Quando ele disse, quase num grito surdo: «Não canto mais!», a maior parte das pessoas que o rodeavam não o levaram a sério. Eu que o conhecia apenas de vista fiquei apreensivo.
Era um cantor de qualidade, que já ultrapassara os sessenta anos e estava a viver o mesmo drama de tantos companheiros: cada vez recebia menos convites para concertos.
E logo ele que é dos baratinhos (a palavra é dele...), já que é rapaz para fazer um espectáculo praticamente sozinho, apenas na companhia das suas violas e das suas canções.
Minutos depois, num dos cantos da sala, um amigo comum tentou acalmá-lo e perguntou-lhe porque é que ele não telefonava a fulano tal, que era influente, etc. Foi nessa altura que lhe saltou a "tampa" e disse: «Mas tu pensas que eu sou algum pedinte, que tenho de andar por aí a pedir esmolas a este e aquele? Deixa-te disso pá.»
E virou-nos as costas. O meu amigo viu-o afastar-se e abanou a cabeça, desiludido com o pais, mas também com o cantor, que apenas tentara ajudar. Para de seguida me explicar:
«Detesto esta gente que finge ser o que não é. O mundo da música sempre viveu de telefonemas para conhecidos, fossem eles empresários, vereadores das autarquias ou membros de comissões de festas. A única diferença é que dantes havia mais trabalho, as pessoas atendiam-te os telefones e aceitavam muitas propostas de espectáculos. Ele fala assim porque normalmente não era ele que fazia esses telefonemas, mas conhece tão bem o sistema como eu...»
O óleo é de Peter Harskamp.
mas doí, ter de mendigar para trabalhar, sem em que área for...
ResponderEliminar:(
claro que doi, mas os capitalistas gostam de fabricar mendigos, Piedade...
EliminarÉ assim mesmo, amigo Luís. O talento conta pouco neste país onde quem manda é o amiguismo. Depois também existe a descriminação etária...
ResponderEliminarUm abraço..
é verdade, Graça.
Eliminarse calha já anda abaixo dos 50 %...