segunda-feira, outubro 10, 2016

«Quando a vida amarga, ninguém nos oferece rebuçados...»


Não houve qualquer telefonema, apenas um encontro fortuito depois da inauguração de uma exposição...

Fiz uma visita rápida (gosto sempre de passar depois, para olhar as coisas sem perturbações...) e quando me preparava para me "despedir à francesa", ouvi uma voz a chamar-me. Olhei para trás e descobri uma mulher a caminhar na minha direcção. Era ela mesmo. Deve ter vindo ver se o Tejo ainda estava no mesmo sítio, naquele que era o meu miradouro preferido de Almada...

Depois da dúzia de palavras de circunstância habituais, ela disse que também se ia embora e quis fazer-me companhia... 

Fomos andando e conversando (embora eu fosse praticamente só ouvinte...). Os dramas dos seus últimos meses foram saltando cá para fora, deixando-a mais livre e solta, à medida que caminhávamos, com os olhos a ficarem mais húmidos aqui e ali.

Há um momento em que tive mais dificuldade em esconder o ar surpreso, quando me perguntou se eu ainda a achava uma "gaja gira", dei uma volta sobre ela e disse que sim, com um sorriso. Chamou-me mentiroso (chamam quase sempre para confirmarmos o que dizemos...). Além de confirmar acrescentei mais algumas palavras doces, por perceber que a sua auto-estima precisava de ser puxada para cima.

Antes de nos despedirmos disse-lhe que me podia telefonar sempre que quisesse. Abraçou-me com aperto, apesar do dia ser de Verão. Antes de escapar para o passeio do outro lado da rua ainda vi uma lágrima a escapar do seu rosto que queria sorrir...

Continuei a minha marcha até casa, concluindo o óbvio: «quando a vida amarga, ninguém nos oferece rebuçados...»

(óleo de Rudolf Schlichter)

6 comentários:

  1. Quanta solidão, amigo! E às vezes basta uma palavra, um sorriso, um aceno para fazer a diferença.
    Uma história contada com imensa sensibilidade.
    Um abraço, Luís.

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    1. Sim, Graça.

      Há uma série de coisas que se fazem menos, até falar e olhar os outros nas ruas...

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  2. Gostei.
    É bom ser positivo e às vezes um gesto desses pode fazer uma enorme diferença para quem o recebe.
    Boa semana:)

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    1. Olá Isabel, bem vinda ao Largo.

      Claro que é bom ser positivo, faz toda a diferença acreditar que amanhã pode ser melhor.

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  3. Respostas
    1. Dizem que sim, Laura. Mas acho que não é para todos...

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