Outra coisa curiosa (pelo menos para quem não é do meio...), também não lê poemas, de ninguém. Nem mesmo do seu mestre, esse mesmo, o Herberto Helder, de quem acabou de ler a biografia escrita pelo "polícia dos costumes da nossa literatura".
O grande motor da sua poesia é a imaginação. Depois vêm, quase em fila, os filmes, os romances, as suas viagens solitárias, de preferência por ruas vazias, onde seja possível enfiar as personagens que lhe saltitam de neurónio em neurónio.
O mais curioso, é que ele, a "olho nu", é um cidadão completamente normalizado, com um emprego de funcionário público, daqueles bons, em que pode passar o dia a ver as barcas a passar no Tejo (num dos poucos lugares do Estado que ainda não foi obrigado a virar as costas ao rio...), enquanto arquiva os papeis que lhe vêm parar à mão nos lugares certos (é bom nisso, sempre foi muito arrumadinho...).
Nunca casou. Sempre teve dificuldade em viver com outras pessoas no mesmo espaço. Precisa e gosta da sua solidão, de não ser importunado, muito menos que mexam nas suas coisas. É por isso que nunca teve empregada em casa, é ele que é o "fado do lar".
Apesar de todas estas coisas estranhas, quando está comigo, fala pelos cotovelos. Diz mal de tudo e mais alguma coisa. Como adora sublinhar os livros que lê e mostra-me partes que normalmente me passam ao lado (sei que se fosse crítico, seria um mau crítico...) e que são realmente alarvidades literárias.
O mais curioso é sentir, que além de sorrir, também aprendo uma ou outra coisa a seu lado. Sinto que ele é demasiado inteligente para se sentir confortável neste mundo que nos cerca.
A minha companheira conhece-o de vista e chama-lhe "o meu amigo estranho", sem fazer ideia das coisas que ele diz, seja dos poetas que passam a vida a rimar "cão com cagalhão", dos vizinhos a quem diz bom dia e boa tarde, que fazem um esforço do caraças para fingirem que são felizes, ou ainda, das mulheres que passam o tempo a mandar nos homens e no mundo, mesmo que finjam que isso é mentira...
Ele diz que não precisa nada disso. Não precisa de rimar com as palavras, muito menos de sorrir à vida ou agradar aos outros, com as mulheres incluídas...
(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)
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