domingo, outubro 27, 2024

O medo no uso das palavras...


Cada vez se fala mais em surdina nas ruas, especialmente quando se utilizam as "palavras proibidas", de uma lista cada vez mais longa, numa sociedade cheia de tiques repressivos e de falsos pudores.

Onde parece que tudo é possível, é nas redes sociais. Se excluirmos o "censor oficial", continua a valer tudo, até tirar olhos.

Continuo a pensar que, podemos e devemos falar de racismo, fascismo, xenofobismo ou machismo, em qualquer lado, porque eles estão presentes no nosso dia a dia. 

É tão negativo entrarmos em negação como generalizarmos o uso e a prática destas palavras. Só nos torna uma sociedade ainda mais fechada e desigual.

Não devemos ter medo de usar as palavras, todas...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


sábado, outubro 26, 2024

Mandar alguém para a sua terra, não é uma piada: é racismo!


Era bom que aproveitássemos os momentos críticos, vividos em sociedade, para reflectirmos sobre o nosso comportamento, sem mentirmos a nós próprios ou continuar a fingir que não vimos o que está a dois palmos da nossa testa e do nosso olhar.

Um bom exercício era metermos na cabeça, de uma vez por todas, que mandar alguém para a sua terra, apenas por que nos incomodou, por isto ou aquilo, nunca foi uma piada, mesmo que se esconda quase sempre na lista de piadas de mau gosto: é racismo!

Ao fazermos isto, não precisamos de "apagar" o passado ou o presente, de fingirmos que ele nunca existiu, apenas porque nos incomoda. Muito menos deixar de usar a palavra "preto", mesmo o mundo que nos rodeia nunca tenha sido a "preto e branco" (nem mesmo nos primórdios do cinema, havia sempre uma vasta camada de cinzentos...).

Até porque normalmente as pessoas que "mandamos" para a sua terra, são pessoas que trabalham (não o fazemos com vagabundos ou membros de "gangues"...), que executam tarefas que nós não gostamos, nem queremos fazer...

E depois existe ainda o lado "oficial da coisa". Aos olhos da nossa Constituição, somos todos iguais, nos direitos e deveres, sem que exista qualquer alínea que diferencie os amarelos dos azuis ou os verdes dos vermelhos...

(Fotografia de Luís Eme - Caldas da Rainha)


sexta-feira, outubro 25, 2024

Procurar explicações (mesmo que possam não existir justificações)...


Não é assim tão difícil encontrar explicações para a continuidade de actos de violência e de destruição de bens públicos e privados nos bairros mais problemáticos da periferia da Capital (em ambas as margens do Tejo...).

Todos sabemos que estes actos não nascem no "coração" destes lugares, que albergam maioritariamente, gente de bem. Gente que vive do seu trabalho e no seu dia a dia não faz grandes ondas, mesmo que receba um tratamento de "cidadão de segunda", e até de "terceira", neste país que finge não ser racista.

Basta utilizar os transportes públicos logo às seis, sete horas da manhã, para ver quem são as mulheres (estão em maioria...), que começam a trabalhar mal o dia amanhece, em escritórios, cafés, hotéis, restaurantes, etc., para que tudo esteja "num brinco", quando estes abrirem as suas portas ao público. Sobressai sempre a sua cor, pouco europeia, tal como a sua voz viva, mesmo que se exprimam muitas vezes em crioulo, umas com as outras.

Não são elas que andam a provocar desacatos, aqui e ali. Provavelmente são os seus filhos, que devido aos horários de trabalho estranhos das mães, ficam desde muito cedo entregues a eles próprios, nas ruas destes bairros, que se prestam a tudo. E naturalmente, mais rebeldes e conhecedores do mundo, não gostam, nem querem ser, "cidadãos de segunda" ou "de terceira", no país onde nasceram e cresceram...

Não devia ser normal o nosso esquecimento, destes pequenos-grandes pormenores, que acabam por explicar muitas coisas, mesmo que estejam longe de as justificar...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


quinta-feira, outubro 24, 2024

Quando se diz e faz quase tudo...


Marco Paulo deixou-nos hoje e foi homenageado pelas televisões, com um tratamento digno das maiores figuras da cultura do nosso país. 

Em parte, ainda bem que isso aconteceu, contrariando o "esquecimento" de muito boa gente, que tem apenas direito a uma fotografia e uma nota de rodapé, no seu adeus.

