quarta-feira, maio 20, 2020

«Talvez o melhor seja mesmo acabarem com o Teatro»


Hoje bebi um café com um amigo que faz teatro. Não estava à espera de o encontrar tão desanimado. Embora seja ligeiramente mais novo que eu, já passou a barreira dos cinquenta e há pelo menos dez anos que, lhe dizem que é velho demais para mudar de profissão. Mas ele acha que é desta que tem de pensar em fazer outra coisa qualquer...

A nossa conversa foi quase um monólogo. Percebi que precisava muito de desabafar com alguém e eu também não tinha respostas nem soluções para o drama que está a viver. Voltou para a casa  dos pais, porque o senhorio nem sequer quis ouvir falar das "suas dores", embora também não tivesse grandes argumentos, pois, não sabe quando é que volta a ter ordenado (está a receber um apoio inferior ao ordenado mínimo... apoio esse que pode ter de ser reduzido se continuarem parados)...

Nos últimos anos a companhia onde trabalha funciona quase como um circo. Além de actores, são também cenógrafos, técnicos de som, técnicos de luzes, bilheteiros, arrumadores, funcionários de limpeza, e tudo o mais que seja necessário, para que o espectáculo comece à hora marcada, e possa trazer para casa o ordenado que não chega aos mil euros...

Gostava que o teatro fosse capaz de sobreviver diariamente sem subsídios, mas não tem grandes ilusões. Sabe que só o chamado teatro comercial - mais alegre, mais primário e de melhor "digestão" -, consegue encher plateias. 

Continua a defender que o abc do teatro tem de começar logo na escola primária, para que se perceba bem cedo qual é a sua função social. Mas sabe que isso será muito difícil de acontecer, porque os políticos, tanto à esquerda como à direita, preferem enfrentar no seu dia-a-dia "carneiros" a "seres pensantes".

O seu último desabafo foi o mais marcante: «Talvez o melhor seja mesmo acabarem com o Teatro.»

(Fotografia de Luís Eme - Almada)

4 comentários:

  1. Sammy, o paquete20/05/20, 20:35

    Como compreendo o grito de revolta deste seu amigo.
    Um grito necessário, um pontapé não sabe bem em quê, mas um pontapé forte e colocado.
    E ele, bem do fundo da teima dos ossos, sabe que o Teatro não vai acabar nunca.
    Quando um senhorio analfabeto, sacripanta, filho sabemos todos bem de quem, correu com a ««Barraca» do espaço que tinham na Alexandre Herculano, a Maria do Céu Guerra lembrou-se de um poema da Sophia Mello Breyner Andresen no seu «Livro Sexto»:
    «Pranto pelo Dia de Hoje»
    « Nunca choraremos bastante quando vemos
    O gesto criador ser impedido
    Nunca choraremos bastante quando vemos
    Que quem ousa lutar é destruído
    Por troças por insídias por venenos
    E por outras maneiras que sabemos
    Tão sábias tão subtis e tão peritas
    Que nem podem sequer ser bem descritas».
    Abraço.

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    1. A Cultura tem sido tão maltratada no nosso país, Sammy.

      Tudo o que se está a passar é apenas mais um reflexo da desvalorização do papel da Cultura na nossa sociedade...

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  2. Sempre tenho dito isso mesmo. Aos governos não interessa um povo culto. Porque quanto menos o é, mais fácil é dominá-lo.
    Abraço e saúde

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    1. Pois não,. Elvira.

      Gostam mais de gente "telecomandada"...

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