quarta-feira, novembro 22, 2023

Uma memória de Fernando Maurício e da Mouraria


Quando passo na Mouraria, recordo sempre um momento especial, vivido muitos anos antes daquele bairro castiço se ter transformado quase numa "nova Índia"...

Mesmo sem nunca ter sido uma "ave nocturna", era normal que no começo dos anos 1980, com vinte anos, sentisse curiosidade em visitar e entrar na noite lisboeta. Era o que acontecia quase sempre à quinta-feira (gostávamos de fugir das confusões de fim de semana).

Felizmente tinha dois ou três amigos que tinham "livre-trânsito" nas principais casas nocturnas da Capital. Quando saía com eles sabia que não precisava de estar filas, muito menos correr o risco de ser barrado à entrada do "Frágil", do "Trumps", do "Kremlin", da "Lontra" ou do "Alcântara-Mar". Mas também descobríamos lugares completamente diferentes, entre as quatro e as seis da manhã (enquanto não chegava a hora da primeira barca que nos levava para o outro lado do rio...).

O mais curioso, é não me recordar muito desses lugares mais dançantes (o "Trumps" é a excepção que confirma a regra, por ser completamente diferente dos outros espaços...). No entanto houve outros espaços que me ficaram gravados, por serem menos barulhentos e mais castiços. Como a "Mascote da Atalaia", no Bairro Alto, onde se cantava o "fado vadio" de uma forma completamente improvisada.  Ou o "Bar das Velhas" (não era este o nome, ficava numa das ruelas de Santa Catarina e era gerido por duas irmãs, mulheres bem maduras...) Passo algumas vezes pela sua rua e sei que agora é outra coisa, ao contrário da "Mascote", que continua agarrada ao fado, embora se tenha modernizado e tenha pouco da tasca desse tempo.

O que nunca mais consegui encontrar (e passo inúmeras vezes pela Mouraria...) foi a taberna, onde numa noite, desses já longínquos anos 80, tive a felicidade de ouvir cantar um dos grandes fadistas lisboetas, Fernando Maurício.

Mal ele começou a cantar a sua "Igreja de Santo Estevão", naquela tasca repleta de gente, apenas a dois ou três metros de mim, arrepiei-me de imediato. Acho que nunca mais voltei a sentir nada assim, foi como se a sua voz entrasse dentro de mim. E quando acabou de cantar, agradeceu os aplausos e disse estar muito feliz por ver por ali tantos jovens, presos ao fado, olhando para onde eu estava com o meu grupo de amigos.

Apesar de se "vender" a Mouraria de hoje como um lugar perigoso, não sinto qualquer animosidade, quando passo naquelas ruas, mesmo nas que cheiram mais a caril e a chamuças...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


4 comentários:

  1. Bom dia
    Deste texto o que me chamou mais a atenção foi o fado do Fernando Maurício "Igreja de Santo Estevão" que adoro ouvir e até ás vezes cantar quando vou fazer um pouco de Karaoke, já que de Lisboa apenas tenho recordações de locais por onde trabalhei em cargas e descargas mais propriamente de embalagens de cartão.

    JR

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    1. Era um verdadeiro fadista de Lisboa, dos bairros, e com grande qualidade, Joaquim.

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