Mas não deixa de ser curioso, este tratamento especial. Até porque penso que Marco Paulo nunca teve direito à chamada "unanimidade", especialmente nos meios musicais (e isso não muda apenas porque as televisões lhe oferecem mais horas de emissão, na despedida...). 

O mais curioso, foi ter sido o aparecimento massivo da "música pimba", que fez com que passasse de "cantor piroso" a quase um interprete de culto da nossa música ligeira. Mesmo que nunca tenha sido  esquecido o facto de Marco Paulo ter "apenas" uma bonita voz e de nunca ter composto ou escrito uma canção. Marco limitou-se a cantar versões de autores de outros países, escolhidas a dedo pelo seu produtor. Não tenho grandes dúvidas, que é essa a explicação para a tal ausência da unanimidade, por parte dos seus pares...

Embora tenha ficado feliz por se ter dito, e feito quase tudo, em relação a um dos interpretes mais populares da música portuguesa (que por isso mesmo, usou e foi usado até ao fim, por um canal televisivo), era bom que não se exagerasse na adjectivação. Até porque a história diz-nos que só temos direito a uma "Amália" e a um "Zeca Afonso", por século...

Focando-me essencialmente na memória (cada vez mais selectiva...), mesmo que passe por "lírico", era bom que este exemplo perdurasse, que se acabassem, de vez, com os esquecimentos da tanta gente de qualidade que faz parte da nossa Cultura, especialmente pela dita televisão...


quarta-feira, outubro 23, 2024

As "narrativas para todos os gostos"...


Eu sei que nunca nos faltaram bons mentirosos, da mesma forma que também sei que a sua existência era quase anedótica, pouca gente os levava a sério. Algo que não os incomodava nem um pouco. Até tinham um certo gozo em serem descobertos e apontados a dedo, por terem uma imaginação demasiado fértil.

O problema foi quando a mentira (aliás os mentirosos...) entrou em campo e começou a querer passar pela verdade, a deixar o riso de lado e ficar com o ar mais sério do mundo. 

A América voltou a dizer-nos, de que tudo é possível, com a eleição de um presidente, capaz de mentir até nos seus sonhos. Não foi preciso esperar muito pelas imitações...

Grave foi ela ter conseguido entrar no Parlamento, agarrada a um novo partido, que no início parecia enganar apenas os "incautos" do costume. Com a técnica dos "vendedores de banha da cobra", foram-se aproveitando da indignação e indecisão crescentes e enganaram muito mais gente, do que eles próprios deviam prever. Ao ponto de terem conseguido arranjar emprego a cinquenta "inimigos da verdade" na Casa da Democracia nas últimas Legislativas.

E com eles, não só se popularizaram, ainda mais, as "narrativas para todos os gostos", como se banalizou a falta de respeito pelo próximo, com um comportamento público indecoroso.

Como de costume, tinha pensado em escrever outra coisa. Queria apenas chegar a este tempo em que vivemos, com as tais "narrativas para todos os gostos".

Por falar em narrativas, e se o Odair Moniz,  assassinado por um agente da polícia, nem sequer tinha uma arma preta nas mãos, quanto mais branca?

Sim, porque para variar, temos várias versões populares do triste acontecimento. E até a polícia, tem pelo menos duas versões do que sucedeu (a oficial e a oficiosa)...

(Fotografia de Luís Eme - Algarve)


terça-feira, outubro 22, 2024

O cinema a ajudar-nos a reflectir sobre a loucura, a arte e a humanidade...


Um dia destes, acendi a televisão (é curioso, que tanto posso acender a televisão mal me levanto como deixá-la quietinha e em silêncio até às notícias da noite...) e fui surpreendido, pela positiva.

O canal que apareceu era um de filmes (é uma pena repetirem tanto os filmes quando existem milhares e milhares de clássicos de qualidade...) e a primeira imagem que vi foram os olhos azuis de Willem Dafoe, que fazia o papel de Vincent Van Gogh, esse extraordinário pintor dos Paises Baixos.

O filme já ia a meio e eu fui vendo, enquanto preparava o pequeno almoço e a mesa de trabalho.

Provavelmente já tinha visto o filme, mas nunca com esta intensidade. Tanta reflexão sobre a loucura, a arte e a humanidade, que ía aparecendo nas imagens, graças ao talento de Dafoe, que faz mais um dos seus vários "papéis de uma vida" (há actores que são assim, não estão logo na primeira fila de Holywood, mas são essenciais para os filmes graças à forma como dão vida às personagens). 

