terça-feira, setembro 06, 2022

Essa Coisa de se Fugir do Passado a Sete Pés...


Olhei para a sua mesa, quase solitária, a sua única companhia era um livro que segurava nas mãos e lia (eu sou dos que não acredita que ele esteja ali, todas as tardes, com um livro na mão, a fingir que lê...) e pensei, mais uma vez, na estranheza da humanidade.

Entretanto foi chegando a companhia do costume, uns acenaram-lhe outros nem por isso. Recordei que há pelo menos meia-dúzia de anos que não conversamos, e que ele não se senta na nossa mesa. É como se tivéssemos feito um acordo, daqueles em que não é preciso usar palavras, mas que se mantém válido e que cumprimos escrupulosamente, de parte a parte: ele não se senta à nossa mesa e nós não nos sentamos na dele.

Como quase todos nós somos do ramo da história e do jornalismo, não há uma única viagem mais profunda, que não nos leve ao passado, para acertarmos contas com o presente. Ele de vez em quando mostrava a sua indignação, dizendo que estávamos parados no passado, naquilo que já não existia. Percebemos que não valia a pena falar-lhe de todas as lições que o passado nos dá, diariamente, e passámos a ignorar a criatura, ou seja, quando tínhamos de viajar pelo passado,  conversávamos uns com os  outros, fazendo de conta que ele não estivesse sentado à nossa mesa. Levantou-se, uma vez, irritado, e sem dizer uma palavra, foi para outra mesa, onde estava um conhecido.

Não sei era melhor ter havido alguma discussão, ou não, para esta "separação de águas". Mas acho que não. É apenas uma questão de filosofias de vida diferentes. Nós alimentamo-nos do passado e ele foge dele a "sete pés". Isso faz com que seja muito difícil encontrarmos qualquer ponto comum em qualquer conversa, por muito pequeno que seja...

(Fotografia de Luí Eme - Cacilhas)


6 comentários:

  1. Também não sou de me alimentar do passado. Posso considerá-lo como ponto de referência, mas prefiro aproveitar o presente e seguir em frente.

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    1. Falar sobre o passado não é "viver no passado", Catarina.

      Penso que há pessoas que têm demasiados fantasmas dentro deles e que não gostam de os "afrontar".

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    2. Quem fala demasiado e frequentemente do passado, está a viver o passado, acho eu.
      Reconheço, no entanto, que há “situações” no passado que as pessoas não podem esquecer. Como no exemplo da RV... que lamento profundamente.

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    3. Claro que sim, Catarina.

      Mas penso ser normal que as pessoas com mais de setenta anos, viajem mais pelo passado.

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  2. O passado às vezes incomoda.

    Abraço

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    1. É isso mesmo, fugir parece sempre o caminho mais fácil, Rosa.

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