No outro dia, sem chuva e com esplanada, o Américo trouxe para a mesa a história de vida de pintor que já viu passar por si alguns momentos de glória e que hoje vive quase na miséria. Há uns amigos que vão passando lá por casa e deixam umas mercearias, que ele diz sempre não querer, mas que acabam esquecidas dentro do saco, num canto da sala.
Nem todos o conhecemos pessoalmente, foi por isso que de inicio não se deram grandes palpites, até por a vida estar difícil para quase toda a gente.
O Carlos Alberto com a sua diplomacia, disse que hoje era muito mais complicado ser "cigarra", que há meia dúzia de anos. O Rui perguntou pelo "partido", se este não o ajudava neste momento difícil, até por ele lhe ter oferecido muitos cartazes e serigrafias. O Américo desmentiu-o de imediato, disse que ele nunca deu nada a ninguém, vendeu sempre tudo o que pode. Acrescentando, que só assim é que tinha sido possível comer caviar com espumante, na companhia de dois ou três rapazes giros.
A Rita não gostou nada desta referência mais intima e atirou-se ao Américo, focando a sua qualidade artística, dizendo que era sobre isso que devíamos falar.
O Carlos Alberto tentou argumentar que ainda não se partem pessoas ao meio, que não se pode separar o artista do homem. Eu argumentei o contrário, acrescentando que, pelo menos quem vê a obra com um olhar crítico, deve pensar em exclusividade no artista e no seu trabalho.
Arranjei tema para mais uns minutos de conversa, sem que chegássemos a qualquer conclusão.
À despedida, a Rita teve o seguinte desabafo: «Quando há pouco dinheiro, se há coisa que é difícil é ser artista. Ainda é mais complicado que viver...»
(Fotografia de Luís Eme)
E a Rita tem razão. Até onde seriam capazes de chegar alguns artistas se tivessem dinheiro para investir na sua obra.
ResponderEliminarQuanto ao resto eu penso quer se é verdade que não se podem partir pessoas ao meio, uma coisa é o homem e a sua vida, outra o artista e as suas obras. E ou se comenta a vida, ou a obra.
Um abraço e uma boa semana
E a vida dos artistas, de todas as áreas, está cada vez mais difícil, até porque a concorrência é cada vez mais feroz, Elvira.
EliminarMas é muito difícil separar o homem do artista... os preconceitos são tramados.
Luís, e o que é que a Rita queria dizer com "viver"?
ResponderEliminarSe for sobreviver, concordo.
Pensar em exclusividade no artista? A arte tem pessoas dentro. Será que te querias referir ao não fazer juízos de valor baseados na vida pessoal?
(Muita pergunta!)
Viver neste caso é sempre sobreviver, isabel.
EliminarClaro que era isso, Isabel, não se deve desconsiderar um artista apenas por causa da sua opção sexual. E faz-se tanto isso. E é apenas um dos muitos exemplos. Se for de direita ou de esquerda, também pode fazer com que seja olhado de lado pelo outro lado da barricada. Enfim, manias de misturar as coisas.
É sempre difícil ser artista, desses que o são realmente. Em tempos de crise piora tudo, claro...
ResponderEliminarUm abraço, Luís.
Claro, quase que desaparecem os mecenas, Graça.
EliminarAssim como os apoios públicos...
A vida está calamitosa para os artistas,
ResponderEliminarespecialmente, para os plásticos.
Dispensam-se os anéis a favor dos dedos...
Os que se aproveitam da situação, apostam
em nomes já consagrados...
Claro, Majo.
EliminarÀs vezes até parece que só existem meia dúzia de artistas, os da "corte"...
Entretanto, desavergonhadamente, os panamás paper´s, florescem e com o aval de gente (bem conhecida e premiada) cá do burgo...é o vale tudo, é o tal "quem tem unhas é que toca viola"...e, inspirando-me nalgumas palavras recentes à VISÃO do realizador João Botelho - deixou de haver pobres agora há falhados e incompetentes-!
ResponderEliminarBasta olharmos para quem finge que nos governa e se governa, sempre que pode, Severino.
EliminarEu diria "quando há pouco dinheiro e falta de planeamento da vida ..."
ResponderEliminarNão podes fazer planos se não tens "horizonte" para os concretizar, Glória...
EliminarResumindo e concluindo: Nessa controversa, mas amigável, conversa de esplanada, foi como se discutissem - no bom sentido da palavra - o sexo dos anjos!!
ResponderEliminarCada cabeça sua sentença! Valeu, no final, a opinião da Rita!
Sem rodriguinhos nem palavras rebuscadas, disse uma grande e sábia verdade!´
Em tempos difíceis, as pessoas honestas, para viverem com o mínimo de dignidade, já é um acto de coragem conseguir o sustento para si e para os seus, imagine-se a dificuldade para um 'artista', neste caso um pintor anónimo, conseguir comprar tintas e telas quando os eventuais compradores, gente da vizinhança ou meros passeantes de rua, mal têm dinheiro para uma bebida e uma sandes!
Nessas condições, é difícil ser artista, sim senhor! Até porque, para muitos artistas de rua, ou não, a Arte é a sua única forma de subsistência...
Mundo cão este...independentemente das desculpas que se arranjem para justificar o injustificável...
E é bom que seja assim, Janita, cada cabeça sua sentença,a liberdade é isso.:)
EliminarAcho que nem se consegue ser artista se nós e os nossos não tivermos dinheiro para comer...