Fiquei com a sensação que só ele era capaz de nos oferecer tanta sensibilidade e intensidade, neste filme sobre os últimos anos de vida de um pintor que tinha tanto de genial como de problemático, devido à sua débil saúde mental.

(Fotografia de Luís Eme - Tejo)


segunda-feira, outubro 21, 2024

«Sabes, o mundo hoje fugiu da minha janela»


Há semanas que começam sem que tenhamos algo para dizer ou escrever, outras é ao contrário.

E esta segunda começou logo com um encontro delicioso na descida (e subida, para a dona Maria é sempre a subir...) da minha casa, que nos leva para a Gil Vicente, para quebrar o nevoeiro matinal.

A Catarina vinha de mão dada com a mãe, que a ia deixar na pré-primária do meu bairro e antes que eu dissesse alguma coisa deu-me a novidade da manhã: «Sabes, o mundo hoje fugiu da minha janela.»

Sorrimos todos. Depois disse-lhe para não se preocupar, que antes do almoço ele devia voltar, com o Sol.

Ela concordou e desejámos um dia bom para todos.

Esta menina bastante expressiva fez com que recuasse no tempo e voltasse a sentir a mão pequenina da minha filha quase apegada à minha, quando me dizia coisas giras e curiosas, nestas belas idades da nossa vida...

(Fotografia de Luís Eme - Cacilhas)


domingo, outubro 20, 2024

Somos, mas já não somos...


Hoje foi um dia. quase passado integralmente no Oeste, para estarmos com o nosso tio da América.

Com um almoço da família à antiga, com múltiplas viagens pelo passado, com o regresso dos avós, do pai, e claro, de muitos lugares onde fomos felizes, em quase mil aventuras, tanto em Salir de Matos, como no Bairro da nossa meninice, ou em espaços especiais, como o Parque ou o nosso Mar...

Parque que nos levou a uma revisitação do Museu do nosso Malhoa, um lugar especial na nossa infância (pensava que era só eu que o recordava com um olhar ternurento, mas o meu irmão ao almoço, quando falámos que íamos passar por lá, também nos disse que era um sítio especial, desde sempre...).

E claro, aquele espaço não nos desilude, mesmo que a sua arte tenha pouco de moderna. Talvez até seja por causa dele que sou tão "conservador" nos meus gostos artísticos...

Depois fomos ver o Mar, aquele que tem uma cara séria e uma voz de trovão. Esse mesmo, o da Foz do Arelho. Antes ainda passámos pela Lagoa de Óbidos, que nos sorriu agradada com a visita.

E depois fomos pela estrada Atlântica, até Salir do Porto e depois São Martinho do Porto.

Contei que Salir era a praia da nossa infância. Íamos no "Comboio-Correio", quase sempre lotado de veraneantes, nesses longínquos anos sessenta. Claro que mal crescemos um palmo, tanto eu como o meu irmão e os amigos do bairro, elegemos a Foz do Arelho, como a "praia da nossa vida"...

Já em São Martinho do Porto fui contando à nossa "estreante" no Oeste, que esta praia além de ser a "banheira das duquesas", era o espaço de eleição dos "betinhos", tanto do Oeste como da Capital. Além deste pormenor, eles perceberam que aquele Mar era mais "sujo". Acrescentei que também era mais sonso, não tinha nada a ver com a Foz do Arelho...

E depois foi o regresso a casa.

Quando comecei a escrever estas notas de viagem, pensava que "somos, mas já não somos", destes lugares, mesmo que eles fiquem para sempre, dentro de nós...

(Fotografia de Luís Eme - Caldas da Rainha)


sábado, outubro 19, 2024

Como os sábios antigos diziam, "há males que vêm por bem"...


Noventa e nove por cento das imagens que publico no "Largo" são da minha autoria.

Esta opção ficou a dever-se ao "blogspot", que há uns anitos colocou alguns problemas em relação a uma das imagem que escolhi para ilustrar as minhas palavras (que até tinha a identificação do autor...). 

Não me lembro do autor em questão, nem tão pouco do texto que escrevi. Lembro-me apenas que fiquei incomodado com a situação e a partir daí comecei a usar quase só as minhas imagens nos meus textos.

