sábado, agosto 21, 2021

Ali Estávamos nós, com os Filmes e os Livros a Sairem dos Bolsos...


Ali estávamos nós, dois anos depois, a falar do que nos apetecia, com a cumplicidade do nosso Tejo, que além de calmo, parecia interessado na conversa.

Primeiro falámos de nós, do que não tínhamos feito (ele tal como eu tivera dificuldade em fazer coisas novas, também preferiu "organizar", "guardar" e "deitar fora"...).

Depois falámos do que realmente gostamos, de coisas que experienciámos ao longo das nossas vidas, eu a escrever e ele a filmar.

Parámos nas personagens, na sua construção, na sua "liberdade" (tanto num lado como noutro, querem caminhar sem seguir o guião). Claro que quando falo de personagens "fugidias", vou sempre ao passado, ao tal primeiro romance com quase trinta anos... Não imaginava que no cinema as personagens gostassem tanto de liberdade, até por terem um rosto. E nas filmagens fazerem exactamente o que o realizador lhes manda. Na literatura é diferente, vamos escrevendo e as personagens vão ganhando vida própria, mudam de lugar e fazem coisas "imprevistas", fora do esboço inicial.

Foi então que ele me falou da montagem do filme, nas horas de película que se "deitam fora" e na vontade que surge de "fazer outra fita"... Disse-me que isso também acontece porque alguns filmes demoram anos a serem feitos (quase sempre por dificuldades financeiras) e quando se chega à mesa de montagem, já somos outra pessoa e vemos "outro filme" e também "outras personagens".

Confidenciou-me que num dos seus filmes teve uma grande vontade de fazer quase tudo diferente, até de alterar os protagonistas. Havia personagens secundárias que lhe pareciam mais interessantes que as principais. E tinha horas de filmagem que lhe permitiam fazer um "outro filme". Mas depois surgiram as questões éticas, que nestas coisas, andam quase a par das estéticas. Não podia "enganar" as pessoas que convidara para os papéis principais, invertendo os papéis e mudando a história inicial...

Foi quando eu que lhe disse que na literatura tínhamos a vantagem das personagens serem apenas de papel, por muito que queiram ir por aqui ou por ali, somos sempre nós que escolhemos o final, sem qualquer tipo de constrangimento ou problema ético. 

Deve ter sido por isso que estivemos de acordo, talvez o cinema esteja mais próximo da vida que a literatura. A existência de um corpo e de um rosto, pode fintar a ficção, pura e dura, ou seja, podemos ser os melhores, mas não é por isso que conseguimos ser os protagonistas de qualquer história...

(Fotografia de Luís Eme - Fonte da Pipa)


2 comentários:

  1. Mas a literatura também reflete a vida...um romance, por muito ficcionado que seja, acaba por retratar situações reais....esses são os mais interessante s 😊

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    1. Claro que sim, Maria, e ainda com mais liberdade que no cinema. :)

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