quinta-feira, junho 17, 2021

"Uma (triste) História Portuguesa"


Hoje ao ler o que João Lopes  escreveu no Diário de Notícias, sobre o filme de Manuela Serra, O Movimento das Coisas, que esperou 36 anos para ser um "filme público", pensei em vários amigos, que tiveram o triste sonho de um dia serem realizadores de filmes.

Ele diz muito bem, que é uma História Portuguesa, acrescentando: «Do que somos, talvez do que não sabemos que somos.» O filme de Manuela Serra foi concluído em 1985 e vai ser exibido em 2021. Não sei se o filme é bom ou mau, sei apenas que a sua autora é uma mulher-coragem.

Tenho amigos que não só desistiram, como mudaram de país. Deixaram para trás vários filmes, "perdidos", provavelmente para todo o sempre (um deles com um argumento meu e outros dois com colaborações nos diálogos de algumas personagens...). É preciso ser-se corajoso e louco, ao mesmo tempo, para tornar público algo que se fez trinta e alguns anos antes. Até porque nessa altura éramos "outra pessoa"...

Como sei demasiadas histórias sobre a atribuição dos subsídios no cinema português, muitas com um "cheiro pior que o de qualquer esgoto", não vou falar sobre isso. Apenas digo que falta fazer uma investigação séria sobre os filmes, os realizadores, os júris e o dinheiro que tem sido investido pelo Estado no cinema português nos últimos 40 anos.

Mas inquieta-me bastante o que a maior parte dos portugueses pensam sobre o que é cultura e o que é arte. E essa "inquietação", começa logo nos políticos que temos, que preferem mil vezes a palavra "entretenimento" a essa coisa estranha que alguém resolveu chamar "cultura" (sem ser do batatal...). Eles sabem que enquanto as pessoas andarem "entretidas", não têm muito "tempo" para pensar... As televisões vivem o seu dia a dia na mesma diapasão, também preferem "entreter" a "fazer pensar". Desculpam-se com as audiências, mas do que eles gostam mesmo, é de pôr no ar os nossos pseudo-artistas da "tv e cassete pirata" (muitos deles nem cantarem sabem, estou certo de que nem sequer eram apurados para a primeira fase dos vários concursos de talentos musicais televisivos...).

Nesta triste "História Portuguesa", só posso louvar a persistência, o amor à arte e a coragem de Manuela Serra.

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


6 comentários:

  1. Não me pronuncio sobre o filme nem sobre a realizadora porque não os conheço.
    Quanto à questão da Cultura, é tudo muito relativo. Há quem dê muito valor à chamada "cultura popular". Mas também há uma grande confusão na definição de "cultura popular". Se isso significar música recheada de palavrões ou expressões ordinárias...ó pá, é melhor nem usar a palavra cultura....

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    1. Cultura popular é outra coisa, não é apenas "entretenimento", Maria.

      A cultura popular era a que era acessível ao povo, através das colectividades, como o teatro amador ou as escolas de música das bandas filarmónicas, mas o propósito era ensinar, cultivar, fazer crescer... e não entreter.

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  2. Hoje é muito mais fácil fazer um filme desde que não se queira entrar em extravagâncias (é preciso algum dinheiro mas não tanto assim), difícil é mostrá-lo. Há muito que me pergunto por que razão não se federam vontades para mostrar regularmente os filmes num circuito europeu de liceus e universidades. Divulgar os filmes nas universidades Europa fora, e até nos EUA, com bilhetes a um ou dois euros, poderia abrir novos horizontes a um cinema à margem do gangsterismo que asfixia o mainstream e o "alternativo" (Sundance e tal). Algo o impede, não sei o quê.

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    1. Miguel, segundo esse ponto de vista é mais fácil tudo (bem dita evolução técnica).

      Fazer filmes, escrever livros, pintar quadros, fazer música.

      O problema é querer ser alguém e conseguir "entrar no circuito"...

      Há demasiados condicionalismos e muitas portas fechadas.

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    2. Pois, mas eu aludia precisamente a renunciar "entrar no circuito" que não é apenas fechado mas também esclerosado (e refiro-me à Europa em geral) criando um outro à parte, apoiando-se justamente nas instituições onde há (haverá?) um potencial de rebeldia e de iconoclastia desaproveitados. Difícil, talvez. Mas há ideia melhor?

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    3. Talvez seja preciso mesmo uma "revolução", Miguel, ainda que a "voz popular" (não falo de populismos...) esteja cada vez mais silenciada.

      Acho que estamos num período de transição. As coisas têm mesmo que mudar.

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