Não é nada do outro mundo acabarmos na rua.
Pode parecer difícil mas muitas vezes é a solução mais fácil.
Basta sentirmos que a vida desistiu de nós,
que é sempre possível ser empurrado mais para baixo.
E isso não acontece apenas porque alguém resolveu inventar
essa coisa deliciosa que são os pisos menos que zero.
Depois é a fuga, a desistência, o esquecimento...
Deixamos de ter um tecto, uma cama, uma janela,
fingimos estar sós no mundo, sem pais, irmãos, filhos,
ou aquilo a que um dia chamámos amor,
que uma vez por outra descobrimos dentro de um corpo
que invade os nossos sonhos nas noites de inverno.
O bom da coisa é deixarmos de ter um nome,
perdermos os cartões que nos oferecem validade como gente,
e sobretudo, contas e mais contas para pagar.
Casa? Não obrigado. Há por aí bancos, escadas,
montras, prédios abandonados e até estações do metro,
abertas nas noites com gelo (só costuma faltar o gin...).
Não me fales do conforto da outra vida.
Quero lembrar-me só dos pesadelos.
Faz-me bem pensar no filho da puta que me despediu
ou na mulher que gostava sobretudo do meu ordenado.
São as suas memórias que me confortam e me fazem
sentir bem na companhia da lua e das estrelas.
Sei que o meu cheiro é desagradável
que esta falta de limpeza do corpo
pode alimentar colónias de insectos.
Esses mesmo, que dão uma comichão do caraças.
Mas deixa que te diga: se esta vida fosse uma coisa boa,
toda a gente queria vir morar para a rua...
(Fotografia de Luís Eme)
Pode parecer difícil mas muitas vezes é a solução mais fácil.
Basta sentirmos que a vida desistiu de nós,
que é sempre possível ser empurrado mais para baixo.
E isso não acontece apenas porque alguém resolveu inventar
essa coisa deliciosa que são os pisos menos que zero.
Depois é a fuga, a desistência, o esquecimento...
Deixamos de ter um tecto, uma cama, uma janela,
fingimos estar sós no mundo, sem pais, irmãos, filhos,
ou aquilo a que um dia chamámos amor,
que uma vez por outra descobrimos dentro de um corpo
que invade os nossos sonhos nas noites de inverno.
O bom da coisa é deixarmos de ter um nome,
perdermos os cartões que nos oferecem validade como gente,
e sobretudo, contas e mais contas para pagar.
Casa? Não obrigado. Há por aí bancos, escadas,
montras, prédios abandonados e até estações do metro,
abertas nas noites com gelo (só costuma faltar o gin...).
Não me fales do conforto da outra vida.
Quero lembrar-me só dos pesadelos.
Faz-me bem pensar no filho da puta que me despediu
ou na mulher que gostava sobretudo do meu ordenado.
São as suas memórias que me confortam e me fazem
sentir bem na companhia da lua e das estrelas.
Sei que o meu cheiro é desagradável
que esta falta de limpeza do corpo
pode alimentar colónias de insectos.
Esses mesmo, que dão uma comichão do caraças.
Mas deixa que te diga: se esta vida fosse uma coisa boa,
toda a gente queria vir morar para a rua...
(Fotografia de Luís Eme)
não consigo comentar....
ResponderEliminardoí-me demais e é real o poema e a foto
:(
É o mundo que criámos, Piedade.
EliminarDos condomínios fechados e afins...
Que dizer? O poema e a foto é como se levasse um murro no estômago. Não que não saiba que existe. Porém uma coisa é saber, outra é ver.
ResponderEliminarAbraço
E muitos destes casos poderiam ser resolvidos com tostões, Elvira, não eram precisos os milhões que todos os dias nos empurram para dentro dos ouvidos.
EliminarLuís, o problema é que o acabar na rua é coisa deste mundo.
ResponderEliminarRetrataste muito bem a realidade e, por isso, fizeste-me pensar mais nos hipócritas sem pingo de humanidade que afirmam que se vive na rua porque se quer, que não querem trabalhar e por aí fora... Ninguém deve cantar de galo e as ilações não devem ser retiradas e emitidas por atacado.
Pois é, Isabel.
EliminarE cada vez mais "atractivo", porque perdemos a dignidade com mais facilidade do que julgamos...
Puxa, Luís, este doeu.
ResponderEliminardevia doer a toda a gente...
A vida faz doer muitas vezes, Laura...
EliminarFico sem palavras.
ResponderEliminarAqui há uns cinco anos encontrei na rua, em Lisboa, um antigo atleta do Sporting (Rolin) e dirigi-me a ele chamando-o pelo nome, mas ele ignorou-me completamente, como se ele não tivesse nome, prosseguindo no seu andamento sem tão pouco olhar para mim...doeu-me imenso porque o conheci muito bem.
Uma imagem do que é a infelicidade, a tristeza e a miséria de alguém que foi alguém, imagem que conservo para sempre.
Enquanto houver explorados e exploradores sempre haverá miséria, e eles estão aí, mais activos do que nunca.
Também já me aconteceu o mesmo nas ruas de Lisboa, há uma boa dúzia de anos.
ResponderEliminarUm rapaz do bairro da minha infância, quase nu, embrulhado numa manta, com ar enlouquecido. Falei-lhe sorriu-me e continuou sem olhar para trás, sem me dar tempo para nada...
A vida nunca foi igual para todos, Severino...