É mais uma daquelas questões que nos dizem que os antigos sabiam muito mais do que aquilo que muitas vezes pensamos... Porque neste caso, foi mesmo um "mal que veio por bem".

Ou seja, passei a dar ainda mais importância à fotografia no meu dia a dia.

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


sexta-feira, outubro 18, 2024

As palavras, os lugares e os amigos...


Estar com amigos é sempre um bom programa.

Foi o que aconteceu hoje. 

Como o "Lisboa Livro de Bordo" do José Cardoso Pires se tinha intrometido numa das nossas conversas sobre livros e lugares, acabámos por marcar encontro no Cais do Sodré, no "British Bar", onde iniciámos o nosso diálogo com livros, editores e escritores, com a companhia de  um aperitivo. Não fizéssemos nós também parte  deste mundo das palavras impressas, mesmo que raramente tenhamos feito as delícias dos críticos literários.

Depois seguiu-se o almoço num lugar agradável, onde o Tejo se mostra com todo o seu esplendor, tal como a Lisboa cheia de colinas. Nem mesmo o dia ligeiramente cinzento quebrou a beleza deste "miradouro".

A conversa continuou, viva e agradável, algumas pessoas apareciam, quase metediças, por causa disto ou daquilo. O primeiro a surgir foi o bom do Fernando Alves, que enche a rádio de poesia, que esteve ali com o meu companheiro de aventuras e deliciou-se com as vistas. Depois apareceram, quase em simultâneo, o José Gomes Ferreira e a Maria Judite de Carvalho, que tão bem descreveram esta Cidade, onde se fala cada vez menos português (que belas crónicas eles escreveriam sobre esta temática, se descessem do lugar onde estão e nos oferecessem o seu singular "olhar com palavras"...).

E depois a despedida, na Praça do Comércio, ou Terreiro do Paço, onde o Rei e seu Cavalo, repartem a imponência do monumento central, cujas escadas são lugar de repouso passageiro, para esta gente de todas as idades, que se diz perdida de amores por Lisboa...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


quinta-feira, outubro 17, 2024

As pessoas que dizem graças (e têm graça) com o ar mais sério do mundo...


Eu até aquela tarde, apenas o conhecia de vista, e estava longe de ter a melhor opinião do mundo de alguém, que ainda pertencia à família do "Má Língua" (Este senhor fazia as delicias da malta quando aparecia nas assembleias gerais da Incrível e tentava virar as coisas de "pernas para o ar").

Mudar de opinião foi apenas uma questão de minutos...

E eu nem achei piada a forma como ele se sentou junto a nós, ocupando a cadeira vaga como se já fizesse parte do "mobiliário"...

Deve ter percebido o meu incómodo e foi por isso que me obrigou a baixar "a guarda", ao começar a falar de um amigo comum, sem se esquecer de demonstrar, aqui e ali, que sabia mais coisas de mim que eu dele...

Só não sabia que o melhor estava para vir...

Não estávamos tristes, mas com a chegada deste sujeito, que eu achava estranho (e não é das pessoas mais normais do mundo...), a alegria nunca mais nos desamparou. Quase tudo o que ele dizia tinha piada, ainda por cima ditas com o ar mais sério do mundo.

Ele não se limitava a procurar o lado cómico das coisas, como o bom do Dinis chegou a escrever, usava-o, para proveito de todos nós...

Quando regressava a casa, senti-me feliz por ter mudado de opinião sobre uma daquelas pessoas, que pensava ser mais "cinzenta que azul", sobretudo pelo que ouvia dizer por aí.

Ainda bem que o que o que os outros dizem, nem sempre corresponde à nossa verdade...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


quarta-feira, outubro 16, 2024

A forma diversa como lidamos com o conhecimento e com a diferença...


Sei que este não é o tempo de termos opiniões demasiado pessoalizadas, com alguma profundidade e conhecimento, sobre isto e aquilo.

A escola e a vida, estão a levar-nos para outros caminhos.

Não sei se é como o meu filho me diz, que hoje não precisamos de saber tantas coisas, até por algumas parecerem quase inúteis.

Talvez ele tenha razão. Mas eu finjo que não. Até por existirem "inutilidades" que nos fazem sentir bem, no dia a dia.

Continuo a pensar que é bom termos algo que nos define como pessoa, para lá do penteado que usamos ou das roupas com que gostamos de sair à rua...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)