Há sempre a tentação de deixar de olhar, de ouvir, de acreditar.
De pensar que este mundo não existe...
Que a televisão há muito tempo que só passa filmes disfarçados de realidade...
Que as guerras a Oriente são uma farsa, que as cidades destruídas são apenas um cenário, e é sempre o mesmo...
Que aquelas pessoas que andam a tentar chegar às Ilhas Britânicas, em saltos acrobáticos para comboios rápidos ou escondidas nos lugares mais estranhos que se conhecem, não passam de duplos de actores, pintados de preto, que afinal vivem em bairros luxuosos de Paris e não nas ruas de Calais...
Mas quando prometo a mim mesmo não voltar a ver mais notícias na televisão - ficção por ficção vejo da boa, dos filmes e séries -, passo dentro da noite pela cidade grande e quase que tropeço nas pessoas de todas as idades, que agora nem precisam de mantas, para esconderem o rosto e os corpos do calor nocturno e dos olhares curiosos.
Reparo que nenhum deles se chama Cecil, nem é parecido com um peluche.
Sei apenas que deixaram de contar há muito para o país desenhado pelas televisões. Só aparecem no Natal, tal como o homem das barbas brancas e fato encarnado, como figurantes da festa das prendas e dos sorrisos de plástico.
Antes de apanhar o último barco da noite, olho o Tejo e sinto-me estranho, arrepio-me.
Já dentro do cacilheiro, sem perder o rio de vista, que brilha com a lua cheia, volto a arrepiar-me. Descubro que tenho medo.
Tenho medo que também se tornem invisíveis para o meu olhar.
Tenho medo de deixar de ser humano...
Já dentro do cacilheiro, sem perder o rio de vista, que brilha com a lua cheia, volto a arrepiar-me. Descubro que tenho medo.
Tenho medo que também se tornem invisíveis para o meu olhar.
Tenho medo de deixar de ser humano...
Tenho medo de deixar de acreditar.
O óleo é de Stephen Scott Young.
Não posso deixar de te dizer, Luís, que o teu texto me comoveu. Que gostava de ter sido eu a escrevê-lo porque sinto o mesmo. Cada vez mais o nosso olhar se vai distanciando dos outros, daqueles que precisam da nossa atenção. Se olhamos muito para o nosso umbigo corremos o risco de ficarmos vesgos... O melhor é começarmos a preocupar-nos com os que nos cercam. Quem escreve este texto nunca deixará de o fazer. Obrigada
ResponderEliminarUm abraço.
Parece que está tudo de pernas para o ar, Graça...
EliminarEu também me arrepiei ao ler o texto. Porque ele é o retrato da nossa realidade diária. E como tudo o que é corrente deixa de nos merecer atenção. E pior ainda, baixamos os braços e deixamos que aconteça.
ResponderEliminarUm abraço e obrigada pela chamada de atenção.
É verdade, Elvira, há muita gente a desistir em vez de lutar e resistir...
EliminarSinto medo também.
ResponderEliminarÉ tudo muito estranho e assustador, Letícia.
EliminarA mim também me comoveu a sensibilidade e humanismo do texto e também penso que não corre o perigo de deixar de ser humano.
ResponderEliminarO grande perigo é deixarmos todos de acreditar.
É verdade, "Inconfessável", esse é o maior perigo...
Eliminareu tenho medo também, que a miséria se torne um lugar comum. passa-se e não se repara. lê-se sobre mortes e são só números. não há humanidade ao cruzar com as pessoas. vive-se com muita pressa.
ResponderEliminarinfelizmente já acontece, Ana.
Eliminarcomo acontecia antes de Abril, que era quase um cliché a existência de pobrezinhos.
Por isso é que é a "caridadezinha" é muito perigosa... Além de humilhar e roubar a dignidade ás pessoas.