantores quase o papel de "marionetas".
Nem se pode falar em novidade. Dias antes as "vedetas televisivas" já tinham utilizado a tragédia dos três concelhos do distrito de Leiria, para brilharem e para somarem horas e horas à frente das câmaras, em directos, como se fossem os "ronaldos" das notícias da "têvê".
Estes exemplos fazem com que me identifique cada vez mais com a crónica de António Guerreiro, publicada no jornal "Público" a 20 de Junho, um dos melhores retratos desta gente que perde a alma, com um microfone na mão e uma câmara de televisão à sua frente, utilizada sobretudo como espelho.
Quando ele escreveu: «A violência é
inominável e a televisão torna-se patética: porque quer mostrar o pathos,
dê por onde der; porque exibe a estupidez na mais elevada expressão. Devemos
novamente perguntar: a que coerção estão submetidos os jornalistas para que
aceitem o papel de idiotas? Ou fazem-no voluntariamente? Os jornalistas
tornam-se então indivíduos ávidos, paranóicos, como os amantes que não se satisfazem
com um simples “amo-te”. Desconfiados com a declaração tão lacónica, achando que
o amor é uma imensidão que precisa de se dizer com mais palavras, perguntam: “Amas-me
como?” E o outro responde: “Amo-te como se fosses o mais doce dos frutos.” E aí
começa um encadeamento de estereótipos. Assim são os jornalistas munidos de
microfones e de câmaras: não desistem de querer extorquir as palavras e a alma
aos seus interlocutores; não deixam de querer arrancar testemunhos a gente
moribunda ou a viver a experiência dos limites.» Diz quase tudo... até deste espectáculo que foi apresentado como um só, para depois ser "montado" por cada uma das estações de televisões, como uma peça sua, de preferência "melhor que a da vizinha".
Só faltou a todas estas "vedetas" dizerem que o dinheiro que os portugueses foram doando ao longo da noite, tinha sido angariado graças a eles (mas como ainda não acabou o "espectáculo", ainda pode acontecer...), os "heróis da noite mágica".
(Fotografia de Luís Eme)
Luís, como achas que deveria ser a atitude dos jornalistas face à cobertura deste evento?
ResponderEliminarApenas vi uma parte, até à Luísa Sobral, creio, e não vi apresentadores com atitudes de vedeta.
Na minha opinião, que é baseada naquilo que vi e li ao longo deste tempo após o grande fogo, tem-se feito um longo e excessivo fait divers à custa de dar ferroadas em jornalistas, apresentadores, órgãos de comunicação, nalgumas circunstâncias a pegar em minudências (como o vestuário utilizado, por exemplo, que, outra vez na minha opinião, não acrescentam nada.
A crónica do António Guerreiro não tinha a ver com este evento e, pelo que vi (aquele pedaço, como disse), não se aplica a esta cobertura.
Primeiro que tudo não percebo bem que se transmita um espectáculo musical em que mais de metade do tempo seja ocupado pelos apresentadores a falar, muita "palha" como de costume.
EliminarA atitude do jornalista deveria ser a atitude de quem tem como função transmitir notícias ou fazer entrevistas, mas nunca o querer ser o centro das atenções, Isabel, nem quebrar o ritmo do espectáculo.
Em relação às "ferroadas", as pessoas é que se metem a jeito para serem criticadas, também pela roupa, sim, embora isso seja o menos importante.
A crónica do António Guerreiro tem a ver com a postura dos jornalistas em frente das câmaras, a sua falta de sobriedade perante tragédias. Eu apenas disse que cada vez estava mais de acordo com ele... não disse que a sua crónica falava do espectáculo (não podia falar, é de 20 de Junho e ele não é "vidente". :)
concordo mesmo consigo. O aproveitamento da tragédia e das vítimas está a ser obsceno, intolerável e despudorado.
ResponderEliminarInfelizmente a televisão parece afectar as pessoas que por lá trabalham, a pouco e pouco começam a perder a noção da realidade, por se habituarem a encenar quase tudo (até a própria realidade...), Irene.
EliminarQuando se quer transformar tudo um espectáculo, mesmo as desgraças alheias, ultrapassam-se todas as fronteiras, todos os limites...
O jornalismo deve ser tudo menos entretenimento...
Luís, também não me pareceu que fosse tanto assim...
ResponderEliminarNão olhamos para as coisas da mesma maneira, Laura, por mil e uma razões.
EliminarUmas vezes por sermos exigentes de mais outras de menos...
Parece que elas - as TVs - se preocupam mais com as audiências do que com aquilo que transmitem. E cada uma se porta pior do que a outra, o que me tem afastado das emissões televisivas.
ResponderEliminarDo espetáculo solidário vi o início e o fim. Curiosamente na mesma emissora pelo que não sei se foram todas iguais, muito embora pelo que li ontem parece que se houve diferenças, foi só porque uma terá sido pior do que as outras duas. No geral todas estiveram mal, o que já não é novidade.
Abraço
Todos queriam brilhar, mesmo que se fingissem muito solidários e amiguinhos, Elvira.:)
EliminarVá lá, pelo menos não cantaram, deixaram esse papel para os artistas...
Lembrei-me das "tais" promoções do pingo doce...
ResponderEliminarHabituaram-se a "vender" coisas e não conseguem sair daquele registo, Severino.
EliminarE depois têm à sua volta muitos espelhos mentirosos, que só lhes dizem maravilhas. :)