quinta-feira, abril 26, 2007

As Árvores da Minha Terra


As árvores da minha terra são os sobreiros, não os raquíticos sobreiros do Alentejo que até os naturais apoucam, chamando-lhes chaparros, mas árvores fortes, altas, imponentes que três homens, ou até mais, teriam dificuldade de abarcar. Conheço um a um cada sobreiro dos Pereiros e sei o ruído que o vento faz na sua copa no Inverno, quando criava o ambiente fantástico para as histórias da minha avó Rosalina.
Duram vidas e vidas, os sobreiros da minha terra, e o do Vale Frechoso já era adulto no tempo do meu avô.
Pelo solstício de Inverno, mandava a tradição que os rapazes cortassem furtivamente uma grande árvore para acenderem uma fogueira enorme no adro da igreja e para esse auto de fé o meu avô recomendava sempre o sobreiro do Vale Frechoso que ficava na extrema da sua propriedade e lhe ensombrava a horta e prometia-lhes vinho à discrição para aquela noite de festa.
Este foi um dos raros sobreiros mal amados dos Pereiros, mas já então era tão corpulento que se tornou impossível abatê-lo o que o salvou de uma morte certa.
A última árvore sacrificada nesta celebração, um sobreiro, ou uma oliveira, já lá vão setenta anos, desencadeou uma forte repressão por parte das autoridades concelhias que chegaram tarde para evitar o abate, mas ameaçaram prender todos os homens, se a queimassem.
Passou o Natal, estava a chegar o Ano Novo e aquele monte de lenha ali estava no meio do adro á espera de destino! E aquela festa que sempre fora dos homens e principalmente dos rapazes, foi então feita pelas mulheres que, sorrateiramente, lhe deitaram o fogo, com a coragem que àqueles faltou.
Terá sido o último ano em que se celebrou, pelo fogo, o prenúncio do crescer dos dias e o sobreiro do Vale Frechoso lá continuou majestoso, espalhando os seus ramos e a sua sombra num raio de muitos metros, parece que não passa um ano por ele, como se diz aos velhos, quando os revemos.
Que a sorte e o deus das árvores proteja os sobreiros dos Pereiros contra as pragas que estão a matar os chaparritos do Alentejo que, embora feios, magrizelas, raquíticos, têm, como os nossos, o direito de viver e de ser felizes.

Mais um texto de Joaquim Nascimento...

9 comentários:

  1. Quando arde uma árvore é também muita a memória que arde. Quando vou à minha terra a última coisa que faço é olhar para a oliveira que fica à beira da estrada e em frente à casa onde vivi até aos seis anos.

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  2. Por cada árvore que arde,fica menos um capítulo de oxigénio no planeta terra.

    Bom fim de semana
    Bjs Zita

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  3. Hoje em dia, em cada Verão que passa, há um pirómano à espera, para fintar as autoridades.
    UM, disse eu?
    Entretanto, o país vai secando.

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  4. O vento no sobreiro, as bruxas que estavam a caminho, o colo de alguém corajoso... Cada passo que viu, cada monda, cada chuva cada sol que sentiu. Se as àrvores falassem...

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  5. "não os raquíticos sobreiros do Alentejo que até os naturais apoucam, chamando-lhes chaparros"

    não são raquícos não senhora! tampouco depreciados com o termo chaparro... faça-se justiça.

    quanto às árvores que caem... tenho dificuldade em pensar no acto sequer pois que a sua imponência me assombra e ver cair um gigante perturba.

    tristes actos que se cometem em espelho do mundo em que vivemos

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  6. As árvores dando-nos tantas coisas, além da sombra...

    Há duas semanas foram "serradas" todas as árvores da Avenida D. Afonso Henriques, em nome da modernidade, ou seja do Metro Sul do Tejo e eram umas dezenas largas...

    Será que vão ser plantadas outras, depois das obras?

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  7. gostei muito de ler, luís. cada vez há mais prédios e parques de estacionamento no lugar das árvores. aqui fica a sua memória.

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  8. Pois é Alice...

    É por isso que o texto do Joaquim, faz todo o sentido...

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  9. e pode continuar a disfrutar da sombra desse sobreiro em Vale Frechoso... pois ele ainda tem muita vida para dar... um abraço..

    miguel nicolau - v. frechoso

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