domingo, abril 10, 2016

Brincar com a Miséria Alheia

Quando se pergunta o que se levaria numa mochila se de um momento para o outro nos tornássemos "refugiados", é natural que se leve com respostas como a da artista plástica Joana Vasconcelos (que tanto tem animado todos aqueles que utilizam as redes sociais e as caixas de comentários para exercerem a sua "liberdade de expressão"). E ela também deve sorrir por ser notícia, de um não assunto, de uma quase ficção, ou antes um jogo de imaginação.

Sei que hoje não existem grandes limites na comunicação social, graças ao êxito que as notícias de cariz duvidoso têm nas audiências. Nas redes sociais ainda é pior, chegou-se a um ponto em muito boa gente se acha no direito de opinar sobre o carácter de quem não conhecem de sítio nenhum, para além das revistas e da televisão, apenas porque sim.

Infelizmente quando somos obrigados a partir, numa situação de emergência, levamos apenas o que podemos e não o que queríamos levar...

É por isso que acho pouca graça a que se brinque com a miséria alheia e se façam perguntas parvas, que às vezes merecem respostas ainda mais parvas...

(Fotografia de Fernando Barão)

6 comentários:

  1. Muitos dos blogues que visito, falam do assunto e da Joana Vasconcelos, mas não vi em nenhum a resposta que ela terá dado. Também não entendo a pergunta. Estava em Angola em 74/75. Trabalhava no Colégio dos Irmãos Maristas quando começaram a bombardear os Musseques. Centenas de pessoas foram alojadas no campo do Colégio, onde eram os campos de futebol e de outros desportos. Em tendas que o exército lá montou. Ninguém trazia mais nada que a roupa que vestia, e um ou outro animal de estimação. Quando se foge da guerra, pensa-se em salvar a vida. Não se pensa noutras coisas.
    Um abraço e uma boa semana

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    1. É isso que penso também, Elvira.

      É bom possível que venham coisas desnecessárias no saco feito à pressa, porque o que queremos nesse momento é fugir do tiroteio...

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  2. Luís, não tenho nem quero ter poder de encaixe para esses rasgos de estupidez da Joana Vasconcelos e de outros que tais, empertigados, nem para quem reproduz as chalaças relativas a assuntos sérios.

    É certo que neste tipo de campanhas é possível arranjarmos o mesmo número de argumentos para as considerarmos positivas como para as rejeitarmos. E até para fazermos com elas o que bem entendemos.

    À parte o folclore, do qual consigo perfeitamente abstrair-me, julgo que a acção teve o mérito de incitar à reflexão para quem estivesse disponível para tal. Uma reflexão sobre o essencial e o acessório, uma possibilidade de treinar a empatia vestindo a pele do outro, uma forma de levar a pensar mais seriamente sobre o que é estar no fio da navalha, o que pode acontecer por outro tipo de catástrofes, as pessoais.

    Sem ainda saber bem os contornos da campanha, nesse dia decidi tornar público o saco que tenho preparado há uns anos. Texto que segue em baixo.
    Talvez por já ter feito um exercício com contornos semelhantes, tenho um entendimento bastante diferente relativo a criticas que oiço, o que me leva a cerrar os dentes perante os risos e anedotas à volta disto.
    Encontrei pela blogosfera outras pessoas com a mesma opinião.
    Mas é salutar que haja entendimentos diferentes, sim.

    _______________________________

    Em fuga


    Durante o almoço de ontem, a televisão do restaurante debitava informação sobre um trabalho - reportagem, será? - que iria mostrar o que algumas pessoas levariam numa mochila, caso fossem confrontadas com a situação de refugiados de guerra. Apresentaram dois ou três excertos de entrevistas.
    Não sei exactamente do que se trata e ainda não fui averiguar porque não condiciona o que pretendo dizer sobre o assunto.

    Comentários nas mesas contíguas aludiam a considerações sobre o essencial, nas quais ouvi críticas acerca do livro ou de fotos que se pretendia levar, entre outros pertences, argumentando que não se tratava de bens essenciais.

    Tal levou-me a pensar mais no que é essencial e no que é dispensável, e se existem separadores que valham assim tanto a pena fixar.
    Digo que me levou a pensar mais porque, devido a circunstâncias pessoais, que há uns anos, junto à porta de entrada da minha casa, tenho uma pequena mochila preparada.

    Nesse saco existe o seguinte:
    - medicamentos que tomo diariamente (de vez em quando verifico a validade)
    - uma garrafa de água
    - três cadernos
    - cinco esferográficas de tinta preta
    - uma lista em papel com o nome das minhas pessoas e respectivos contactos (para o caso de não poder aceder ao que está nos dispositivos electrónicos)
    - uma folha com a indicação para juntar telemóvel, portátil pequenino e respectivos carregadores (se tiver tempo). Fica a nota que estas máquinas não têm fotos armazenadas.

    Se formos pela definição do indispensável como algo imprescindível para viver, provavelmente no meu saco não está lá nada que se encaixe nessa categoria.
    Mesmo no que respeita aos medicamentos, não é expectável que a suspensão da toma durante alguns dias me leve à morte a muito curto prazo. E água é previsível que não se demore muito para arranjar.
    Já me interrogaram sobre os motivos de querer levar cadernos e canetas, uma vez que não terei possibilidades de enviar correspondência. Pois, não é para isso. É para escrever sobre o que me rodeia e o que sinto. É um escrever de necessidade que não tem destinatário definido.

    Pelo que disse, e que até não é um exercício novo para mim, não encontro motivos que justifiquem criticas e brincadeiras frias sobre a importância do material seleccionado.
    Parece-me que as razões da escolha são mais de ordem emocional e relacionadas com a forma como presumimos que ocuparíamos os tempos vazios. se pudéssemos, e tendo em conta os condicionalismos.

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    1. O melhor de tudo é pensarmos pela nossa cabeça, Isabel.

      Aceito perfeitamente que penses outra coisa diferente, que não concordes com o meu ponto de vista.

      Não tenho nenhum saco preparado, porque sou um pouco "apache" nestas coisas, vivo o presente.:)

      E também gosto de escrever a preto, Isabel.

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  3. Absolutamente de acordo! Quando vi esta estupidez nos jornais, disse imediatamente: «Se ainda estivesse na direção lá do meu agrupamento, não permitiria uma "brincadeira" destas, nem por nada!!» Parvoíce!!!

    Deus nos livre de tal situação!!

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    1. Pois, Graça.

      Havia mil e uma maneira de "vivenciar" (sempre de uma forma ligeira...) o que estas pessoas estão a passar e até de as ajudar, em vez de nos preocuparmos com o que levamos para a tal "ilha deserta"...

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