sexta-feira, setembro 08, 2017

«Não devemos ter medo de divertir os outros»

Quando entrei no seu escritório, vi-o sentado à beira da janela, a olhar para a sua rua e para as pessoas que passavam. Só faltava a habitual nuvem de fumo à sua volta que quase o "camuflava".

Não nos encontrávamos há uns dois ou três anos. O tempo passa sempre rápido demais, especialmente para quem leva a vida a correr, como é o meu caso.

Normalmente falávamos da vidinha e comentávamos uma outra notícia de jornal, estranha, que ele guardava, para desmontar ou recriar. Inevitavelmente, aparecia sempre um livro ou escritor no meio das conversas, que ele dizia serem muito bons, sem nunca me convidar a lê-los.

Desta vez foi diferente, falou-me sobretudo de livros e de escritores, a vidinha só apareceu nos intervalos. Já não escreve nada, olha para as duas mãos e diz que não pode imitar o Zé e dizer que perdeu uma delas, pois elas continuam por ali, enquanto exercita os dedos. Sorriu quando acrescentou que o que o levou a voltar a ler muito foi a esperança de apanhar de novo a "febre da escrita". 

Sem desanimar voltou aos livros: «A imensidão de livros bons é tal, que aparece sempre alguém que nos surpreende. E dos lugares mais improváveis, desde a Índia à Croácia.»

Perguntou-me se continuava a ler, muito. Disse-lhe que lia sem o muito. Pois só conseguia "encher a barriga" de ler nas férias...

Não teve medo de confessar que como escritor sempre foi um chato, que se tinha esquecido do essencial. Voltou a sorrir e a dizer-me algo que se esquecemos muitas vezes no mundo das culturas: «Não devemos ter medo de divertir os outros.»

Saí da sua casa reconfortado, a querer ser cada vez menos chato e com vontade de viver com os livros até ao fim, como ele, até por saber que a função de leitor é  muito mais divertida que a de escritor...

(Óleo de Karen Hollingsworth)

4 comentários:

  1. "Sem leitura não se pode escrever. Tão-pouco sem emoção, pois a literatura não é, certamente, um jogo de palavras. É muito mais. Eu diria que a literatura existe através da linguagem, ou melhor, apesar da linguagem."
    Jorge Luís Borges

    Bom fim-de-semana, Luís!

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  2. Adoro ler. Os livros levam-me a viajar, não só pelo exterior, mas principalmente pelas minhas emoções.
    Também adoro escrever, e embora saiba que me falta engenho e arte para escrever algo que valha verdadeiramente a pena, não consigo resistir ao prazer que me faz nascer histórias.
    Um abraço

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    1. E o prazer é o mais importante, dar voz às nossas vozes interiores, Elvira...

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